quinta-feira, julho 12, 2007

ILAÇÕES DE LEITURAS III

A idéia precede a linguagem, que se rebola para exprimi-la. Mas antecipa ao símbolo que, encontrado pela idéia, representa a origem da comunicação, que pode ser boa ou não, dependendo da linguagem empregada, que pode ser boa ou não, dependendo da capacidade articuladora do comunicador. Marilene Diniz Valério exprime tudo isso, muito bem, na página 103, citando Kant, Hegel e Paul Ricoeur. E assim revela a importância dos símbolos nos sonhos de uma pessoa, que só podem ser analisados, como ela acentua, se se “levar em conta a história” da pessoa que sonhou. A leitura dela e nossa, dos intrincados arrazoados filosóficos, segue fluente na parte dela e morosa na parte de nossa leiga participação. Mas nas páginas 122 e seguintes, sobre o estudo de Freud sobre o luto e a melancolia, as ilações do leitor são mais instantâneas e definidas. O “trabalho do luto”, ela escreve, “ocorre como uma desconexão”... “das amarras que nos fazem sentir a perda de um objeto de amor como a perda de nós”. Experiência que todo ser humano está sujeito, e que pode levá-lo até à uma doentia fixação. Mas, ela acrescenta, “desde que a realidade nos revela que o objeto amado não existe mais” ... “Eros exige, através de outras satisfações narcísicas, que nossa libido se vá desatando daquele objeto amado” (...) “e quando se conclui o trabalho do luto o “Eu” fica outra vez livre e desinibido, aberto a novos investimentos”. E assim “o inconformismo, a tristeza, o desespero”, vão desaparecendo, possibilitando, assim, “à libido criar outros laços amorosos”. Mas sabemos que o sofrimento pode adormecer, mas sempre volta, mesmo subrepticiamente, sobrecarregando a memória de dor e desventura. A metáfora alude a uma relação de palavras referentes a semelhanças subentendidas e não de todo evidenciadas. Usa-se geralmente para aliciar o leitor ou ouvinte para um conluio mais familiar numa oração mais amistosa, mesclando o conceito com a imagem. Na página 127, a autora pergunta: “emerge o sentido da metáfora diretamente do significado das palavras ou transcende para o objeto e o conceito?” A metáfora não pode ser genérica nem atemporal, ela afirma, “posto que pertence à instância do discurso e só com relação a essa instância adquire sentido”. Assim a metáfora fica inadequada para as orações e discursos científicos e jurídicos e belamente recomendada para as orações e discursos do linguajar popular e da literatura em todas as nuances de seus ramos de prosa e verso. O livro VEREDAS DO DISCURSO E DA VIDA”, de Marilene Diniz Valério, é desses que ficam de pé na estante, dono que é de suas palavras abertas para o entendimento da temática nele tratada: é largo e profundo nas indicações que a linguagem propicia ao adentramento na filosofia, ou seja, na convivência amistosa do ser humano com a problemática do mundo e da vida, nebulosamente cativante. Assim, vira e mexe, ela agracia o leitor com jóias pensamentais, como na página 137: “I.A. Richards considera que as palavras não têm significação própria, mas que só no contexto, na situação discursiva, adquirem sentido”. E sobre um poema de Federico Garcia Lorca, na página 150: “A sonoridade das palavras, o tom de lamento, a entonação dos versos e as metáforas dramáticas têm a ver com a mensagem por si mesma, isto é, constroem uma opacidade para os signos e realizam a função poética do texto”. Em suas Reflexões Finais (página 233), ela declara que o estudo da obra de Paul Ricoeur representou “um risco e um desafio”. Risco porque não podia nem queria “reduzir e empobrecer a obra do filósofo através de possíveis infidelidades em relação ao pensamento do autor”. Desafio porque, “não sendo oriunda da área da filosofia”, teve que esforçar-se muito para alcançar os “conceitos e categorias e a apropriação do discurso filosófico, bastante estranho” para ela - e também para o resenhista que se empenhou no sentido de pelo menos aproximar-se da dimensão do trabalho refinado dela, Marilene. “As palavras não são apenas palavras, as coisas não são apenas coisas. Há uma inteligência ou uma sensibilidade envolventes” – eis uma citação de um livro que comecei a escrever em 1999 e que até hoje não conclui, justamente por não conseguir enfrentar o desafio da linguagem filosófica no sentido de manejá-la literariamente. A leitura atenciosa do livro de Marilene, vai continuar esclarecendo-me muitas dúvidas. Tenho certeza.

1 Comments:

Blogger Lázaro Barreto said...

Por um lapso inexplicável empreguei as palavras "Mas antecipa" no lugar das palavras "E sucede" - isso no segundo período do primeiro parágrafo do texto "Ilações de Leituras III. Perdão, leitores.

9:23 AM  

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