PEQUENA TRÉGUA NO EXPEDIENTE
No inferno burocrático da agência bancária, os clientes aflitos na reles fila indiana, acompanham a faina dos funcionários no manuseio dos papeis que controlam as ações humanas. Lá fora um sol de rebentar mamonas derrete o tédio dos postes e das calçadas, o suor expele o estado de espírito dos operários, agora vergados nos canteiros de obras públicas. Dentro, o tinir inaudível das moedas, o cheiro forte das cédulas novinhas em folha. A inflação imposta solta os ratos no paiol: não há correção monetária que agüente. Assim torramos a paciência na fila extática, até que um dos cifrões desaparece na janela e a máquina de escrever pára de escrever. O que houve? Os andares de cima pegaram fogo? Os bárbaros invadem a Europa novamente decrépita? O infarto fulmina o Cabeção da classe dirigente? Ou foi a moeda que readquiriu o valor inerente? Num minuto descubro o que aconteceu: a moça que batia a tecla dos juros, ergueu-se, belíssima, entre as mesas do salão (a procura de um cadastro, uma minuta de ofício?), anda e coça (pensa que ninguém vê) a seda íntima de sua redondidade traseira, que inspira e atrai. E assim imprime novo ritmo aos movimentos dos interesses contraditórios das pessoas, e assim cita sem querer (seguidamente) a palavra AMOR. Quando volta dos armários verdes para o balcão, como se fosse o luar numa tarde de verão, ela é a idéia mais feliz da tarde na agência e sem querer e sem saber é a imagem que inventa nova forma de dizer, obliquamente, que a felicidade da terra nada tem a ver com a dinheirama da receita e da despesa.
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