AS RELÍQUIAS ATUANTES
Viver e/ou passear na cidade de São Paulo, evitando, é claro, as notórias áreas de risco (vivamente agressivas em todas as grandes cidades brasileiras), é tomar um saudável banho de civilização. É uma das maiores cidades do mundo, de ótimas referências culturais e culinárias. Sem falar nas delícias oferecidas pelos pródigos restaurantes, é com prazer que relembro outros bons momentos.
1 – A exposição interativa, com os sons, as imagens e as histórias, intitulada BOSSA NOVA ITAUBRASIL BOSSA NA OCA, encenada, fixamente, para uma duração de muitos dias no Pavilhão engenheiro Lucas Nogueira – OCA, Parque do Ibirapuera (ver www.itau.com.br/bossanova). Uma impressionante montagem de causa e efeito, imagem e som, forma e conteúdo, como se o local fosse construído especialmente para o evento. Glória, glória, aleluia, Vinicius, Jobim, João Gilberto e toda a constelação de astros e estrelas da plenitude sonora de nosso querido Brasil! Bem saliente nas retinas do espectador fica o violão sincopado que firmou as bases da Bossa Nova. O alarde inserido no contexto, perfeitamente.
2 – A exposição sobre JERUSALÉM no MASP. A expressão iconográfica de um povo sisudo e afetuoso através do mostruário dos seculares meios de vida tornados relíquias hoje atuantes por seus intrínsecos valores. A exposição dos achados arqueológicos, explicitando os usos e os costumes dos muitos séculos antes e depois de Cristo. A técnica da cremação de animais em sacrifícios, os rituais, as tigelas em forma de romãs, os vasos das oferendas, a arca da aliança, as tábuas da lei, a adoração musical, as estatuetas e turíbulos, as mesas de pedras, os ossuários, as tumbas, tudo no meio das árvores saudáveis dos terrenos doentios. Os dois famosos Templos de Jerusalém, o capitel coríntio em pedra calcária com o esboço da flor de lis. Enormes jarros de pedras ao lado das minúsculas moedas de bronze, de prata e de ouro, os fragmentos de igrejas e monastérios com as colunas, as grades, paredes, crucifixos, púlpitos, pia batismal, piso em mosaico e os símbolos da fé cristã e judaica, o altar de uma sinagoga, as fachadas em mármore. E a vivência dos muçulmanos e cristãos. E a pergunta mundial: por que tanta briga por causa de um reduzido território? Por que a fé tem que ser violenta e não apenas fiel ao amor de uns aos outros, tão enfaticamente pregada por Maomé e por Jesus Cristo?
3 – A 20º. Bienal Internacional do Livro de São Paulo no formidável Parque Anhembi: algo de embasbacar qualquer produtor cultural. Estandes e mais estandes numa bela e ordenada feira de amostra de uma infinidade de editoras de toda parte do mundo – e os espaços especiais destinados a uma biblioteca Viva, a um Espaço Literário e mais: o Salão de Idéias, o espaço Universitário, os Auditórios e as Áreas de Alimentação. É a grande vitrine da produção livreira, com as estandes expondo mais de mil selos editoriais, com cerca de 200 mil títulos e mais de dois milhões de livros à venda. Uma festa colorida de imagens e sons para embalar a expressão humana do conceito e da forma da civilização humana sobre a terra (ver na internet; www.folha.com.br/082261). De Minas Gerais destacamos a relevante participação do portentoso órgão cultural ALDRAVA, de Mariana, fundado e mantido por um brioso grupo de poetas locais.
4 – Desfrutei, também, de duas projeções de filmes silenciosos nas telas da Cinemateca Brasileira (www.cinemateca.gov.br), órgão promotor da II Jornada Brasileira de Cinema Silencioso: O que restou do filme LIMITE, ícone da cinematografia brasileira do início dos anos 30, de Mário Peixoto, contando a história do barco perdido no oceano com três náufragos – um homem e duas mulheres. A desolação diante do inelutável infinito. O silencioso clamor de uma derrota implacável. E depois a projeção integral do filme PELE VERMELHA, de 1929, dirigido por Victor Schertzinger, prenunciando enfaticamente o repertório infindável do gênero faroeste, que tanto sucesso de público e de crítica vem fazendo desde então até hoje em todo o mundo. Na mesma noite estava passando AURORA, de 1927, dirigido pelo genial F. W. Murnau, com George O`Brien e Janet Gaynor – um marco histórico da cinematografia. Vi, depois, num cinema comercial da Avenida Paulista, o “Encarnação do Demônio”, de José Mojica Marins, considerado pelo crítico da Folha de São Paulo, como o retrato fiel do desarticulado Brasil atual. Todos os filmes de terror, antes produzidos, são fichinhas perto dessa metáfora da truculência institucionalizada: uma violência física comparável em extensão e profundidade à violência moral da atual política vigente no país. Sangria desatada o tempo todo em toda parte, impune e a céu aberto.
1 Comments:
Lázaro, simplesmente fiquei babando... de INVEJA de você! Quisera eu que meu ofício fosse mais flexível... mas um dia me vingo dessa advocacia. Por falar em São Paulo, também adoro aquela loucura (também, é claro, desviando-me do que lá tem de pior...).
Realmente São Paulo é onde as coisas ACONTECEM neste Brasil!
abração
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