O DIALÉTICO E O DOGMÁTICO
Em setembro de 1997 participei de um curso de doutrina cristã, ministrado na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, bairro Porto Velho, Divinópolis, Minas. Não conclui o curso, por discordar de alguns pontos dogmáticos e por contrair a impressão de que o curso não passava de um catecismo para adultos. Mas fiz as anotações que agora, neste mês (dezembro de 2000) de profunda espiritualização pela passagem do milênio, transmito ao leitor desta coluna (do jornal Magazine, onde colaborei durante alguns anos).
Em oito itens:
1 – As três virtudes teologais são: Fé, Esperança e Caridade. As obras de Caridade são cinco: dar pão a quem tem fome; visitar os doentes; vestir os nus; dar moradia aos desabrigados; enterrar os mortos.
2 – Evangelização: de cada 30 mil habitantes da cidade de Divinópolis, apenas mil freqüentam a Missa dominical. Causa: a evangelização é meramente de verniz, como reconhecia o Papa Paulo VI. Cristo é pouco amado porque é pouco conhecido. Como lá diz São Francisco de Assis: “O Amor não é amado”. Uma Paróquia de vinte mil fiéis precisa de no mínimo 20 sacerdotes. E tem apenas um. E por que a vocação sacerdotal é tão escassa? Esta foi a primeira discordância de minha parte, quando afirmei que o celibato sacerdotal é uma violência contra a natureza humana e como tal é a principal causadora do desestímulo vocacional. As outras causas seriam: a intransigência dogmática e a rigidez hierárquica da burocracia clerical.
3 – De certa forma a religiosidade popular preenche as lacunas da religiosidade litúrgica (esta minha afirmação também causou celeuma).
4 – O catolicismo versus igrejas evangélicas é como se fosse uma pugna política de desenvolvimento e subdesenvolvimento econômico/social. O catolicismo mais místico, o protestantismo, mais pragmático. Maria, mãe de Deus e dos homens, é glorificada no catolicismo e quase ignorada no protestantismo. Assim fica de um lado o pragmatismo anglo-protestante e do outro o misticismo ibero-católico, ou seja: o sol dos escorpiões contra a lua das mutretas.
5 – O Mandamento de amar os que erram (sejam erros veniais ou capitais) não concorre para a instauração e a permanência do caos e da violência?
6 – Outro ponto discordante foi a finalidade da Revelação, contida na aula do professor em três itens: a) ser Jesus mais conhecido e mais amado; b) ser mais amado e mais honrado; c) ser mais servido e mais obedecido. Minha discordância foi referente a esse terceiro item, uma vez que na minha opinião, nem servir nem obedecer significam amar espontaneamente. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança para o bom uso de seu livre arbítrio, não para o servilhismo da obediência apriorística.
7 – O culto da Virgem Maria resgata a misoginia da Igreja Católica, que num de seus antigos Concílios chegou ao ponto de decidir que a mulher não participava integralmente do gênero humano, desprovida que era de alma humana. Mas o culto da Virgem Maria confirma presença feminina no firmamento católico: no próprio curso comparecia quase 50 mulheres e apenas 5 homens. Nas cerimônias religiosas também é assim: a gente olha o interior do templo e quase só se vê mulheres.
O catolicismo paroquial favorece a corrupção porque permite a impunidade através do perdão dos pecados.
8 - O Mandamento de amar os que erram não concorre para a perpetuação dos erros? Pascal dizia que encontrar Deus é procurá-lo (“não me procurareis senão quando já me houverdes achado”). E André Gide afirmava não acreditar numa bem-aventurança que não fosse progressiva (“as promessas de Cristo estão cheias de novas promessas”). E enfaticamente o historiador Will Durant (que era protestante) deixou escrito em sua História da Civilização: “Jesus é o maior revolucionário da História. O que ele queria era arrancar a ambição e a crueldade do coração humano”. “Por ter criado Maria “(ele volta a dizer) “e as catedrais góticas, tudo o mais pode ser perdoado ao cristianismo”. E por que, afinal de contas, o catolicismo é contra o controle da natalidade? A terra não já está tornando-se inabitável? O espetáculo mundial da fome e da miséria, das favelas, da podridão política, da criminalidade indiscriminada e abrangente, toda essa miserabilidade não se amontoa de forma degradante e corrosiva nas desvalidas populações em contínuo crescimento?
Para despedir-me do curso, pedi licença para declamar o poema VENI CREATOR de Cezeslaw Milosz, traduzido por Ana Cristina César:
Vem, Espírito Santo,
balançando (ou não balançando) o capim
aparecendo (ou não) acima da cabeça sob a forma de chama
no tempo da colheita
ou quando os tratores saem para arar
no vale dos bosques de nogueiras
ou quando as neves cobrem os pinheiros fustigados
em Sierra Nevada.
Sou apenas humano
preciso então de sinais visíveis
canso-me rapidamente com a construção
de escadas abstratas.
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