sexta-feira, julho 07, 2006

UM MÁRTIR CHAMADO TIRADENTES

Fragmento (*)   

“Aos doze dias do mez de Novembro de mil setecentos quarenta e seis annos, na Capella de São Sebastião Rio Abaixo o Reverendo Padre João Gonçalves Capellão da dita Capella baptizou e poz Santos Óleos a Joaquim filho legítimo de Domingos da Silva Santos e de Antônia da Encarnação Xavier; foram padrinhos Sebastião Ferreira Leytão, e não teve madrinha; do que fiz este assento. O Coadjutor Jeronymo da Fonseca Alvarez – Livro dos Batizados da Freguesia de N.S.do Pilar da Villa de São João Del Rei, 1742-1749, fo. 151”. “O fato de ser alferes influiu para transformar-me em conspirador, levado a tanto que fui pelas injustiças que sofri, preterido sempre nas promoções a que tinha direito. Uni as minhas amarguras às do povo, que eram maiores e foi assim que a idéia de independência lavrou o incêndio por tal forma que não se pôde apagar”. Transcrito dos Autos da Devassa por Antônio Gaio Sobrinho, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de S. João Del Rei, Volume V, pág. 102. Sua família era de fidalgos portugueses, que de São Paulo chegaram a Minas. Era trineto do Cap. Martinho de Oliveira, considerado um dos principais homens nobres de Santos, em seu tempo; seu avô materno, Domingos Xavier Fernandes, foi Provedor dos Quintos da Villa de São José Del Rei; seu pai foi Vereador e Fazendeiro em São João Del Rei. Dois irmãos eram sacerdotes no tempo em que o Seminário só estava à altura de filhos de famílias bem dotadas. Um de seus primos foi o famoso naturalista Frei José Mariano da Conceição Veloso, e outro era um dos maiores latinistas da época, o Padre Antônio Rodrigues Dantas, Professor em Lisboa e Reitor em Mariana. Seu irmão mais novo, José da Silva Santos, era Capitão de Milícias, cujo trineto é o Deputado Federal e Ministro da República, Gabriel de Resende Passos, nascido no Desterro (hoje Marilândia, Município de Itapecerica, MG). Ele não se casou mas teve com Eugênia Joaquina da Silva, o filho João de Almeida Beltrão casado com Maria Francisca da Silva, pais de: 1) Anna cc José Gomes de Moura, que viviam em Quartel Geral, MG; 2) José de Almeida Beltrão cc Maria Madalena, que viviam em Uberaba, MG; 3) Lúcio, falecido na infância, em Quartel Geral; 4) Francelina Fausta Josina cc Joaquim dos Santos Caldeira, que também viviam em Quartel Geral; 5) Carolina Augusta Cesarina cc Antônio Alves de Resende, falecidos em Curvelo, MG; 6) Elisa Lisboa Madalena do Carmo, falecida em estado de solteira em Morrinhos, Goiás; 7) Justino de Almeida Beltrão cc Emiliana de Tal, que viviam em Morrinhos, Goiás; 8) João de Almeida Júnior cc Maria de Tal; 9) Belchior de Almeida Beltrão cc Maria Custódia Zica, que viviam em Dores do Indaiá, MG. Muitos netos e bisnetos estão relacionados na Genealogia Mineira de Artur Resende. Seus pais, casados em 1738, eram: Domingos da Silva Santos (português) e Antõnia da Encarnação Xavier. Filhos do casal: 1) Domingos da Silva Xavier (1741), Padre; 2) Maria Vitória de Jesus Xavier (1742) cc Alferes Domingos Gonçalves de Carvalho; 3) Antônio da Silva Santos (1746), Padre; 4) ele mesmo, Joaquim José da Silva Xavier (1748, homiziado com Eugênia Joaquina da Silva, filha de João de Almeida Beltrão e de Maria Francisca da Silva; 5) José da Silva Santos (1750) cc Joaquina de Proença Góes e Lara (da nobiliarquia paulistana); 6) Euphasia Maria de Assunpção (1753) cc Custódio Pereira Pacheco; 7) Antônia Rita de Jesus Xavier (1754) cc Franciscso José Ferreira de Souza,, português, pais de 13 filhos, entre os quais a Josepha Maria de Jesus, solteira em 1758, de nome idêntico ao de minha trisavô paterna; e Manuel de Souza, nome idêntico ao do pai da citada Josepha, meu tetravô. Mera coincidência, eu julgo, mesmo constatando que a época e a região em que nasceram eram as mesmas: últimos anos do século 18 no vasto território da Villa de São José Del Rei. Na imensa e desdobrada Serra da Mantiqueira (que a gíria da época traduzia como sendo a Serra da Ladroeira) os corpos dos cadáveres dos tropeiros entulhavam os abismos, jogados pelos bandidos depois de laçá-los e saquear seus carregamentos de ouro e diamantes. Tiradentes, em constantes diligências policiais enfrentava as quadrilhas de assaltantes, nas mãos das quais nunca sofreu o que sofreu nas mãos dos carrascos da Coroa. Hábil, forte e resoluto, ele não fugia do perigo e neutralizava os conflitos de forma persuasiva, de tal maneira que escapou incólume da enrascada de anos seguidos na maratona daquele policiamento. No período de 1772-82, Minas era a Capitania mais populosa do Brasil, com 319.769 habitantes, seguida pela da Bahia, com 288.848. O País todo abrigava 1.555.200. O chamado Caminho Velho vinha de São Paulo pelo Vale do Paraíba, passando em Taubaté e Guaratinguetá, atravessando a Mantiqueira para chegar em Pouso Alto, Baependi, Cruzília e chegar a Ibituruna e São João Del Rei; daí seguia até Lagoa Dourada, Serra da Itatiaia, Rio das Velhas e ia até os sertões da Bahia, sendo que uma ramificação rumava para Ouro Preto, Mariana e Bacia do Rio Doce. Quem vinha do Rio de Janeiro ia por mar até Parati, subia atravessando a Serra do Mar e encontrava o braço do caminho que vinha de Taubaté, em Cruzília. O Caminho Novo partia do Rio de Janeiro, atravessava a Baixada Fluminense, passava em Simão Pereira, Juiz de Fora, Barbacena, Carandai, onde entroncava com o Caminho Velho. Os colonizadores daquele tempo eram notórias e convictas aves de rapinas que se exprimiam laconicamente através dos estipêndios da multa e do imposto que se pagava até para atravessar um simples riacho. O tal do quinto do ouro extraído foi calculado no ápice da produção e a mina podia minguar e exaurir, o minerador podia morrer de fome, mas o valor do quinto não baixava. De tal forma que o minerador passou a dever à Coroa até os cabelos da cabeça. Por isso quando veio a Derrama (cobrança à força dos quintos), veio a Conjuração, palavra em voga ainda hoje, com sinônimos igualmente dolorosos. Cabe aqui uma pergunta: não está passando da hora de se repetir diante dos credores internacionais uma nova conjuração através de nova metodologia de independência do capital estrangeiro, não apenas chefiada por um novo Tiradentes, mas contando com toda a participação de todo um povo que precisa acordar do pesadelo secular e levantar-se do catre carunchado e espinhoso de sua indigência, de sua aviltante subordinação à esta famigerada Coroa dos fundos monetários internacionais? Farto dos irônicos subsídios literários e voluntários, dos escorchantes contratos das entradas e dos dízimos, dos suntuosos enxovais para os desposórios de princesas e infantes e das aparatosas exéquias dos monarcas, da infeliz carência de estradas, de saneamento básico, de segurança pública, de serviço postal, de distribuição de renda, o colono manietado não podia erguer a cabeça e levantar a voz sob pena de incorrer em castigo análogo ao imposto a Felipe dos Santos, que atado às caudas de quatro cavalos selvagens, foi arrastado e esquartejado nas ruas de Villa Rica, sem socorro nem sepultura, sem um simples filho de Deus para ao menos acenar-lhe uma extrema-unção. Em 1789 os mineiros estavam devendo ao erário real, só de impostos dos quintos a quantia de 596 arroubas de ouro, sendo que as minas já tinham dado o que tinham de dar. Um pouco antes e logo depois sobrevieram as proibições de aberturas de novos caminhos, de fabricação de tecidos e de artefatos metálicos. Depois de ser roupeiro e mascate e fazendeiro, ainda na juventude, o Alferes passou a percorrer os velhos e novos caminhos da Capitania, em diligências policiais de grande risco, quando aproveitava as horas vagas para tirar e pôr dentes nas pessoas, tratar e curar muitas enfermidades dos desvalidos, tudo nas margens dos agrestes caminhos. Como viver num lugar onde uns poucos mandavam e abusavam de muitos, onde esses muitos sofriam de todas as invalidades, principalmente da absoluta falta de identidade como ser humano e cidadão? Como poderiam amar uma terra onde cada sítio era uma espécie de gólgota ou de um calvário? Como achar bonita a paisagem no pôr de sol e no amanhecer se o que lhes sangrava o coração vazava nos olhos? Se tinham os olhos pequenos para ver tanta desgraça reunida, tanta chibata a céu aberto, tanto esfolamento numa terra banhada de sangue de milhões de nativos, mortos e insepultados só porque não se adaptavam à escravidão pura e simples dos mandões desalmados, como alimentar ilusões? Tiradentes lutou pela identidade de cada um dos elementos do conjunto populacional, mas perdeu o esforço. E então? Fazer de conta que continuaria a viver (sob um”sol nulo dos dias vãos”como diria Fernando Pessoa), não seria muito pior? Não dispunha de paciência para acalmar a turbulenta circulação de um sangue repelido e maltratado. Longe de si a conivência com os despropósitos coloniais. Foi assim que a morte em sua vida adveio logo depois da primeira delação de um dos ex-colegas, falência que se acentuou diante da covardia dos outros, que se alimentaram de sonhos e agora defecavam as realidades – esses, os tais que jamais lutariam pela aquisição de uma identidade que só a consciência dos íntegros reclamava. Que venham, pois, ele deve ter pensado, a corda fatídica e o ignóbil trampolim e toda a judiação posterior. Penalizado pela injustiça de ser justo, Tiradentes caminha para a forca como Cristo teria caminhado para a cruz, se esta já não estivesse em seus ombros. Tiradentes perdoa e beija os pés do carrasco, recebe a alva, despe a camisa e fala: “Nosso Senhor morreu por meus pecados,,,”. Mas não disse (modéstia à parte, dele) que morria pelos pecados de tantas imerecidas pessoas.... Com a companheirada de tal jaez, ele deve recalcar a solidão da expectativa do martírio num mundo assim infestado de Macedos, Marques, da trinca de judas: Silvério-Pamplona-Malheiros, assim ele estava mesmo sobrando, podia ir sem penalizar-se. Por mais cauteloso e astuto que fosse no relacionamento inconfidente dos confrades, ele não podia pressentir as segundas intenções deles – e foi assim que sua confiança virou ingenuidade, cada amigo um inimigo, cada companheiro um traidor. Em que ponto teria errado? seu único pecado foi acreditar que a convicção moral em si mesma pudesse derrotar nos outros a ganância material. Pessoas para ele de insuspeitável ombridade não poderiam roer a corda na mais infame defecção. Até o Cláudio Manuel da Costa?, ele deve ter ruminado em suas dores mais íntimas; o Tomaz Antônio Gonzaga com a lira e o lírio e a marilia?; o Francisco Antônio de Oliveira Lopes, com os bons indícios familiares, a lisura e a candidez e a incorruptibilidade da esposa Hipólita Jacinta ...? Ah, ele entre perjuros e traições, um simples alferes de cavalaria, ele foi uma exceção no jogo de empurra dos depoimentos, e sobranceiro permaneceu até expirar no cadafalso, não para o pretendido escarmento das pessoas, mas para dar o exemplo histórico de vigorosa cidadania- que todavia não se conservou nos anais políticos até os nossos dias, ainda e muito carentes de conjurados destemidos. Como se dissesse aos inquisidores: eu assumo a culpa total e digo e repito que todos são inocentes e covardes, eu sou a cabeça, o tronco e os membros da sublevação. E vocês, colonizadores de uma figa, que se danem e se fode depois de dependurarem minhas partes em lugares públicos para brindarem os olhos e os narizes dos acovardados que fogem das próprias sombras. Vemos hoje, com isenção de ânimo, que ele não seguia nenhum idealismo patriótico, que o que mais feria seus brios era muito mais o rancor do colonizado vítima de mortífero espezinhamento que ele testemunhava desde a infância. Os genocídios dos ameríndios e dos afros, centenas de milhões de cruéis assassinatos a machadadas e carabinas, tudo isso e a sobrecarga do arrivismo administrativo da colônia que tolhia, discriminava e castrava quem não portasse os estigmas do adulador e do apadrinhado. De todos era o único que a Derrama em si não afetaria, pois nada devia à Coroa, era a bem dizer o único deles que via na Conjuração o pulo do gato, o pretexto para levantar a voz e o sabre e assim quem sabe, inaugurar uma vivência humana fundamentada nos princípios éticos de uma pátria verdadeira e não de araque, só ele na andadoria dos périplos conflituosos sabia da essência humana, do comportamento felicitado na justiça e na honradez na irmandade dos seres vivos, ele que não foi apenas a cabeça da conjuração, mas sim o corpo e a alma, ele que não possuía as datas e as sesmarias, ele tinha a consciência do possível , do necessário brasileiro. 

(*) Este artigo é complementado de 14 páginas relatando os nomes e as informações das outras 106 pessoas implicadas na Inconfidência, que aqui serão acrescentadas, oportunamente. Acrescentamos aqui, no entanto, um adendo, com a página conclusiva deste texto. 


ADENDO: Nota-se ao longo da compilação dos dados da Devassa a dissolvência dos ideais libertários, logo depois da punição dos Inconfidentes. As pessoas implicadas e as suspeitas, bem como seus familiares, trataram logo de escapulir do palco ainda quente das sentenças, ameaças e reprimendas, e logo-logo os caminhos da revolta transformaram-se em pontos de fugas - e vimos nos livros de registros dos Juizados de Paz e das sacristias das Paróquias dos sertões de várias partes de Minas os filamentos da rede de evasões principalmente do eixo Rio das Mortes-Rio das Velhas na dispersão dos donos de datas de mineração para os latifúndios das sesmarias concedidas pela Coroa em regiões desprovidas de pedras preciosas, mas ricas em potencial de lavoura e pecuária.Na região do Desterro, no oeste do Estado, que tinha começado a povoar-se em meados do século 18 com a migração de mineradores desatendidos da região da Villa de Sabará, voltou a receber novos povoadores, agora oriundos da inconfidencial região do Rio das Mortes – e os nomes de famílias que tristemente brilharam nas páginas dos Autos da Devassa voltaram a brilhar, agora tristemente exilados, nos livros de registros de batizados, casamentos e óbitos, de testamentos e inventários e escrituras de compra e venda de imóveis. Lá estão afixados, como já inventariei nos livros “Memorial do Desterro” e “A Família Oliveira Barreto”. Os nomes familiares de Amaral Gurgel, Álvares Maciel, Antônio Rabelo, Souza Pinto, Resende Costa, Ferreira Marques, Toledo, Moura, Castro, Guimarães, Vasconcelos, Costa, Martins Borges, Gonçalves Teixeira, além de outros com a inteireza nominal de : Domingos Fernandes da Cruz (casado com Mecia, filha de Bernardo José de Oliveira Barreto, trisavô deste pesquisador); José Ferreira Marques (padrinho de Josepha Maria de Jesus, trisavó deste pesquisador), Padre Carlos Correia de Toledo, Francisco Antônio Rabelo, Luiz Vaz de Toledo Piza, Antônio Ribeiro de Avelar e João Rodrigues de Macedo. Nota: A leitura do livro TIRADENTES – A Inconfidência Diante da História, de José Crux Rodrigues Vieira, BH, 1993, foi a fonte principal da pesquisa deste artigo.

1 Comments:

Blogger nelson fortes said...

Olá Antônio Carlos.
A dúvida persiste. Talvez vc possa dirimi-la.
Meus trisavos paternos:
1. Cândido Xavier de Andrade c.c.
Eleuthéria Claudina Fortes.
1.1 - Salviano Xavier Fortes c.c. Cândida Theobalda (ou Theobaldina) de Souza Meirelles (meus bisavos).
Existe alguma relação entre estes meus antepassados e Tiradentes?
Consta que eles eram de Rio Preto - MG (Trisavos) e de Sta. Isabel do rio Preto - Valença RJ (bisavos).
Grande abraço.
Nelson Fortes

3:41 PM  

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