terça-feira, julho 24, 2007

CARTA A UMA JOVEM POETA

Prezada prima Stella Tavares, desculpe se utilizo aqui, como epígrafe, uma símile do poeta Rainer Maria Rilke, sem a pretensão de igualá-lo (é claro), nem mesmo de imitá-lo. Uso-a como se desconhecesse a bela obra do poeta alemão. Feito o intróito, vamos entrar logo no tema da carta. Você já instaurou um clima e uma linguagem, como certamente aconteceu com muitos escritores talentosos e geniais distanciados histórica e geograficamente e mesmo com alguns modernamente aproximados. O que consegue com pequeno-grande livro O ADESTRADOR DE SENTIMENTOS é meio-caminho andado na sua auspiciosa trajetória literária. Não fuja dele, que é seu, com todos os direitos precocemente adquiridos. Ele se bifurca como num jardim de Borges e você terá toda a biodiversidade para tatear, palmilhar, viver e escrever, revivendo e descrevendo. Comecei a ler, assinalando, como sempre faço em minhas leituras, as partes mais salientes, o que logo parei de fazer, ao constatar que ali as partes não se desligam do contexto, que ali nada se perde, tudo se enovela na densa e espontânea criatividade. Todo o grande-pequeno livro é uma grande citação da pertinente, surpreendente autora chamada Stella Tavares, filha de Raimundo José Tavares e de Maria do Rosário, irmã de Tereza, de Fátima, de Dora, de Antônio, de José Pedro, de Regina e de Régis (os dois últimos do segundo casamento do pai, então viúvo, com Dona Antônia): todos, todos mesmo, possuídos do chamado bicho-carpinteiro, que teima em construir dentro de cada um novas vidas, novos mundos, uma vez que a criação de Deus existe é para isto mesmo: para ser continuamente recriada. O ADESTRADOR DE SENTIMENTOS é um dos livros mais estimulante e inquietante que tenho lido ultimamente. Tenho lido pencas de livros expositivos e de teses e relido os de ficção e poesia (prosa e verso) – e sinto-me dentro das folhas de seu livro, sinto que ele é um pouco de tudo e, portanto, é muito, muito em si mesmo. Como se estivesse lendo parábolas e teses, poemas e crônicas, diários e romances, reportagens e artigos de fundo de uma vida ao mesmo tempo sedentária e viajante. Não sei como você se acomoda e leva uma vida normal nas três atitudes humanas fundamentais (pessoal, familiar e social): como pode uma moça razoável, uma esposa e dona de casa, ter e conservar dentro de si fogueiras de sol e fúlgidos espasmos de luas entre nuvens? Como pode assim amansar a genialidade introspectiva sem desafinar, sem exasperar? Ah, deve ser assim mesmo. É assimilando a própria sabedoria genealógica - que lhe veio de graça, sem ser chamada e que por isso jamais pode ser expulsa, que já se inoculou no cerne e na carne de seu espírito – e é assim que você vai revelando a significação dos matizes e dos arroubos das retrospectivas e perspectivas existenciais de sua floricultura, de sua lavoura poética. E a primeira colheita encanta e alimenta tantas almas e corações sequiosos, atribulados e cooptados pelos divulgados folhetins da banalização midiática, que pretende transformar o que vê e toca numa espécie de feira de vaidades, numa espécie de “sol nulo dos dias vãos”, como diria o poeta Fernando Pessoa. É uma bênção a florescência e a frutificação do “manso pulsar” da obra da ao mesmo tempo retraída e fulgurante Stella Tavares. Bem haja, pois. Parabéns e abraços do primo Lázaro Barreto.