quarta-feira, fevereiro 22, 2006

OS HORIZONTES DO ITAMBÉ

A Cultura Popular de Minas Gerais (inédito) – Fragmentos: 

O Comportamento Popular. As normas de comportamento dos habitantes de Conceição do Mato Dentro, Serro e Diamantina, não se integram nem se complementam num bloco homogêneo, apresentando cada um características peculiares, às vezes conflitantes. Enquanto os modos (genéricos) de viver em Conceição são francamente populares e dinâmicos, desvinculados da classe dirigente local, cuja ação geralmente prima pela invisibilidade, no Serro a divisão de classes é evidente, para não dizer ostensiva (os pobres são tão desestimulados em suas iniciativas que chegam ao ponto de serem minoria populacional), tentando perpetuar, por assim dizer, um refinamento pretensamente aristocrático, notável na linguagem verbal das pessoas, sóbria e escorreita, e no apuro do vestuário e no bom gosto das moradias. Já em Diamantina o leque se abre, revelando maior variedade de posturas, naturalmente em virtude da capacidade municipal de atrair forasteiros (turistas e garimpeiros), o que evita a monotonia fisionômica da população. Mesmo assim delineia-se um traço inegável no caráter comportamental do diamantinense: seu gosto pela boemia, a curtição noctívaga das potencialidades existenciais. Se é certo o que Denis de Rougemont afirmou, que “todo amante apaixonado é um místico que se ignora”, não é menos certo o que constatamos em Diamantina: todo místico é um boêmio que se ignora. O diamantinense é o homem de igreja (sua própria casa, em geral, tem um ar de veneração espiritual) e do boteco, onde se espairece nas horas vagas. À noite, depois que os templos esvaziam, os bares e botecos enchem. Até os chamados idiotas populares, que vivem caindo de tontos nas sarjetas, falam constantemente de Deus, seus anjos e santos. “O diamantinense é um desconfiado”, disse-nos um funcionário público, adventício. È a velha desconfiança do garimpeiro (novo rico ou pobre esperançoso), acompanhada da cautela e da prudência, evocando o passado temerário, quando recebiam de Portugal, como anota Guimarães Rosa: “chusmas de policiais, agentes secretos, burocratas, tributeiros, tropas e escoltas, beleguins, fiscais e espiões, para esmerilhar, devassar, arrecadar, intrigar, punir, taxar, achar sonegações, desleixos, contrabandos ou extravio de ouro e de diamantes”. As pessoas bebem mais pelo prazer do que por vício, garantiu-nos um dono de bar, enquanto recolhia das mesas as inumeráveis garrafas vazias. A cerveja tem a preferência, enquanto nos Distritos e nas outras cidades mencionadas, a pinga, de pura cana, fabricada na região, é a preferida. As pessoas sabem beber, destravam-se um pouco, nos balcões e mesas, da sobriedade quase monossilábica de seus temperamentos, sem cair no outro lado, no excesso da indolência, da intemperança, da dissipação, da impudicícia e da gula. As pessoas que contatamos nos três municípios são autênticas até mesmo quando escamoteiam suas intenções. O lado emocional prepondera – e aí lembramos de Spinosa, para quem o sentimento possui a dimensão de existir e de ser. A alegria (o aumento da realidade) e a tristeza (a diminuição da realidade) são formas originárias das quais todas as outras nascem. Affonso Ávila observa que “primitivamente o povo mineiro era um ser alegre, expansivo, despreendido; a sua gravidade , a sua introversão, o seu apego ao bem imediato são em parte repercussões psicológicas da dura experiência do revés econômico da mineração”. Notamos que o povo de Conceição (ao contrário do de Diamantina e do Serro ) não conheceu o esplendor da mineração. Porisso é mais contingente, menos nostálgico, mais assemelhado com o povo de qualquer outra cidade mineira.