quarta-feira, abril 26, 2006

BILLY WILDER, AUTOR DE BONS FILMES

As raízes austro-alemãs de suas flores e frutas européias os dias furtivos sombreados de noites fechadas a Marlene Dietrich da magreza fortificada a consciência estava no instinto, começava nos poros a repelir o nazismo fosse lá o mal que fosse: era preciso distanciar para não desvincular, não infidelizar o passado de bons feitos... Greta Garbo era mais um motivo para discernir os albores de outras plagas Europa França e Hollywood, hélas! a escolha da essência, a repulsa da excrescência (As Cinco Covas do Egito, Ninotcha) o companheirismo de Franchot Tone Lubstich Preminger Zinnemann! Stroheim, hélas novamente! ninguém esquece de Pabs Murnau Viene Lang e depois para arrematar a florada do culto europeu da beleza e da sensualidade vem de lá (da França? da Escócia?) a nudez da cintura para cima de Genevieve Page (a cena maravilhosa, criminosamente censurada): as duas mamas expostas a induzir a conduzir e alimentar o brilho dos olhos o vigor da libido a sensualidade o motor incansável da vida ativa o frêmito dos violinos na tela onírica da mais esplêndida realidade. Além de artesão e artista, ele ainda era político e administrador. Aquela pessoa que mentaliza, vai fundo em si mesmo e coteja o que de lá traz à tona no compêndio dos seres agora animados nas três dimensões da superfície, isso depois de depurar o que é íntimo e o que é social – e só então começa a trabalhar nas linhas geométricas do roteiro abalizado e viável. E só Deus sabe como tem que purgar os males da deficiência e da vulnerabilidade. E seguir adiante sem desviar, sem tropeçar, sem parar. Do ajuntamento dos dados da pesquisa toda sua, de ocasional metodologia, ele esboça o embrião e o esqueleto do que será o provável corpo da obra. Porisso ele é considerado mais roteirista que diretor de filmes, afirmativa que não visa desdenhar o seu lado diretor e enfatizar o lado roteirista, mas que quer dizer que ele privilegia a obra de arte em si, como se cada filme fosse uma escultura, uma peça teatral, uma catedral, um romance, um poema lírico ou épico, ou tudo isso ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Não que pretendesse bolar e produzir os chamados filmes de arte. Ele bem sabia que a parte industrial-comercial do cinema estava lá de olhos gordos na dianteira para fiscalizar e supervisionar toda a feitura e evitar o possível colapso financeiro do investimento. Aí, pois, entrava seu lado político e administrativo. Político no sentido do bom desempenho nas artimanhas das relações públicas com os financiadores, os técnicos, os intérpretes (incluindo aí os extras), os montadores, os músicos, os publicistas, os jornalistas etc. E o lado administrador cuidava do bom entendimento das partes no trabalho ao mesmo tempo coletivo e pessoal, visando o resultado contentatório dentro do universo fílmico, incluindo aí as tomadas externas, o aproveitamento contextualizado de todos os envolvidos no projeto, a montagem ideal das pontas com os meios e os fins. Wilder foi roteirista a vida inteira, na parceria primeiro com Charles Brackeet e depois com Izzy Diamond. Mais que diretor, ele era uma espécie de romancista de cinema, artesão autodidata mental e braçal ao mesmo tempo, constantemente mobilizado no espírito da equipe, sem abdicar da mentalização, da inspiração e da criatividade. Hoje o roteirista quase não tem o que escrever (isso ele mesmo dizia aos 94 anos de idade), no meio da parafernália de explosões, no meio de tantos efeitos especiais. O filme está virando uma brincadeira, uma virtualidade, uma infantilização da violência de ação, a funambulesca saraivada de projéteis, uma acelerada reprise de fotogramas nas pupilas sem coração dos aficcionados dos videogames. Nascido em 1906, na Áustria e jamais morrido em qualquer parte do planeta. Casado com Audrey Wilder, adorava Audrey Hepburn, estrela de luz eterna de seus filmes Sabrina e Amor na Tarde. Outras obras-primas dele: - Pacto de Sangue, com Fred MacMurray e Bárbara Stanwick. - Farrapo Humano, com Ray Milland e Jane Wyman. - Crepúsculo dos Deuses, com William Holden, Glória Sanson, Erich von Strohein e Nancy Olson, a deliciosa estrelinha do beijado nariz. - A Montanha dos Sete Abutres, com Kirk Douglas e Jan Sterling. - O Inferno 17, com William Holden e Otto Preminger. - O Pecado Mora ao Lado, com Marilyn Monroe e Tom Ewell. - Testemunha de Acusação, com Tyrone Power, Marlene Dietrich e Charles Laughton. - Quanto Mais Quente Melhor, com Marilyn Monroe, Tony Curtis e Jack Lemmon. - Se Meu Apartamento Falasse, com Jack Lemmon e Shirley MacLaine. - A Vida Íntima de Sherlock Holmes (o único que infelizmente não vi), com Robert Stephens e Genevieve Page. Estes e tantos outros em tantas fases, entre os quais os que fundamentou através de seus buriladíssimos roteiros. Arrebatou seis Oscar’s, além de vários outros prêmios. “Trato da corrida de ratos e da condição humana, das pessoas que não são ratos e vêem-se presos na corrida”, ele disse à biógrafa, acrescentando: “alguém que odeia outras pessoas é a si mesmo que odeia...”. Muito feliz no terceiro ato de sua vida, ele só fez bons filmes, uns atrás dos outros, e reconhecia que só dirigia filmes porque temia que outros estragassem seus roteiros.