ENSAIO SOBRE A TIMIDEZ
Ou O Perdedor dos Belos Prazeres
A primeira vez foi na infância.
O Passinho da Via Sacra em noite de lua:
a gente brincava de esconder
(a meninada do arraial dispunha de lauto repertório
de recreações lúdicas insofismáveis)
e pelo rastro de luz fui encontrar a menina
enrustida e disponível, com as premeditadas palavras:
“vamos fazer bobagens?”...
Eu feito bobo, fugi.
Fugi para sempre no arrependimento de sempre.
O que perdi nem posso lembrar.
A segunda vez foi na adolescência.
O Bar e Restaurante Coroa, na capital mineira:
onde eu trabalhava, e amava em silêncio
a garçonete, que queria me dar algo dela
(que talvez já tivesse dado ao noivo dela?).
Eu feito bobo só aceitava no pensamento
e pensando bem até hoje me arrependo
de não trazer para os dias de hoje a imperecível
lembrança dos carinhos para sempre perdidos.
Outras tantas vezes em tantas partes.
A vontade de ir, de atender ao furtivo chamado,
colidia com o desgosto de ficar, de atender a uma
incompreensível necessidade de ficar chupando o dedo
da inércia que congelava
minha pessoa dos pés à cabeça, que amarrava
minha pessoa no rude tronco do nada,
no qual ainda esbravejo e reluto em vão
para despreender-me.
Assim a imagem pensamental do amor,
a um passo da imagem sentimental,
a um passo do amor inicial;
assim o aperto de mão tão perto do abraço,
o abraço tão perto do beijo, o beijo
tão perto da cama das genuflexões,
perante os deuses e deusas da imortalidade:
tudo assim tão simples e no entanto
a mim interditado no engasgo da timidez:
desencontrado nos caminhos das evasivas,
das esvaziadas peripécias do solilóquio,
a sofrer os erros que cometi por não cometer:
sofro-os agora em dose dupla,
toda vez que tento recompor-me
esfacelado, contumaz perdedor.
Sou assim então duas pessoas?:
uma, afortunada de oferendas;
a outra achacada de rejeições?
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