VIRGINIA WOOLF FEMININA FEMINISTA
Para não dizer que nunca falei de Virginia Woolf, digo que nunca tive nem nunca terei medo dela: ao contrário, sempre terei muita admiração, muito amor e até mesmo uma grande paixão por ela. É a mulher por excelência, na habilidade, na compleição, na consistência e na leveza, no delineamento, na prospecção e no andamento dos passos nas léguas das proximidades e das longidões. Para ela o passado nunca é estático “como uma mosca no âmbar” e é assim que refuta muito trabalho convicto de muito historiador fatalista. Pois está ao alcance de qualquer pessoa lançar mão das “forças invisíveis que emergem” (1) e redirecionar os ângulos de um acontecimento de séculos passados e propor, estudar e erigir uma nova formulação através da imaginação poética ou da própria pesquisa científica. Lembro-me, à propósito, de um irmão de meu bisavô paterno que foi acusado, autuado, preso e comeu cadeia algum tempo, até que se certificou que ele era inocente e que o verdadeiro culpado do crime era seu próprio acusador. Libertado, não se deu por reconciliado. Juntou seus bens e coisas, foi para bem longe, onde no entanto, não conseguiu refazer sua vida: teve morte prematura, não explicada pelos registros paroquiais cartoriais permanecentes até os dias de hoje. O que a história não diz não quer dizer que não tenha acontecido, não é mesmo? “A vida é uma vasilha que se enche, enche, enche” (2), até entornar e depender de outras vasilhas. “O momento presente é enriquecido pelo passado, mas o passado também é enriquecido pelo presente” (3), ou seja, por seus evocadores. Não li todos os livros dela (4), mas muitos deles. E todos estão intactos em suas propostas e propensões, em seus convite e convívios. Abrir ou reabrir cada um é o começo da viagem no tempo e no espaço do infindável mundo da palavras envolventes. Encontrei outro dia na livraria o minguado opúsculo “Kew Gardens/ O Status Intelectual da Mulher/ Um Toque Feminino na Ficção/ Profissões Para Mulheres, dela, da coleção Leitura da Editora Paz e Terra, tradução de Patrícia de Freitas Camargo e de José Arlindo F. de Castro – 50 páginas em formato mínimo. Mas que vale por um robusto volume de 500 páginas. O que é a mulher?, a editoria pergunta, na contracapa, e ela responde: “Eu lhes asseguro que não sei e não acredito que vocês saibam. Não acredito que alguém possa saber até que ela tenha se expressado em todas as artes e profissões abertas à habilidade humana”. Em 1920, replicando ao que o escritor Arnold Bennett havia escrito que “a literatura mundial mostra ao menos cinquenta poetas maiores que qualquer poetisa..., que nenhuma mulher produziu um romance sequer que se iguala aos produzidos pelos homens”, ela afirma que na verdade o intelecto humano era formado, no geral, pelo conceito da dominação, privilégio masculino na sociedade: se a inteligência de uma mulher fosse transferida para um homem, aí então sim, essa inteligência seria reconhecida e acatada. À mulher, no entanto, não é dada, socialmente, a permissão de revelar sua intimidade, outro privilégio secularmente concedido ao homem. As restrições e proibições podam as asas femininas, uma injustiça clamorosa, uma vez que é mais do que sabido que elas, as mulheres, geraram toda a população do planeta. E assim podada socialmente, ela não tem uma referência para se escorar e se apresentar na história da cultura, o que sobra ao homem, considerando, por exemplo, que os predecessores de Shakespeare é que criaram condições para que a obra dele fosse criada e pontificasse. Na verdade os homens em geral se permitem a liberdade que nas mulheres eles mesmos condenam. Assim podadas em quase todos os sentidos num meio social em que a dominação de uns e a servidão de outros causam a condição existencial de todos os nossos bárbaros semi-civilizados – a mulher é que carrega o ônus da desigualdade na confrontação, tanto na consideração do status intelectual como no exercício das profissões. Eliminar os fantasmas do subconsciente na hora de escrever, ela conseguiu, mas “contar a verdade sobre minhas experiências como corpo”, -ela diz na página 49, - “eu não acho que resolvi. E duvido que alguma mulher já tenha resolvido. Na verdade, creio que ainda passará um longo tempo antes que uma mulher possa sentar para escrever um livro sem encontrar um fantasma para ser afastado, uma rocha para ser golpeada. E se é assim em literatura, a mais livre de todas as profissões para mulheres, como será nas novas profissões em que vocês estão ingressando agora pela primeira vez?” (o trecho foi captado de um Discurso que proferiu numa reunião de mulheres da National Society for Women’s Service, em 21/10/1931, em Londres).
NOTAS:
(1) Ver página 16 do livro “Momentos de Vida – um mergulho no passado e na emoção”, trad. de Paula Maria Rosa, edit. Nova Fronteira, RJ, 1986.
(2) Página 18 da obra citada.
(3) Página 22 da obra citada.
(4) Todos os livros dela, publicados no Brasil, pela Nova Fronteira são: Orlando, Noite e Dia, Mrs. Dalloway, O Quarto de Jacó, As Ondas, Entre os Atos, Passeios ao Farol, Os Anos, Uma Casa Assombrada, Um Teto Todo Seu.
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