REMINISCÊNCIAS
1 – O Bruxo do Cosme Velho. O gosto que Machado de Assis tinha de escrever é o mesmo que temos de ler o que ele escreveu. “Deus, quando quer ser Dante”, ele diz, “é maior que Dante”. Ah, os vínculos perpétuos e divinos de certo cativeiro, como ele diria. Aos poucos ele vai chegando e entrando em nosso coração. Sem forçar a porta (sem arroubos ou frases de efeitos), ele acena de longe, aproxima sem ruídos e daí a pouco está com as sugestões e as minúcias do que antes eram incertezas e que agora são evidências instigadoras.
2 – O que passa, o que fica. A desgraça (a falta de graça) da vida contemporânea torna-se cada vez mais aguda na medida em que a sociedade humana aliena a arte e a cultura de seu contexto. “As sociedades antigas”, diz Robert Kurz, “não tinham uma cultura do modo como se “tem” um objeto externo e casual, antes “eram” uma cultura”. “Hoje”, ele acrescenta, “as criações artísticas ou são ignoradas ou tornam-se como objetos de museu, já mortas antes de nascer”. A pessoa vai a um recital, a um concerto, a uma ópera, a um teatro, a uma biblioteca, encanta-se ou não com o que vê e sente nesses lugares, mas volta para casa sem levar o que viu e sentiu, volta desempregnado do que deveria ter enriquecido sua existência. Isso porque a pessoa volta para uma realidade mais constante, de outros valores, dissociada dos elementos da piedade e da transcendência, inerentes à significação estética da vida – que muito tem a ver com a arte e a cultura. O ser humano moderno está, pois, como que desencadernado espiritualmente? Alienado de seus bens primitivos? Valendo-se apenas de seus padrões biológicos, desistindo (ou postergando) do usofruto de seus indícios de nobreza autêntica? A palavra nobreza é aqui empregada no sentido do possível grau de perfeição comportamental que o ser humano tenha chegado sob o ponto de vista filosófico da moral, da religião e da poesia. “Se a arte não é mais capaz de refletir positivamente o todo cindido”, acentua Kurz, “”que o faça negativamente, ao elevar à consciência a precariedade estética do mundo “economicista”.
3 – O que passa, o que fica.
Atrás do morro tem morro.
A terra é redonda, fácil de rodar.
Todo ser vivente está sempre eqüidistante de um começo que não aconteceu
e do fim que não acontecerá.
Cada dia que passo na vida, estou indo para o passado,
que é só meu e dorme comigo nas vinte e quatro horas de cada dia.
A todo momento bato numa porta para entrar no Futuro,
que sendo de Deus e de Todo Mundo,
só será meu se levar o Passado
comigo.
Tristeza e mais Tristeza:
nas campinas da infância já engordavam rezes para o abate.
Os chamados das campinas e das colinas da infância,
vem de longe comigo,
para longe vão comigo.
Preciso responder, preciso.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home