sexta-feira, maio 26, 2006

A POESIA DA LÍNGUA MINEIREIRA

Compilação de Lázaro Barreto. 

Nada de conversa fiada nem de papo furado. Conosco o leitor nunca está sozinho e mal acompanhado. Apresentamos hoje o nosso querido e maravilhoso João Guimarães Rosa, com algumas pinceladas de sua novela “Manuelzão e Miguilim”, pinçadas da 15ª. edição da Nova Fronteira. As expressões necessárias: “Os grandes coxos, entortados, ásperos, guardando as curvas dos troncos das árvores que foram. Ao enquanto, livres, os bois bovejam, os porcos crogem, sotretam os cavalos, as galinhas fuxicam, os cachorros redormem, e as dúzias de angolas se apavoinham selváticas, com seus contrafactos” (pág. 214). E a sabedoria dos rifões: “Êh mundão! Quem me mata é Deus, quem me come é o chão!” “Alegria de pobre é um dia só: uma libra de carne e um mocotó”. “Casar sério lá é triste/ namorar só é que é gostoso”. “A vida é isto que se sabe: é consolo, é desgosto, é desgosto, é consolo – é a casca, é o miolo”.”Aqui a gente olha a garapa ainda na cana”. “Chuva vesprando, cachorro sossega muito”. E as trovinhas que os personagens citam e os leitores não podem deixar de repetir? “Meu cavalo tem topete/ Topete tem meu cavalo/ No ano da seca dura/ Mandioca torce no ralo” E outras: “Quem quiser saber meu nome/ Carece perguntar não:/ Eu me chamo lenha seca,/ Carvão de barbatimão”. E outras: “Ó ninho de passarim/ Ovinho de passarinhar/ Se eu não gostar de mim? Quem é mais que vai gostar?” ( ) “O bicho que tem no campo/ o melhor é a sariema:/ Que parece com as meninas/ Roxeando a cor morena”. ( ) “Suspiro rompe parede/ rompe peito acautelado/ Também rompe coração/ Trancado e acadeado”. ( ) “O bicho que tem no mato/ O melhor é o pass’o-preto;/ Todo vestido de luto/ Assim mesmo satisfeito”. ( ) “Eu subi pro céu arriba/ Numa linha de pescar/ Fui perguntar Nossa Senhora/ Se é pecado namorar”. ( ) “Travessei o São Francisco/ Montado numa cabaça/ Arriscando a minha vida/ Por um gole de cachaça”. E agora seus picles dietéticos: - “Amar é querer se abraçar como o pássaro que voa. - Espero a lua nova como o cão espera o dono. - Podia ser um carangueijo ou um coração. - O peixe, sem rastros na água, sem nenhuma memória. - O esquecimento é voluntária covardia. - Se todo animal inspira sempre ternura, que houve, então, com o homem? - O medo grande que de dia e de noite esvoaça e o que pousa na testa da rês como uma dor. - Também os defeitos dos outros são horríveis espelhos. - A queda do homem persiste, como a das cachoeiras. - Nós todos viemos do inferno; alguns ainda estão quentes de lá - Os santos foram homens que alguma vez acordaram e andaram em desertos de gelo. - Não ter medo: O mar não se destrói com nenhuma tempestade. - As velhas pedras influem, como os astros; mas só as árvores convivem com a terra impunemente. - A memória nem mesmo sabe andar de costas: o que ela quer é passar a olhar apenas para diante. - Aviso: as sombras todas se equivalem. - Só as pessoas não morrem: tornam a ficar encantadas. - Que vamos, que vamos, até os ponteiros estão afirmando. - Só na foz do rio é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes. - A água que não teme os abismos: a grande incólume. - O bagre tem sempre as barbas de molho. - Em alguma treva – como os mariscos no rochedo – almas estarão secretando seus possíveis futuros corpos?