ASPECTOS PONDERÁVEIS DA HISTÓRIA DO BRASIL III
A transição da Monarquia para a República foi uma morrinha danada: nenhum heroísmo de nenhuma das partes. Do lado monárquico o Imperador alquebrado pelos anos, ao lado da filha Isabel maculada pelo marido antipático e desastrado, e do outro lado o neto Pedro Augusto, imaturo, beirando à monomania. Do lado republicano, sem brio moral e intelectual, Deodoro e Floriano, ex-súditos, incapazes de ombrearem as responsabilidades de um governo nacional renovador, acompanhados palidamente por intelectuais de muito verniz e de pouco conteúdo (Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva, Benjamim Constant ). A ausência de personalidades fortes e capazes motivou a incapacidade de pelo menos manter-se uma boa aparência de governabilidade, deixando muito longe a ereção de uma República que alcançasse novos rumos de desenvolvimento, com o bom tino administrativo e a boa qualificação moral. Uma república, assim minúscula e capenga, tornar-se-ia, até os nossos dias, em disponível pasto para criar e engordar as ditaduras violentas em determinados períodos e as democracias corruptas em outros. A notória bazófia de sair do espeto e cair na brasa é o que faz de nossa história uma estória desluzida, repleta de jânios e lacerdas, ademares e malufes, barbalhos e sarneyes, geisels e lulas. No final do século XIX a distinção entre a nobreza e a burguesia enfatiza a classe dos excluídos sociais (os trabalhadores braçais) – e a publicação de “O Capital”, de Karl Marx, expõe o socialismo libertário que logo se confunde com o anarquismo. E aí as obras de Freud e de Nietsche começam “a semear dúvidas nas consciências desorientadas pelas conquistas científicas” que revelavam “o que estivera até então invisível: o cérebro era capaz de fabricar ódios, tensões, mal-estar”, segundo as palavras de Mary Del Priore, página 120, em seu esclarecedor livro “O Principe Maldito” (Editora Objetiva, RJ, 2006). Por volta de 1860 – escreve a mesma autora sobre o que acontecia em Viena, então um dos pilares da civilização européia: “como um sol poente, declinava suavemente o poder da aristocracia e emergia, cheia de saúde, uma burguesia culturalmente dominante”. No Brasil, os sucessores de D. Pedro II acumulavam problemas: Isabel praticamente desqualificada pelos defeitos do marido, que compensava a fragilidade conjugal com a truculência nos campos de batalha da desastrada guerra do Paraguai; Leopoldina (a outra filha, falecida prematuramente), cujo marido europeu só gostava de caçar. A previsão recaia sobre o neto Pedro Augusto (filho de Leopoldina), que vivia na Europa, onde brilhava nas altas rodas aristocráticas e culturais. Transido entre os pretendentes. D. Pedro II descuidou e a Princesa Isabel promulgou “uma lei discutida e votada de afogadilho”, extinguindo a escravidão (que nem deveria ter existido, é claro), “sem um tostão de indenização aos senhores (proprietários dos escravos) espoliados”. O desajustado 13 de Maio decretou a falência da Monarquia e instaurou o desarranjo institucional, que vigora até os dias atuais. Isso porque de uma hora para outra não havia mais quem trabalhasse: “os agricultores do Vale do Paraíba não tinham meios para colher as safras, e os homens livres se recusavam a trabalhar no regime antigo. Das 773 fazendas entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, 726 estavam hipotecadas. Na Bahia, os canaviais queimavam, sem deixar de pé nem a cercas. (...) O café se valorizava nos outros mercados...” (ainda conforme a obra citada). O Brasil conheceu, a partir de então, o horror do êxodo rural e a instauração das favelas em todas as cidades, causando outro tipo de marginalidade, que não só esvaziou o fluxo monetário da riqueza material, como criou o quisto social que mantém esse mórbido e terrível estado de guerra interna que afeta todos os quadrantes da nacionalidade. Estava, assim, decretada, palidamente, e sem uma programação consistente, mais uma republiqueta latino-americana, em conseqüência da desilusão de Pedro Augusto (que agravou incuravelmente sua tendência depressiva); da humilhação de Dom Pedro II e de toda a Corte, sob os gritos quase inaudíveis de “viva a república”, inaugurando o duradouro caos da calmaria e da ociosidade no embalo do “bailar e fazer bailar”, ou seja, no deixar que tudo fique no mesmo estacionamento. Além da desilusão dos monarcas vieram os estigmas de culpas sobre o Conde D”Eu e a Princesa Isabel, o confinamento definitivo do Príncipe, os escândalos do congresso, o diabetes de ex-imperador e a primeira ditadura republicana. Deodoro tinha apresentado “um projeto de emissão de mais papel-moeda – e os sebastianistas e os radicais vetaram.O Presidente não teve dúvida. Dissolveu o congresso e assumiu a ditadura. A desculpa era salvar a República e o País... de uma restauração da Monarquia” (página 275 do livro supra citado).
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