LEITURAS INQUIETANTES I
Quando o tempo permite, vamos às quinze bandas: mas se chove demais é a lama, é o buraco se chove de menos é a poeira, é o buraco Eu cabeceava no fundo do carro, a pensar que é preciso controlar a licenciosidade: um pecado de vez em quando conduz à estabilidade da virtude. O livro “ULISSES”, de Joyce, contém 260.430 palavras, das quais 15.000 foram usadas uma única vez. Elas, no livro, imitam sons e ruídos, reflexos de luzes, fluxos de livres associações. Os monólogos sem sintaxe, sem sinais de pontuação. Stephan Dedalus é Joyce e Telêmaco, Leopold Bloom é Odisseu e o Judeu, Molly Bloom é Penélope, com seus vários amantes. Cada capítulo do romance oferece uma linguagem complexa e diferente. Nada da subjetividade de Dostoievski, Henry James e Faulkner. Uma sonata: tema, contra- tema, encontro, desenvolvimento, final. O “Grande Sertão: Veredas”, de nosso Guimarães Rosa, é o “Ulisses” que deu certo, ou seja, que encontrou muitos e muitos leitores. (ilações da leitura, em 1967, do livro e de comentários de autoria não lembrada). D. H. Lawrence vê o casamento, no romance “Mulheres Apaixonadas”, com o mesmo olhar de Bernard Shaw e de Ingmar Bergman, como uma forma desagradável de conviver (até problemática, para não dizer doentia). O celibato para ambos os sexos seria, talvez, mais feliz se se escoimasse dele a pecha de pessoa esquisita e intratável, que o meio social pespega? Ir por ele afora (o casal Rupert e Úrsula quer dizer) é como seguir uma ideologia, ou seja, andar em roda, dentro de uma gaiola. Os parceiros se tornam, um ao outro, intoleráveis, dentro de pouco tempo, observa Gudrun, irmã de Úrsula, sobre os cônjuges. Não aceitamos o mundo tal qual é, mas ele é só este e é assim mesmo, conclui, desalentado, um dos personagens. Será que a vida conjugal é assim tão difícil e penosa? A pergunta exprime toda a impressão que a obra de Lawrence nos dá. Já o amor entre as flores, ele descreve com outras mãos e olhos: “o pequenino estigma pontiagudo e vermelho da flor feminina e a antera amarela e máscula oscilante, e o pólen dourado que voa de uma para o outro...”. “O amor não é um desiderato, mas uma emoção passageira, como outra qualquer? Ah, a humanidade, para ele é uma árvore seca, coberta de folhas secas, que somos nós. Sem nós, ele acrescenta, o mundo seria limpo e encantador, com as árvores, os pássaros, as lebres e serpentes, os seres invisíveis (anjos em toda parte).... O ser humano apodrece na crisálida, é um deficiente que jamais adquire asas”. O amor está nos ramos, e não na raiz, por isso acaba logo, arremata um dos personagens, ao amarrar no pescoço uma pedra de terríveis recordações. Pequeno fragmento não aproveitado em meu romance inédito “Por Que Choras, Saxofone?”: “Acomodei-me entre sacos e engradados, na carroceria...: fazia frio e ventava no caminhão contra a montanhosa distância. No dia seguinte já estava em comunhão com as pessoas de Deus (lá no Jubileu de Congonhas de Campos): Zacarias, Isabel, João, José, Jesus e Maria! Com as pessoas simples do povo sofredor, perdidas em casinholas nas montanhas espinhosas...”. - É difícil distinguir no burburinho da praça os rapazes da TFP (tradição, família, propriedade), os pupilos de Hitler e de Mussolini, os inocentes úteis de Stalin. -Aquele cara de vilão de faroeste, êmulo de Jack Palance. - A mulher em Renata Pallotini, que descrevia o amante que vinha na onda, primeiro sobre ela e depois dentro dela, até chegar na mulher deitada na areia da praia, que via o amante primeiro sobre ela, depois dentro dela. - Quando o raio fendeu o azul do céu, trouxe para o meu campo de visão as Musas do Parnaso, assim digo, lembrando-me de um conto de Myriam Campello, de quem pinço outras cintilações. -“ Os cavalos ainda pingavam o sal do último naufrágio. - O desejo dói e assusta, oh, Senhor! - Os orgasmos tremulam no corpo como os carrilhões na catedral”. - Os olhos do corpo dela eram chispas do mais puro sol, eu, ainda myriancampellizado, arrisco a dizer. E terminar o parágrafo.
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