DENTRO DOS HORIZONTES
A cidade “apresenta em seus principais lineamentos topográficos a bela forma de um vasto anfiteatro aberto para o Oriente, como que para receber desde cedo os benéficos raios solares, e, encostando-se ao Sul, a Serra do Curral que a protege contra os ventos frios e úmidos que nessa direção atravessam as serras de Ouro Branco e da Moeda”. Aarão Reis, em 1893. Avenida Afonso Pena. O amoroso transcorrer das pessoas em suas pernas e braços mentais. O corredor das atividades sob à luz das necessidades. O céu que se abaixa no Horto, eleva-se no Calafate. A vívida expressão de interesse pelo que der e vier no trânsito dos momentos mais aproximados. O caminho dos objetivos na mobilidade das pessoas blindadas, sob à luz das necessidades, nos pontos obscuros das transigências, como numa tomada panorâmica de um filme de Helvécio Ratton. Praça Raul Soares. A manhã plúmbea, a tarde amarronzada, as sutilezas dos segredos das moitas delineadas. As células corporais renovam-se de vez em quando, assim como a corporação vegetativa dos jardins centrais e dos quintais adjacentes. Todas as pessoas bonitas e confiáveis evocam a inauguração católica apostólica romana do Congresso Eucarístico em 1936, ainda hoje vigente na perfeita circularidade dos aspectos visuais, na aclimatação das circunstâncias e dos parâmetros, na exclusão das contrariedades.... Uma certa doçura até hoje, nublada na lembrança? As redondezas hoje erguidas enevoaram-se? Parque Municipal. Quem estiver prestes a desistir de tudo, a desabar sob o reles céu cotidiano, a sofrer a falência dos sentidos das coisas, que dê um pulo ao Parque Municipal, que percorra as alamedas da educação física e assim defenestre a falta de sentido das coisas e assim sinta apolíneo e peripatético, e o bom sentido da vida a brilhar nos olhos das pessoas novamente auto-reencontradas nas caminhadas a favor das articulações. Ali é onde e quando o paciente encontra o mote da oralidade e do coloquialismo na fragrância das espécies vegetais já extintas em suas matas ciliares, em seus rincões distanciados. É ali mesmo que nos compenetramos de que, oh!, se se perdemos a libido, perderemos a graça de viver... E assim imbuídos do clima do lugar, num átimo a nossa cabeça volta a seu lugar, o corpo se empertiga. E o mundo recomeça a girar. E, filhos doentios do êxodo rural, relembramos os arejados dias lá da roça, onde os animais nunca erravam, nunca erram. Por que não desfrutar a boa parte da roça bem aqui nesse fluido, nessa verde parte da roça, bem no coração da cidade? Praça da Estação Ferroviária. O chefe do trem recolhia as passagens, a repetir: “Belo! Belo! Belo Horizonte!” Eu sofreava a cogitação, fechava os olhos nas curvas. “Você vai gostar da Capital”, a moça dizia. Se se joga uma pedra, ela vira passarinho?, eu pensava. As casas passam no escuro, iluminadas: nunca tinha visto tamanho prodígio! As rodas arrancavam fogos nos trilhos, rilhavam nas curvas do Calafate. Eu via os arcos e as flechas de pedras caiadas, a face dos bichos selvagens da modernidade. A praça abarcava os canteiros de automóveis. As luzes no chão de vidro negro.... A cidade nua estampava num átimo o cenário de um filme policial com Humphrey Bogart, bem assim de repente aos olhos atônitos dos roceiros que chegavam, tecendo em si as novas perplexidades palpitantes dos próximos dias. Praça Sete de Setembro. Belo Horizonte tem seus dias de outras terras? A folgança domingueira nas alamedas triangulares do Parque: teria lá uma vez ou outra similar em outras paragens? Foi aqui na parte da tarde da Afonso Pena que Mário de Andrade viu o céu pintado por pincéis de macaúbas? Os ares de outras terras em nossos dias.... A cidade evoca contos passadistas ou futuristas? Enéas encalhado nas costas da Líbia, revê cenas dos filmes da refrega greco-troiana? Uma réplica bem aqui do bosque sagrado de outras eras? Ah! mais uma vez as sombras das distâncias são as voragens mais próximas! Ah! O pirulito da Praça Sete é o ponto de exclamação da bela arte de Antônio Gonçalves Gravatá, pai de nosso saudoso amigo , o bibliófilo Hélio Gravatá, que Deus os tenham nas alteadas e aladas praças de Lá! Pampulha. As temporárias bonanças do espírito humano na modernidade sadia que respiramos.... As pessoas bem formadas, efígies poéticas (JK, Lúcio Costa, Drummond, Rubião), estão na conjuntura dos melhores fragmentos. Os relevos da lisura, os azulejos dinâmicos. O marco inicial da periférica grandeza (a igreja futurista, o jardim zoológico, o lago artificial, o museu de arte, a casa do baile, o iate tênis clube, o mineirão, o mineirinho), leva ao povo as regalias da elite? Os pássaros cantam nos dedos de Portinari. As caminhadas salutares no contorno da lagoa. Arquitetura reflorida de Niemeyer. As formas arredondadas dos jardins de Burle Marx: tanta vida nas efígies da beleza da beleza mais pública e notória. Praça da Liberdade. Como se a visse pela primeira vez, ainda agora o olhar não se contém nos circulares imóveis desdobrados, cujos interiores são de palacetes, estruturais e funcionais e aprazíveis aptos a “preservar a tradição liberal”, como diria o estadista Milton Campos. Normalmente as pessoas que procuram a plenitude fogem de um vazio que ocupa o lugar da plenitude. Mas bem ali a esteira de outras luzes azula o verde fugindo entre as rosas geométricas, como diria Carlos Drummond de Andrade, sob o renque das palmeiras imperiais. Os Bairros Telúricos. Belo Horizonte é o círculo de seus bairros de nomes alpestres, rupestres, silvestres (Prado, Calafate, Gameleira, Barreiro, Serra, Mangabeira, Horto, Floresta, Lagoinha, Cachoeirinha, Pampulha, Bonfim): cada um com a sua particularidade fisionômica, seus arranjos de ruas e flores e janelas e pessoas: de um lado a sintonia dos monossílabos orais, do outro a arrumação das roupas no corpo e na alma de uma humanidade aluada em pleno solstício tropical. Seus acidentes toponímicos, concatenados nas redondezas das captações visuais, tinham lá seus brejos e córregos, morros e fontes, nascedouros e cemitérios, tudo de útil e agradável para aglutinar as etnias, os étimos, as etnologias, os adventícios de toda parte, na parte mais preciosa das minas gerais de tantas freguesias e primazias. aqui dentro e diante dos belos horizontes “Palpita em cada coração o pássaro da liberdade”, como já disse a nossa bem amada Henriqueta Lisboa.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home