segunda-feira, maio 01, 2006

NIETZSCHE, TEMÍVEL E INVEJÁVEL

Assim “o espírito é o arauto das lutas e vitórias do corpo, seu amigo e seu eco”, ele disse, ele, filósofo assistemático, aforista dado aos motes ascéticos em marteladas e piparotes nas cabeças de toucinho dos picaretas triunfalistas... Filho de Karl Ludwig e de Franziska, irmão de Elizabeth, ingenuamente celibatário, sofreu por Lou Andréas-Salomé uma paixão que abalou seus nervos e mentes; não era muito de amar o próximo, mas sim de amar o remoto... Casar é procurar uma servente em forma de anjo e depois tornar-se um servente que precisa tornar-se anjo, ele dizia. Deus apolíneo das alvoradas que lá uma vez ou outra se dioniziava a ingerir ópio haxixe cloral calmante javanês... Mas severamente instruído: único filósofo de ímpeto arrogante.... O vento nos laranjais derruba as frutas, que se lhe oferecem, vitaminadas: cada fruta é um aforismo esmaltado, um provérbio escaldante, o niilismo a ziguezaguear nos rochedos vertiginosos, equilibrando-se bêbado na corda bamba sobre os abismos... : o hinário brioso da relevância o fraco coração da súbita compaixão os genes e os neurônios escolhidos a dedo chegam e param na psique na libido do filopoeta do poefilósofo laureado, não obstante os feios bigodes as feias doenças, mesmo assim sóbrio e belo de tal maneira que a velha feirante se dá ao esforço de escolher pra ele as melhores frutas da banca, sem saber quem era ele, sem jamais ter ouvido falar em filosofia, na vida... : as palavras pedem licença, querem vir em correição construir suas torres e pirâmides e muralhas, querem cantar em sua boca em suas mãos as nênias de carinhos e de açoites. Toda alegria quer ser eterna, mas a luz é instantânea diante da treva invejosa. As questões são perenes, mas as respostas vêm do passado e do futuro (indiscriminadamente) e ambos não têm começo nem fim. : o homem o homem é apenas uma mistura híbrida de planta e fantasma? O corpo é apenas um rio turvo? mas a alma tem que ser um mar, para não se turvar. ao receber o corpo? ele disse ele disse ele continua dizendo... O orvalho que goteja faz tremer o cálice da rosa : a vida oferecida pela política é um suicídio... : o ser humano nem um animal é? pois que pra ser animal é preciso ter inocência... E o superhomem? : é qualquer um desde que consiga manter-se erguido sob o peso de tanto rebaixamento social? : e se se enfiar o escroto do nazismo goela abaixo e depois ter que tirá-lo a fórcepes pelo ânus?, ele perguntava à mana Beth. Soa mal levantar uma teoria super e depois ter que cair na prática sub de outras quizilhas e outras mazelas... : nem o arqueado nem o empinado, ninguém está isento da impostura, é só descuidar um pouco na ereção que a espinha dorsal se curva e aí quanto mais se abaixa tanto mais a bunda aparece, né mesmo? Assim falava Zaratrusta: os covardes são astutos e desconfiados: cuidado com eles!, eles castigam tuas virtudes e só almejam perdoar teus erros; a vida é a morte perpétua: se destruo a casa, construo o terreno; a genealogia prepondera: o que agora degenera, depois regenera; o erro, a fé no ideal, não é cegueira, o erro é covardia (isso ele frisava); ao se despir em público o que mostra o homem?: a vontade de poder afiando as unhas desde a infância? : tudo ele sabe, tudo ele diz. Onde já se viu antes e depois dele a poesia e a filosofia trocando a mesma roupa, constantemente? Pluralista, ele provoca e desanima, atrai e acorrenta pelo sim e pelo não. Eu mesmo tive dois amigos nietzscherianos, eqüidistantes e contrastados: um apolíneo, outro dionisíaco: este foi pelo caminho dos porcos, o outro seguiu o vôo das águias; o primeiro ao casar-se deu à esposa uma casa novinha em folha um carro zero quilômetro um marido pro que desse e viesse; o outro estuprou a esposa na primeira noite, acidentou-a no primeiro ano, fixou-a depois numa cadeira de rodas.... As dificuldades estão em nós: sofremos e sujigamos : portadores de impulsos inconscientes: só o ascetismo em dose adequada pode maneirar nossos instintos. Valha-nos Apolo e Dionísio,gregos deuses da arte... Já ele próprio, extemporâneo até hoje, “nascido póstumo”) só reverenciava Deus quando raciocinava musicalmente; ele rompedor de obstáculos dialéticos, rompeu sobretudo com o cristianismo (religião ressentida): um dos lados ferido de seu peito: rompeu com Wagner, abaixando um pouco seu tom de voz, rompeu a brecha para dar sinal de vida e abrir buracos em cortinas de ferro. Mas de que vale a alavanca e o ponto de vista sem o ponto de apoio? de que vale a tal de auto-ajuda que só desajuda? que tal botar em seu lugar a auto-crítica bem realista e instigadora e confluente? Pois que quem nem sabe de si como vai saber dos outros? a lógica tem lá suas incógnitas?, uma peroração que cansa ou alucina? cadê os altíssimos abismos da misericórdia? Dele cada ditirambo é uma pedra de toque da verve, um prelúdio de outras sonatas. Ele não segurava nas mãos do Deus Cristão: os outros, mais errôneos, eram mais humanos? cada um deles era quase um de nós, mortais mamíferos e carnívoros ao mesmo tempo. cada um de nós seria quase um deles, e não seria melhor assim, mais familiar? Nele a visão subjetiva obtém a perspectiva, torna-se lembrete e augúrio para situar-se onde a subjetividade alcança a objetividade... : a inconclusão de qualquer trabalho é a sua permanência e perenidade: sempre a investir a refugar a retroceder (como qualquer um de nós) diante dos manjares e dos perigos nas direções do Grande Foco e do Oculto Profundo. Vamos e venhamos aqui entre nós: a estória do superhomem não seria uma peça que ele pregou, uma leréia pra boi dormir? Ainda hoje lê-lo é ouvir as parábolas e os adágios de um ancião dos nossos velhos sertões mineireiros: cada fraseado, uma silente exclamação dos outros, uma lição de moral ou de estética... ah, uma duas argolinhas, ái de nós, uái, venha a nós! o refrão dos rifões dos ditados dos anexins o dito popular e a metafísica, a simples e cotidiana sabedoria, assim de graça em poucas e boas palavras... Na obra dele basta soprar para faiscar as citações proverbiais, a poesia nos dois lados da folha verde, o mais tentador dos desafios... É só mergulhar e boiar, inspirar e respirar :o torvelinho, o alçapão que abre e fecha a favor e contra a nossa vontade. Aí estão os cachos e balaios, é só escolher ao belo prazer as frutas do corpo e da alma, tais como: Além do Bem e do Mal O Nascimento da Tragédia Aurora A Gaia Ciência A Genealogia da Moral O Anti-Cristo Ecce Homo Assim Falava Zaratrusta Humano, Demasiado Humano Crepúsculo dos Deuses e outros esparsos e dispersos.