quarta-feira, julho 12, 2006

O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO

E o carnaval do Rio de Janeiro continua sendo o maior espetáculo da terra, uma reminiscência vivaz, apoteótica, grandiloquente dos remotos e esmaecidos folguedos medievais representando as façanhas e artimanhas das realezas e cortesãos, malabaristas e menestréis munidos de totens e fetiches nos aparatosos festivais ao ar livre dos dias e noites das saudações, homenagens e libações em faustoso, suntuoso exibicionismo hedonista. Brasileiramente, a folia carnavalesca é mais expansiva e estrepitosa: o chamado tríduo momesco com as dezenas de laureadas escolas de samba com seus carros alegóricos, temas-enredos, alas das baianas, dos passistas, dos puxadores e bateristas, milhares de figurantes fantasiados e serelepes em cada uma delas no Sambódromo da Sapucaí apinhado de gente nas arquibancadas, cadeiras e camarotes (dezenas de milhares de espectadores atentos e vibrantes). Uma festa genuinamente do povo. Onde já se viu espetáculo semelhante nos dias de hoje em qualquer parte do mundo, excetuando as romarias e concentrações religiosas? Estes também são espetáculos grandiosos e relevantes, mas são festas de teor mais intimista, de consciência, manifestações subjetivas e comedidas, ao passo que os ritos carnavalescos são mais amplamente manifestados, inconscientes na exterioridade coletiva da extravagância, uma espécie de licença poética por atacado, espontaneamente, socialmente concedida. Mas o Rio não é só carnaval. É o brinde visual de todas as horas, o mar que quebra na praia, bonito-bonito, como lá diz o Dorival Caymi. O cartão postal constantemente ao vivo e em cores. Os estrangeiros ficam bobos de ver, e nós, de outros Estados, também. Só o próprio carioca é que não liga tanto e muito lamenta ter perdido o status de capital federal, que aliás, moralmente nunca deixou de ostentar. Lá estão as grandes edificações das pontes, aterros, túneis, metrô, viadutos, a maioria construída antes da prevalência da corrupção política-social que hoje tanto assola o país. E ficamos sem saber como a receita pública daquele tempo produzia polpudos investimentos e hoje mal dá para algumas aplicações choradas (a duplicação da Rodovia Fernão Dias prolongou-se por mais de doze anos, causando incontáveis acidentes, graves problemas e impertinências de toda ordem). A incúria, a indecência da classe dominante..., isso é certamente o que mais provoca a precoce calvície do brasileiro que ainda não se deixou contaminar pela síndrome da falcatrua, - mas esta é outra história. Os poetas e sambistas anônimos dos morros e botecos e também os renomados Machado de Assis e João do Rio, Noel Rosa e Geraldo Pereira, Ary Barroso e Ataulfo Alves, Olga Savary e Maria Laura Cavalcanti, Lima Barreto e Lupiscínio Rodrigues, Cartola e Herivelton Martins, David Nasser e Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade e Millôr Fernandes, Vinicius e Jobim, Dick Farney e Jorge Veiga, Linda Batista e Aracy de Almeida, Carmem Costa e Nara Leão, Maria Bethânia e Sinhô, Antônio Maria e Braguinha, Martinho da Vila e Paulinho da Viola, Chico Buarque e Gilberto Gil, Jorge Benjor e Pixinguinha, Mário de Oliveira e Lélia Coelho Frota:...uma infinidade de cariocas naturais e honorários. A cidade que contém um verdadeiro universo de emblemas e carismas, as praias prioritárias e propositais, as montanhas especialmente pictóricas, os verdes indesbotáveis, os lugares assinalados pela poesia e pelo romance e pelo samba rasgado de roda, de breque e de gafieira, as ondas mansas e portentosas das águas de Copacabana, tantos detalhes sublimando (hachurando, frisando) parte por parte a copiosa leitura de um encompridamento sinuoso de orla, as curvaturas e rodeações dos morros e da sensualidade, as remanescentes e preservadas florestas atlânticas, o povo alegre e jovial, apesar dos pesares. E as barras e enseadas, os lagos, os corcovados, as candelárias e lapas, as urcas e os lemes, o pão de açúcar!, as gáveas e flamengos, ipanemas e leblons e jacarepaguás e botafogos, toda a baia da guanabara!, a lagoa rodrigo de freitas, os salgueiros e mangueiras, as tijucas e andaraís e cantos do rio, os joás, os cosmes velhos, paquetás e bangus e bonsucessos e olarias e os santos cristos, santas terezas, seus clubes de regatas e de futebol, o sintomático maracanã, o esbanjamento de uma realidade tão onírica, o sonho que não migrou para Brasília porque está há muito tombado no coração das pessoas, como um bem do patrimônio ecológico, histórico, artístico e paisagístico da cultura de todo um País que de tanto ser agredido corre o risco de passar a ser, um dia, um agressor. Mas que isso não ocorra nos próximos mil anos, não é mesmo?