terça-feira, abril 04, 2006

UMA, DUAS PARÁFRASES

1 – Dos Provérbios de Salomão (*). Seis são as coisas que o Senhor agradece antes são sete as que comovem sua alma: o tatu que tanto gosta do buraco antigo os lotes de chuvas alternando os oásis os cabelos cheios de dúvidas no lirismo do dia o desenho da lesma na areia dos caminhos as cores nos bolsos, que logo viram luzes as bolhas dos mistérios que chovem nas pedras a alma que é corpo na pessoa e no pássaro. Seis são as coisas que ao Senhor aborrece antes são sete as que sua alma abomina: a pobreza material, arcaica agora e sempre os pássaros sem asas que fincam as garras o governo nacional que nunca teve juízo os pés velozes que correm na direção do mal a violência das ruas que entra nas casas os deveres sem direitos dos excluídos sociais o caminho que volta, como o chicote do ímpio. 

(*) Com base no Capítulo 6, versículo 16 a 19, do Livro dos Provérbios de Salomão, do Antigo Testamento. 

2 – Os Dois Amores de Jill Hoffman (*). É no sonho que ouço o chamado (o grito simbólico do meu nome). Num instante pulo da cama em silêncio, para não acordar o marido que ressona. Encontro o chamador no quarto contíguo. E agarrados formamos outro casal na escassa luz da madrugada. Sua boca voraz me esvazia e me enche. Como é bom ficarmos assim na cama, o longo tempo a brilhar nos espaços. As gotas de leite escorrem no seu rosto, o meu corpo flui e boceja na entrega. Novamente a dormir no paraíso (na área vívida das pétalas momentâneas), ele já dispensa minha companhia. Então levanto-me diante da outra porta, retorno ao meu ninho anterior para reaquecer-me no corpo do meu outro homem. 
(*) Paráfrase de um lembrado poema de Jill Hoffman, poeta norte-americana, lido alhures.