quarta-feira, maio 30, 2007

MÚSICA E LITERATURA

O teólogo Karl Barth lamenta que a “REFORMA nos tirou tudo, e cruelmente deixou-nos apenas a Bíblia”. “Não seria muita audácia do homem fazer o papel de mediador entre o céu e a terra? Pergunta Schleirmacher, que vê na música uma alternativa no intercâmbio entre o divino e o humano. Federico Sopeña complementa: “a música pode ser quase um sacramento destinado a ser mais do que a própria palavra, união de silêncio e de significado”. A de Mozart, ele diz, é a vida em sua dualidade, mas no fundo sobressai a cortina da criação, e sua música “orienta-se das sombras para a luz e não inversamente”. Do Diário de Paul Klee, o pintor-músico: “As três coisas que mais existem: a concepção objetiva de orientação à terra, de gravitação arquitetônica, da antiguidade greco-romana; um cristianismo de concepção subjetiva de orientação ao além e de gravitação musical; e a condição humana de ser modesto, ignorante auto-didata, um minúsculo eu”. E acrescenta: “São ilimitados os meios de expressão do músico Pablo Casals: tanto pra o exterior, partindo da profundidade, quanto para o interior; na própria profundidade o céu parece abrir-se”. O lirismo é que predomina na pintura de Klee. Coisas e espaços resolvidos em música, redimindo a pobreza espiritual da às vezes pançuda prosperidade material, é o que diz Sopeña, no livro “Música e Literatura”, onde afirma também que a música sempre nos repete o sonho da juventude. Os sonhos monstruosos contados por Freud e Schonberg e pasteurizados pelos românticos. - Quem pára de aprender, morre antes de morrer. Bernardino Leers, ofm. - Monocultura: fábrica de moedas e de pragas. (?). - Felicidade afetiva pra mim, diz qualquer mulher sensata, não é apenas o preenchimento dos vazios sexuais, mas sobretudo aquele bom e refinado calorzinho no coração (?). - A música, assim como os jardins, criam a paisagem do amor, o sentimento da beleza, do sofrimento e da felicidade (?). - Um rosto invisível me olhava, o eco de um nome desconhecido me perseguia, era assim que um tal de Jollivet sentia ao ouvir a música wagneriana Do citado livro de Sopeña: “O prazer às vezes mata no homem a faculdade de amar, dando a ele um coração de eunuco. O amor ultrapassa o desejo, mesmo sem correr pelas ruas, diz Julien Green. As feras rugem surdamente à noite na música de Bela Bartok. Se o vento pudesse compor música, a música seria de Debussy. A abertura dos “Mestres Cantores”, de Wagner é como o sol ao sair das nuvens, lança raios por todos os lados. “Uma bela voz é um belo corpo”, volta a dizer Julien Green, que acrescenta: “eu não seria o mesmo se Schuman ou Debussy não tivessem composto certas músicas que compuseram”; e acrescenta: “não sei porque a religião é procurada em outra parte e não em Brahms. A música de Mozarat prolonga a infância indefinidamente”. As letras de músicas são vermelhas, são azuis. João Ribeiro afirmava que a beleza é erótica, e que as coisas belas são afrodisíacas. O mundo é feito de lugares e de caminhos e quase todos estão repletos de vespas, buracos e espinhos. As palavras são feitas posteriormente à coisa feita, mas podem ser usadas prematuramente, antecipando dizeres e fazeres. A musicalidade latente, escorreita, intacta, implícita na página escorreita de Henry James, de Fernando Pessoa, como contas de prata na face do lago, flores de neve despencando da árvore de Natal, como diria Pedro Nava.... De minha parte tenho a dizer que outro dia, ao ouvir um barulhinho detrás da máquina de lavar roupa, no porão da casa, vi a gata amamentar os três gatinhos recém-nascidos. Pobrezinha, pensei. É uma gata de rua, e só passava em casa uma vez ou outra, sempre assustada, temerosa de represálias. Eu mesmo a afugentei várias vezes, pois ela negaceava os pardais que eu alimentava no quintal. Ela agora me olhava do esconderijo, com o olhar implorador. “Não me expulse daqui agora. Não vê que estou com os filhotinhos que dependem de mim?” É claro que eu agora a queria mais que aos pássaros que eu dava água e fubá grosso todo dia. Trouxe logo uma caneca de leite e pedacinhos de pães embebidos nele. Os gatinhos lambiam, olhando-me, agradecidos, mas não aceitavam minha aproximação deles, corriam para o fundo do esconderijo. Já a mãe deles, não corria mais de mim, reconhecendo-me como amigo e nutriz auxilir de sua pequena ninhada. Ah, meu Deus, quê família mais abençoada. São uns anjos, apesar das unhas e dentes afiados, já na primeira infância. Por que não sabem cantar como os pássaros, como os galos das alvoradas? Quem sabe conseguirei domesticá-los? Como proceder: entoando cantigas infantis?