sexta-feira, julho 13, 2007

MESA, PLENÁRIO E BASTIDORES (*)

Congresso Brasileiro de Escritores (1985- Estado de São Paulo, SP).  

A imprensa paulista não morreu de amores pelo Congresso Brasileiro de Escritores, mas isso não surpreende: ela, que sempre destaca em caixa alta os artistas da música e da televisão, os jogadores de futebol, os políticos e empresários bem sucedidos, e que reserva o mísero corpo 8 do pé da página aos escritores, só gosta deles quando consegue transformá-los em editores, redatores e repórteres. 

Realmente, aconteceu de tudo no Congresso, mas isso era previsível e inevitável: da heterogeneidade social do povo brasileiro não podia resultar uma homogeneidade cultural. Ademais, isso do pau quebrar entre intelectuais é comum. Só há consenso e harmonia onde há passividade – e todo intelectual que se preze é um descontente e tem uma visão pessoal das coisas. 

O que sobressaiu nitidamente – e isso é sintomático em nosso tempo – foi a ascendência do cientista social sobre o literato. Enquanto um não se fez de rogado e deu o melhor de si, o outro omitiu-se inexplicavelmente, deixando a peteca cair do seu lado. As melhores exposições foram creditadas a Florestan Fernandes, Alfredo Bosi, Muniz Sodré, Octávio Ianni, Eduardo Vieira Manso, Carlos Nelson Coutinho, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Welffort, Fábio Lucas, Lygia Fagundes Telles e José Paulo Paes, sendo que, a rigor, apenas os três últimos (crítico, ficcionista, poeta) podem ser considerados escritores-literatos. Os demais são escritores-cientistas sociais. 

O cenário do Congresso apresentou três planos distintos: a mesa, o plenário e os bastidores. A mesa, em todas as sessões, era formada de grandes nomes pinçados do ensaismo (professores, sociólogos, antropólogos), da diretoria da União Brasileira de Escritores – UBE (novos escritores paulistas de grande força) e da literatura propriamente dita, a que mais se envolve com os deveres da criatividade. Estes, em menor número, se deram mal (Geir Campos defendendo os livreiros, José Loureiro pregando o sindicalismo), com exceção dos três já citados. O plenário configurava um mosaico de projeções regionais, eivado, em linhas gerais, de um primarismo intelectual (influência ainda pendente do autoritarismo institucional?) que tinha duas faces principais: os acadêmicos e os neófitos. Os primeiros misturavam-se entre os românticos e alienados, cooptados pelo sistema, e os ressentidos e zangados, refutados pelo sistema. Os neófitos (a grande maioria do plenário) definiam-se à primeira vista pela sede de estrelismo de uns, traindo a indecisão entre a oratória e a escrita, e pela consciência de sofrida marginalização de outros, tudo mesclado com freqüentes aparições retardatárias de êmulos ideológicos da contracultura (que teve brilho meteórico nos anos 70). Nos bastidores pululavam os escritores consagrados, transformados em críticos do Congresso. No balcão do cafezinho, no bar da cerveja gelada e no reduto da imprensa, eles vendiam caro sua participação no conclave, esnobando, muitas vezes, o pessoal do plenário. Muitos integravam as comissões de redação dos projetos de resoluções, que pecaram , com exceção de apenas uma (a encarregada do tema “Os Problemas, os Direitos e a Organização dos Escritores”, que foi aclamada irrestritamente), pela copidescagem apressada. A do tema “O Escritor e a Realidade Nacional” comprou a maior briga do Congresso, lavrando uma simples ata em vez de redigir a resolução. Vaiada pelo plenário e solicitada pela mesa para justificar-se, alguns dos membros acirraram ainda mais a indignação declarando que apesar de serem ficcionistas não conseguiam inventar um texto que fosse o resultado do material, de baixíssima qualidade, que tinham em mãos. Aí a coisa ferveu. Fábio Lucas, com a serenidade lúcida e dinâmica com que se portou em todos os momentos do Congresso, sugeriu que o plenário constituísse nova comissão, o que foi logo feito. A redação posteriormente resultante não foi muito apoiada, mas pelo menos configurava o corpo textual de um projeto. Ficou, pois, evidenciado que a primeira comissão pecou por descaso e comodidade, já que o nível das exposições e debates foi mais ou menos igual em todo o temário. Ademais estava claro para todos, naquela altura, que se o nível das apresentações não primava pela boa qualidade, isso poderia ser debitado, em grande parte, à ausência e à omissão dos chamados autores consagrados. Eu mesmo tinha enviado uma proposição, tentando, com a mesma, interpretar a prevalência do cientista social sobre o escritor (constatada até no transcurso do próprio Congresso), na qual falava da dificuldade que o escritor tem de exprimir a realidade nacional porque está mais perto de uma pequena burguesia ascendente, que pode comprar e ler seus livros, o que não acontece com os cientistas sociais, que geralmente são professores e pesquisadores em constante e intenso convívio com a massa estudantil e outros importantes segmentos sociais. Uma proposição que até podia ser contestada, mas que merecia, talvez, alguma atenção. Foi simplesmente ignorada, o que aconteceu também como as lúcidas exposições de Alfredo Bosi, Carlos Nelson Coutinho e Décio Pignatari, que falaram das transformações pelo alto da sociedade brasileira, dos intelectuais ligados às classes dominantes, das influências das tradições não-verbais da poesia, da substituição das vanguardas européias pelas subvanguardas latino-americanas. Os três planos montaram, afinal de contas, um painel que se não refletiu a melhor imagem do Congresso, pelo menos revelou momentos maduros e potencialmente criativos. Lembro-me de alguns, que cito de memória: cabe ao escritor combater o uso anti-social do Estado (Florestan Fernandes); a prevalência do eixo Rio-São Paulo aborta a renovação e a diversificação da criatividade nacional (? Paranhos); as crianças brasileiras vão à escola mais para comer do que para aprender (?); a China vendendo fuzis para Pinochet do Chile; a maioria dos escritores capitulou vergonhosamente ao tacão ditatorial (Cláudio Abramo); a obra literária é a inconformação com o que existe, não corrobora o estabelecido (José Paulo Paes); a cultura é hoje a reprodução do capital (Muniz Sodré); a televisão, que cria uma multidão solitária e passiva, foi a cara colorida com a qual a ditadura se apresentou ao público (Octávio Ianni); o escritor defende todo mundo e ninguém defende o escritor (Jaime Pereira); todo mundo corre para que o Banco não quebre e ninguém corre para evitar que a educação quebre – e ela quebrou (Fernando Henrique Cardoso);neste País, ao mesmo tempo atrasado e moderno, a televisão tem que ser entendida como serviço público e não como órgão de mercado de consumo (Francisco Weffort); a obra de arte é a negação da morte, temos que ser solitários e solidários (Lygia Fagundes Telles); o Brasil está cheio de políticos sem consciência estética e de escritores sem consciência política (?) ; em 1945, enquanto lutávamos lá fora contra o fascismo, tínhamos aqui o fascismo no governo e nas instituições; agora demos até mesmo oportunidade ao presidente da República para tornar publicamente a decisão de consolidar a democracia brasileira (Moacyr Scliar). 

(*) Texto publicado no Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, em 25/05/1985.

1 Comments:

Blogger Daniel Pereira said...

Lázaro,

Acabo de ler sua análise do que rolou no Congresso de 1985. Quem sabe o deste ano resgate tudo, não é mesmo. Vamos lá? Veja em www.ube.org.br

abraço,

DanielPereira
jucapatoube.imprensa@gmail.com

10:53 AM  

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