ENGORDO, LOGO COMO
O título deste texto aproveita o mote do livro de Yara Ferreira Etto (Mazza Edições, 2003, Belo Horizonte), portador de guloseimas intelectuais repletas de um humorismo sério e ao mesmo tempo divertido e instrutivo, perfeitamente contextualizado na realidade cotidiana, graças à habilidade talentosa da estreante (e já madura) autora de flores e frutos (já também) maduros. É necessário que a crítica (e não eu, que não passo de um reles resenhista) dê um close na obra dela, revelando-a publicamente no cenário de nossas belas letras como uma nova Adélia Prado, agora poeticamente na prosa, e neste ponto diferente da autora de “Bagagem”, que brilha mais poeticamente em verso mesmo. O tema da obesidade como uma quase-doença, despertou-me, principalmente, numa recente viagem à Europa (França, Alemanha, Áustria e Itália), de 18 dias, nos quais não avistei pessoas obesas, a não ser turistas originários das duas Américas. Evidencia-se, assim, que nas partes centrais da civilização moderna, as pessoas aplicam-se mais às boas normas da educação até no comer: comem para viver e não vivem para comer, como dizem acontecer nos países subdesenvolvidos. Depois que regressei, andando nas ruas de nossa cidade, fico impressionado com a quantidade de pessoas volumosas que defronto. Instintivamente vou anotando as características e fico ainda mais abismado. Só numa calçada de um quarteirão do Centro deparei com 15 pessoas com dificuldades até para andar, dez das quais eram mulheres que, a julgar pelas aparências, pertencem à chamada classe social pobre. Depois constatei nos outros quarteirões que em cada grupo de dez pessoas uma é obesa, outra é tendenciosa e outra já está chegando no limite. Entro aqui com estas observações porque, participando, outro dia, de um encontro dos aposentados da CEMIG em Porto Seguro, não vi mais do que duas ou três pessoas gordas num conjunto de quase seiscentas, de ambos os sexos. A razão estava no cuidado com a saúde, através do favorecimento de um plano conveniado idôneo, que sabe muito bem o valor da correta prevenção, pois quanto menos gasta com a doença, mais se pode gastar com a saúde dos associados. E aí uma dúvida se levanta: Por que toda grande empresa não tem seu exclusivo Plano de Saúde? E por que o Governo não transforma o SUS num plano de saúde? Respostas para a redação. Bem, voltemos ao livro, que é o tema despertador de toda celeuma. A autora começa logo ironizando que a gordura não era problema para Mona Lisa, nem pra Fornarina, nem para a Maja Desnuda. E que Dêsdemona não teria sido assassinada por Otelo, se fosse gorda. Pois, como uma gorda pode ser infiel? Quem a quer? E as ironias humorísticas continuam: - O bebezinho gordo parece um capadinho (os admiradores elogiam, sem sarcasmo). - “Jane Russel usava mamá grande, usava, passado mais que imperfeito”. - “A alma do gordo não cabe no corpo magro”. - Toda mulher que é gorducha/ tem um segredo só seu:/ ao vestir-se, grita: puxa!/ como este troço encolheu!” Lembro-me, a propósito, que a afirmação “como você engordou e está mais bonito!”, é sempre dita com alegria, como um inusitado elogio. E a batelada de recomendações e receitas, todas longamente ineficazes? É um livro de quase 100 páginas, que você lê de uma sentada. Igual a um prato engordatício: você come de uma sentada. É bom ler assim depressa, porque depois a gente relê como se fosse outro, sendo o mesmo livro. A autora fala das prescrições e dos paliativos: caminhadas, ginásticas, pedalagem, academias, SPAS, regimes, drogas, simpatias, remédios de farmácia e de curandeiros, ah, mas, ela acentua que uma iniciativa alimenta a outra, e outra a outra, todas desagradáveis e depois vem a óbvia conclusão: bom mesmo é engordar, é deixar a rama da abóbora lastrar! Fora da boa vida, nada dá certo – e se você se livra de uma tentação é porque ela não era suficientemente forte, já dizia o André Gide. E por isso não se pode dizer que sua força de vontade prevaleceu. E a toda hora a narradora, às voltas com a balança e com o espelho, sai de uma para enfrentar o outro, que é uma espécie de seu próprio altar-ego. E, a toda hora, ouve dele as reprimendas precedidas dos dizeres “Minha Ama e Senhora”, como na estória infantil da madrasta implacável, censurando-a pela incontinência dos hábitos e costumes obesedíçios, até perder a paciência e sentenciar (na página 73): “O que a senhora não tem é vergonha mesmo!” E para completar a rapsódia, vem a estória da amiga que foi ao psiquiatra com a desculpa de que sua obesidade era psicológica, e ouviu dele, a contragosto, a sentença: “Quem não estaria deprimido, sendo oprimido por 112 quilos de banha?” Ai então a persistente amiga optou por outras alternativas: lipoaspiração, cirurgia do estômago, o diabo a quatro. E aí, depois, o que acabou acontecendo? Teve que hospitalizar-se às pressas, por estar entalada ao comer uma saudosa, lauta refeição.
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