PICLES DIETÉTICOS
- Quem pode aceitar que as mesmíssimas mãos que consertam um rádio ou um relógio pode tirar a vida de um semelhante?
- Mergulhar na lembrança não é um risco? E se nela tiver muito visgo na fundura e não conseguirmos voltar à superfície? 
- Tão dessemelhante é um amor de outro amor!... 
- Uma alma que contagia a outra, assim sim, temos UM AMOR. 
- A gordura que escorre no fogo, a carne que sapeca no borralho, os sacrifícios pascais: quem legalizou tais abominações? 
- Só quando a morte começa a fechar o cerco é que advém a privação da sensualidade nas pessoas normais. 
- O transe crucial, no qual a sensualidade é afetada e até suprimida, é algo que beira o mortal precipício. 
- O mundo que temos é este mesmo que temos de melhorar continuamente, indefinidamente. 
- Uma pessoa só é uma pessoa considerável se for o amor de outra pessoa. 
- O rosto de Greta Garbo é um pensamento de extrema felicidade? 
- Fugir da tristeza deitado numa cama é mais difícil do que fugir de um cão raivoso numa estrada larga e comprida. 
- O autor se exprime quando o leitor se vê na expressão. 
- Assim como Sartre sentia, já na rua, depois de ver um grande e belo filme, sinto-me um pouco mais que eu, quase um outro, melhor que eu. 
- Os olhos dela falavam de lugares logicamente inexistentes, familiares apenas a eles, olhos dela. 
- A prospecção de minha lavra: capenga aqui, afoita ali, quase esbarra no cristal inamovível.. 
- Os filmes de amor costumam exagerar na dose romântica. E o expectador, a enxugar tanta lágrima, ouve a própria voz dizendo em surdina: ora essa, que infantilidade, a minha! 
- O cara que diz: quem faz sacanagem comigo faz uma vez só, vive de mal com quase toda a população da cidade onde mora. 
- Quando São Pedro risca seus fósforos e arrasta as cadeiras no céu é sinal que os desabrigados da terra vão dançar. 
- Por que acrescentar complicações mortas às complexidades vivas?-  Pergunta Nietzsche. 
- O trivial às vezes prevalece: uma banal cantiga de aldeia pode resultar numa preciosa sonata de Mozart. 
- As combinações vegetais de musgos e ramos igualam ou ultrapassam as combinações artísticas dos seres humanos. 
- Tudo que nos é dado de bom e de ruim, é dado como matéria-prima para produções que podem passar do efêmero ao definitivo. 
- Um salto mentalmente longo e fisicamente perto. Assim é não pular antes de pular. Do subjetivo para o objetivo. 
- Regressar ao sono já dormido é um exercício intelectualmente válido. 
- Feio por feio, prefiro meu corpo, que pelo menos é meu. 
 - O que há de comum entre o escritor e o relógio é que ambos são imprecisos e trabalham de graça. 
- No mundo do espetáculo, sempre que uma estrela cai, um astro cai em cima. 
- Segundo Ezra Pound, quem fez a primeira cadeira é um inventor; quem fez a segunda, um mestre. E quem sentou na terceira é um diluidor. 
- Programa a vida como se isto fosse possível. É um autor de telenovela. 
- Proust encontrou a eternidade procurando o tempo perdido. 
- O que chamam de lavagem cerebral não passa de outra sujeira cerebral. O cara escapa do espeto e cai na brasa. 
- Dirigia tão devagar na estrada de terra que se as rodas do carro fossem de madeira, brotariam. 
- O absurdo tem sua razão de ser. O senso comum não pode entender a estrutura do universo nem suportar o peso deslumbrante de uma tarde estival. 
- O que escondo dos outros, quanto mais escondo, mais visível fica para mim. 
- O  individuo conhecido como desmancha-prazer tem dez manchas onde ninguém vê? 
- Para medir o peso de seus textos, o escritor pesava as folhas em branco e depois de escritas. 
- O uso do cachimbo faz a boca porca? 
- Quem morde na água quebra a cara ou os dentes? 
- Todo artista é contestador. Um bom exemplo: há mais de três séculos que Shakespeare vive a contestar os maus autores do mundo inteiro. 
- O contrário da humilhação é a dignidade – falou e disse André Malraux. 
- A arte é ambígua, o amor é ambíguo. Se não fossem ambíguos, o que seriam? Batatas digeridas ou não, amanhã jogadas no lixo? 
- Deus aparece na hora do dia amanhecer, depois desaparece, diz um personagem dostoievskiano no romance “Os Possessos”.
- “No turvo ocaso as luzentes asas”, diz Hopkins sobre o espírito santo vergado sobre o nosso mundo.
- William James bem que tentou, através do óxido nitroso, embarcar no misticismo, mas acabou pegando o trem mais viável do pragmatismo. 
- Às vezes tenho a impressão que Freud é mais escritor do que cientista. Às vezes leio-o como se estivesse lendo Proust. 
- Ela me espezinha sem dó nem piedade porque me odeia, ou seja, porque me ama. 
- É nas horas mortas da noite que a vida desperta para o poeta que esmurra a porta fechada da própria noite. 
- Um pesquisador constatou a existência de 3.259 regos de esgoto a céu aberto na cidade, onde, em muitos deles, centenas de crianças nadam de braçadas. 
- Chutava tão mal a gol que não acertava nem a linha de fundo. 
- A mania de trocar todo ano de carro, de aparelhos eletrônicos, de roupas e de calçados, de mulher ou de homem, é fenômeno exclusivo da sociedade de consumo, que com mil negligências e artimanhas faz de tudo para que tudo isso seja mesmo trocável depois de certo tempo de uso. E quem paga o pato é a natureza cada vez mais dessacralizada, mais sugada e envenenada. 
- No Brasil da era Lula a desmoralização política é quase completa: os poderes executivo, legislativo e judiciário ficaram praticamente cooptados ao marasmo e expedientes da corrupção e dos desmandos. Restaram o quarto poder, ou seja, o da Imprensa que, infelizmente não vive de si mesmo e, por isso, sua autonomia fica no ar das dúvidas. Aí surge, escarrado das infâmias, o Crime Organizado, com seu incrível poder de fogo, atemorizando e matando tantas aspirações de nobreza autêntica. 
- Depois do reinado estéril e sufocante da tecnocracia nas décadas da ditadura, o retorno ao culto dos políticos, que parecia salutar, está agora descambando e mostrando os dentes podres e vorazes da truculência (i)moral que também assola a nacionalidade. 
- Que o sexo é, sobretudo, uma fonte de prazer, até o estudo da biologia prova: os seres que mais procriam são os assexuados. 
- Nunca mais levou desaforo pra casa, depois que descobriu o caminho do bar. 
- Possuía o ar tétrico de um pai que espancava os filhos e que jamais tinha comido cadeia por isso.
- Quando o amor entra pela porta, o amante sai pela janela? 
- Tantas vezes o cântaro vai à fonte, que um dia cantará. 
- Beaumarchais disse que o que é muito tolo para ser dito, pode ser cantado. Profetizava o surto da maior parte da atual música popular brasileira? 
- Os tempos mudam. O judeu errante fincou os pés no solo e mandou o palestino sedentário errar pelo mundo. 
- O homem norte-americano polui cinco vezes mais que o indiano. Logo, povo desenvolvido não é, consequentemente, povo limpo. 
- É tão liberal que até admite a sobrevivência dos corruptos, uma vez que teme ficar  solitário neste velho mundo sem porteiras. 
- Na minha cidade os pernilongos são tão descomunais que quando pousam em nossas orelhas, elas até abanam. 
- O rio da roça viajou léguas para prosear com o rio da cidade, mas quando chegou perto não aguentou o fedor. 
- Nunca um não me doeu. Quem não me ama, não me merece. 
- Nada a polemizar com a turma arrogante dos que pensam que o nada, na boca deles, é o tudo. Nada de perder tempo com essa cambada. 
- O ser humano é capaz de esquecer a ofensa, o desacato, a injustiça, mas jamais esquecerá uma humilhação sofrida. 
- Drama que pode virar tragédia é o do arrivista que não logra seus intentos. 
- Muitas vezes quem pensa que está indo adiante, está é retrocedendo, passando o que já passou – e agora com as pernas cansadas. 
- Certos filmes e livros deviam ser vendidos em farmácias, como remédios para muitos males. “Relíquia Macabra”, de John Houston, já me curou de uma gripe enfadonha e persistente. E “Dom Casmurro”, romance de nosso querido Machado de Assis: para quantos males pode ser receitado? 
- O mundo globalizado está desafinando? Azar de nossos ouvidos, sujeitos à zoeira da baianização irremediável e da falsificação da musica caipira, transformada em caipora
sub-urbana. 
- Os versos das canções populares têm outra poesia, não a dos poemas de palavras que encolhem e desdobram com a flexibilidade de plantas sob o sol e a chuva da roça. São mais cortantes e atenuantes, mais explícitos na direção colimada. 
- A praga das faculdades de fins de semana em todo o país atenta contra as boas normas do prazer e da cultura. 
- O exibicionista mata a cobra e mostra o pau. 
- Os sonhos da Bela Adormecida no Bosque com o Monstro da Lagoa Negra faziam a Branca de Neve corar. 
- A fome era tanta que enquanto as aranhas teciam as redes em sua garganta, as suas tripas maiores comiam as menores. 
- Virava e mexia e sapecava seus trocadilhos infames. Morreu com um palavrão atravessado na garganta. 
- A casa é o seu interior, é a moldura do retrato, o vazio dela tem a forma e o conteúdo de cada corpo que nela mora. 
- O ir e o vir ocupam o mesmo caminho. Só o caranguejo anda de ré, mas ele também vai e volta. Ou está sempre voltando, indo? 
- O ser vivo está frequentemente tocado pela morte – está se aproximando cada vez mais dela. Exprimir essa angustia existencial através dos ritos dramáticos: quando vou conseguir? 
- Quem não tem medo de morrer, tem coragem de matar? 
- O belo tem um certo parentesco com o horrível quando, também, causa um certo medo. O medo de alguma verdade muito feia? 
- É muito difícil levantar as causas sem cair nas conseqüências. 
- E tenho aquele distante parente lá da Barra, que casou, homisiou, viveu consecutivamente com quatorze mulheres diferentes. O cara só podia ser doido de jogar pedras: não tinha amor-próprio nem subconsciente, nem nada dentro da cachola; vivia da boca pra fora. 
- Farias Brito acreditava que a prosa venceu o verso quando a imprensa foi inventada, facilitando a escrita torrencial antes dificultada pelo esforço manuscrito. Da síntese poética do verso passamos à torrencialidade da prosa. 
- O que distingue o cidadão de qualquer comedor de feijão é que o primeiro não quer levar vantagem em tudo e se recusa a fazer o mal, mesmo quando não pode fazer o bem. E então, você é um cidadão ou um mero comedor de feijão? 
- No trágico episódio da refrega do crime organizado no Estado de São Paulo versus autoridades constituídas, levando o pânico, a morte, a insegurança ao seio da população, dois personagens se destacaram nos bastidores: de um lado o jornalista Alexandre Garcia acusando os culpados e do outro o ministro Tarso Genro defendendo os culpados. 
- Um favor ou benefício que você presta a outrem, se repetido de tal maneira que vira uma obrigação, deixa de ser um favor ou um benefício, para ser uma espécie de desaforo. 
- A diferença entre um campo de nudismo e uma praia (ou piscina) no verão, é que nesta ainda resta uma nesguinha (uma tanguinha) de sensualidade. 
- Quem se devota à literatura enfrenta tanta dificuldade, tanta malquerência, que acaba se arrependendo. Só que tardiamente, quando reconhece que está perdidamente apaixonado por ela. 
- Antigamente se Maomé não ia à montanha, a montanha ia à Maomé. Hoje, com tanta caixinha de fósforos ao alcance das mãos dos malfeitores, toda montanha, na época da seca, vira uma bola de fogo. 
- A mulher à sombra se compara (diz a lírica chinesa). Segue-se a sombra, ela foge; foge-se da sombra, ela nos segue. 
- O mundo pode viver sem a literatura? -  Pergunta Sartre. Muito mais ele pode viver sem o homem – é a sua resposta. 
- O desejo é melhor do que o orgasmo, diz a psicóloga Lídia Aranty – pois aquele perdura no tempo e na intensidade, enquanto que este é limitado no tempo e na intensidade. A diferença entre os dois (ela acrescenta) está entre o não vivido (onde cabe tudo) e o vivido (onde cabe do melhor e do pior, mas só cabe o que cabe). 
- Fedaputa, desgramado, ordinário, vagabundo, excomungado: alguns xingamentos usados na roça, tempos atrás. Não de caso pensado nem de pré-concebida maldade, mas por indignação, raiva instantânea. 
- Tomé de Souza chegou à Salvador em 1549, trazendo o Governo- Geral, o Ouvidor-Geral, o Provedor-Geral. A cidade e a colônia passaram a ter tudo menos povo, uma vez que os índios não eram vistos como gente. Quase quinhentos anos depois temos o povo, mas não a organização do povo. 
- O alto daquela serra espera por mim anos e anos. Quando irei lá, para ver de perto a camada de verdes palavras falando sobre a pedra negra e inconsútil, esférica e acolhedora? Quando irei lá descansar minha cabeça sobre a linha dos musgos sombrios? 
- Por que uma boa história arranca-me lágrimas e não sorrisos? Chorar diante da tristeza é normal, mas sentir a prevalência das lágrimas mesmo diante de uma bela e positiva emoção.... Sei não. 
- A resignação é um pequeno e furtivo suicídio, como queria Balzac? 
- De uma coisa Conan Doyle tinha certeza: em toda história de crime o Mau Gosto é o personagem principal. 
- É claro que não tenho nenhum prazer em presenciar, ouvir e contar sobre as causas, os atos e os efeitos da violência institucionalizada em muitas partes do mundo. Ao contrário! É sempre com um lenço enxugando os olhos que vejo, ouço e conto (por dever de ofício? Profilaxia psíquica?) o que assim tanto fere a vida das espécies de nosso tempo. 
- A pessoa quando é má e ruim, só tem boca pra xingar, não é mesmo? Nesse caso está desprovida de sensualidade e traz e leva em si apenas a reles sexualidade. 
- Fantasiar a realização dos desejos é fácil – e não causa danos a ninguém. 
- É raríssimo encontrar um pobre que seja escritor, músico ou cineasta. Por que? Porque a arte custa dinheiro e dinheiro custa ganhar. 
- O inquisidor dos pássaros? É o mesmo detonador dos fluidos maléficos, o mesmo causador das desinterias espaciais, o fazedor de desertos, o apropriador das economias domésticas, o zanga-sabão do dia-a-dia familiar e comunitário. 
- É preciso olhar o lado (ia escrevendo o lodo) horrendo da mente humana, de vez em quando? 
- Nos olhos o olhar que nunca parecia findar: radiante como o de um céu ou de um abismo (de rosas). 
- Às vezes a luz ofusca, a escuridão aguça. 
- Uma nuvem de incenso alternadamente cobria e descobria seu corpo escorregadio e fremente. 
- Uma e todas, todas e uma: é sempre a mesma mulher que me procura que eu procuro. 
- Realidade, magia, milagre, é só abrir os olhos e encontrar. Mas como encontrar essas qualidades no ser humano sem os piques e os repiques da aversão e dos atritos?
- Ao morrer outra pessoa sairá de mim e eu, invisível aos outros e a mim, ficarei olhando, sem nada sentir. 
- Sou a mesma pessoa na claridade e na escuridão? 
- A vida rural é toda feita de religião, magia, mistério, dor, purgação, milagre, morte e ressurreição. 
- Um grande esforço devia ser feito para conservar a inocência espontânea das pessoas que ainda não foram atacadas e feridas. Elas que vivem sem queixas e mágoas que ainda acreditam na sincera bondade das outras pessoas. 
- A vítima fragilizada pensava, enquanto apanhava do algoz: você é parrudo e cruel, mas ainda vai encontrar alguém mais parrudo e cruel. 
- Passar do implícito para o explícito não é perigoso? O segundo momento não pode banalizar o primeiro momento? 
- As pessoas da trindade: ego, id, superego:
a mulher
o homem
o ambos
a narrativa a descrição o discurso
as três frases consecutivas, as três palavras
os três pensamentos no ar. 
- A imaginação: se lhe der asas, ela não pára de voar. 
- Uma, além de bonita, é bela. Outra, apesar de feia, é bela. 
- Perdido de amor, ele caminhava sobre as pedras, sem pisá-las. Carregava arroubas de espigas num ombro e no outro levava papagaios e capivaras comendo as espigas. E
cantava, enquanto andava. Cantava sem parar. 
- As pessoas podem ser humildes, mas não humilhadas. 
- Lá do morro o vento mandava algumas de suas brisas para a baixada, mandava suas melhores lembranças para acariciarem nossos cabelos e molharem nossos sorrisos. 
- Existia um sujeito na minha terra, malucado e subentendido, que gostava de mencionar os maus presságios atmosféricos e de rabiscar na areia com as suas garatujas os croquis cabalísticos, figuras estranhas, coisas iniciáticas, signos de salomão, enigmas folclóricos, logo ele, coitado, tido e havido como um capiau da roça. 
- Ái de nós, como pesa a certeza de que um dia ficaremos perdidos em nós mesmos numa dessas noites profundas, em pleno dia. E então para sempre ficaremos arquivados nalgum escurinho que ninguém mais freqüenta, tipo Conservadoria Geral do José Saramago? 
- Afinal por que uma pessoa se mata? Ela não se mata, nunca: antes é matada. 
 - É preciso acender com o fogo de nosso coração o coração das outras pessoas, como queria Gogol. É assim o contágio da vida.
    
    


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