quinta-feira, abril 20, 2006

VOCÊ NÃO MORRE, DRUMMOND!

E agora, Drummond? e agora que tudo mofou e fugiu, agora só falta morrer? Mas você não morre, você é duro na queda!, a lutar com as palavras, a viver delas (cada uma é um ser esquecido de quem o criou), “tatuadas de sonhos e cálculos”.... Assim cada uma flor-e-pedra a cair toda hora da janela “para incluir-se no semblante do mundo” nas imagens do parnaso da arcádia de itabira: o retrato na parede, o deserto retroativo? a sombra severa que nada dizia, a expor os tristonhos tesouros hereditários; nada dizia nem mesmo quando é expulso do colégio (precoce anarquista a portar os óculos de míope?): oh mundo vasto mundo de tantas rimas: seus ombros só o suportam forrando-se da quimera amaciante do olvido e da previsão. Com seu jeito de encolher para espichar a prodigalidade do sóbrio a sobriedade do pródigo... Um dos nefelibatas do Bar do Ponto as estrepolias no Viaduto de Santa Tereza o contraponto do horizonte tornado frio e triste a dor amenizada não nos sedativos mas sim nos estimulantes carinhos na extenuada quimera (o sorriso pairava nos lábios do eterno feminino: ah, uma forma de arte pede, pede logo um conteúdo de arte). Ah, “a úmida fita sanguínea dos lábios” assim ao embalo de lírica acuidade, a conversar com as belíssimas amigas: as extraodinárias senhoras de suas felicitações, entre as quais luzem em close: a sempre terna Dolores, que confidenciou-me ter uma irmã morando em Divinópolis; a sempre amável Lélia, que produziu um filme sobre o nosso inesquecível GTO; a sempre poética Clarice (com quem trocava revistas eróticas?); a sempre jovem e bela Lúcia (discípula de sua didática de amar o amor); a doce Olga, criadora das famosas Dicas do Pasquim; a Lygia, talvez a maria pluviosíssima criatura, sempre a chover atroz em seu destino; a poeta Adélia, que faz versos como as nuvens fazem chuvas.... Mas a vida corre para baixo e para cima: debalde filiou-se ao partido comunista, onde tentaram humilhá-lo; muito cedo perdeu a crença na política (fonte de todo escândalo chamado Brasil) e nas sacristias povoadas de dogmas e axiomas; autofinanciou seu primeiro livro, pedra de toque de toda a mineiridade modernista (a galhofa e a reverência:, a metáfora e a literalidade): tantas auroras necrológios epigramas luares o metro e a rima subentendidos, o patético vôo sobre as igrejas de Minas, as confidências os brindes os madrigais a rua do olhar na tristeza do céu as novas canções do exílio o brejo das almas o sentimento do mundo a rosa do povo ah a rosa do povo e o claro enigma e no findar simultâneo do dia e da noite o insuportável passamento da filha Maria Julieta, prelúdio da inelutável fatalidade do dia 17 de agosto de 1987...: mesmo assim voltamos a dizer que você não morre, Carlos Drummond de Andrade, você está um pouco e muito em todo ser da perene humanidade.