quinta-feira, julho 17, 2008

O DIA DAS MÃES NA SERRA DAS PEROBAS

Primeiro veio John Ashbery arengar comigo na subida das vertentes. Ele urdia o poema que seria ele mesmo, o poeta, ou seja, o poema de forma despojada, falando de uma mulher ausente nele e na manhã: a triste mulher nervosa na janela de uma das ruas de Ermida dos Campos. Ela seria um poema de carne e osso, sem palavras, mas: isto seria possível? Sem palavras, todo feito de semblante e melodia – e o silêncio com o qual a mulher afasta o homem de sua poesia, e fica de longe, a namorar as árvores da rua. O cérebro comanda as articulações, esbarra nas reumas da prosa, chora de impotência. Aí ela entra para dentro da casa, não o quer mais a seu lado, assim inútil, supérfluo. - Ele quer apenas valer-se de mim, provocar-me? – Ela se pergunta. Perdida nos corredores da casa, ela se criva de dúvidas. No íntimo mais profundo reconhece que desejava ser apenas um poema e não um ser humano de reumas sufocado. Assim fico dispersivo nas entrelinhas. O erotismo é espelhado: o feio quer ser bonito para atrair o outro bonito e nas raízes narcísicas da idealização (diz Renato Mezan), arredonda a copa da genealogia giratória. A rivalidade é uma duplicidade. A ciência, ao clarear, elimina. Mas Ulisses desencanta os encantos, para encantar-se. Todo casamento dá errado, mas todo erro pode ser corrigido. Deus é feito de eus, como diz um professor. A formosura é a implosão do ego: yang:parte masculina da mulher: animus yin: parte feminina do homem: anima. O homossexualismo é a radicalização dos componentes acima. Não pode haver macho e fêmea, pois sois um em Jesus, dizia Boehme. Rilke roga a Deus que o faça hermafrodita. A família humana é criada por um modo intenso de amor e dá origem a um modo mais intenso de morte. Na fase oral da criança (incorporação simbólica), ela engole o mundo.E quanto à mulher: ela não tem explicação! Ela é quem eu conhecia antes de conhecê-la: nascemos um para o outro. Algum tempo depois a canção voltava do meio do caminho. Era triste assim de cabeça baixa. Seus lábios são macios, como são macios os seus lábios! Como eram macios os lábios de Anne Bancoft em 1957! Eu carregava seus beijos nos braços, só para beijá-los nos lábios úmidos. Ela tem os seios do tamanho do amor - e se tem umbigo, estou salvo! Quem puder mais engole o outro na quarta dimensão do amor. Depois veio Jill Hoffman, com as ondas do amor de seu olhar, os sonhos vivos no corpo móvel a dormir, a me pedir um endereço nas abstrações da lua. Ela disse que ouvia no sonho o grito, chamando-a. Ao ouvir o grito chorado, pulava da cama, ela disse: pulo da cama onde deixo o marido a dormir e com os modos e dons que Deus me deu, deixo o marido amável e surdo na cama quente, abro a porta do outro quarto - onde a esperança do encontro se realiza. É assim, que agarrado um ao outro, o novo casal se encontra: ele me chupa, me sorve, me esgota na escassa luz da madrugada. Sua boca voraz me esvazia, me enche, como é notório (como é bom de achar!). Assim ficamos um bom tempo, um ao lado do outro: eu a ver no rosto dele, transbordante as gotas de leite brilhando na escassa luz da madrugada... É ali e assim que sinto o corpo fluir e bocejar... Logo tornamos a dormir: ele sorrindo o inocente sorriso, eu sorrindo o inocente sorriso! Depois acordo, abençoada na cama quente, retorno à outra cama, o paraíso primitivo, no qual o meu amor foi um dia concebido. Volto para beneficiar-me de outro tipo de calor, abraçada ao corpo de outro homem! Jacob canta no Egito a seus filhos, José é o rebento de uma árvore fértil: o rebento de uma árvore fértil (junto de uma fonte), cujos ramos passam por cima do muro, para satisfazerem outra cidade. Agora suas pernas estão dobradas, como diz Breton, com os joelhos à altura dos seios, formando a orquídea, bandeira de sua canção. Mas a Mafalda, do Quino, bronqueia nos bons ares argentinos: - “por que siempre sopa, mama? Por que? Si nos queremos! Si vos sentis amor por mi! Y yo sinto amor por vós! Por que arrisesgarte a que naufrague nuestro romance?” E depois de escrever em toda casa “feliz primavera, mama”, ela diz: “uma de dos, mama: o vos dejás de hacer sopa o yo de escribir hipocresias!”. No sexto dia, tendo criado o firmamento com o sol e as estrelas e as fontes os rios o mar as montanhas, a terra inteira com seus verdes e maduros, os animais aquáticos, terrestres, aéreos, Ele viu que tudo isto era bom, que tudo isto era muito bom! Reviu os contornos e a extensão de cima em baixo sentiu que faltava alguma coisa no ar, na terra, na água: falta o ser que nele podia ser refletido... Então criou o homem à sua imagem e semelhança... E viu novamente que as coisas que tinha feito era boas, eram boas e muito boas! E fez a manhã e a tarde do sexto dia e no sétimo descansou, porque ninguém é de ferro e Ele era semelhante ao homem de carne e osso e espírito e alma. A descansar no sétimo dia, depois de inspirar no rosto do homem o sopro da vida, Ele pensou bem no que tinha feito: ainda faltava alguma coisa? No fundo, Ele sentiu pena da solidão humana, que iria redundar na esterilidade planetária. Então, o que fez? Criou a mulher do próprio homem (por isso é que se diz com muita justeza que o homem é a primeira mãe do mundo). Só assim Ele ficou feliz e realizado: acabava de criar a fecundidade planetária. Mais feliz ainda ficou quando viu que a cópia era melhor do que o original, mais bela e sensível, mais generosa e amável... Disso Ele nunca se arrependeu, pois a mulher é a nossa mãe de cada dia, pois nenhuma delas na história e na geografia jogou pedras nas caixas de marimbondos, não teve o nome maculado nos massacres e genocídios e holocaustos. Ela que mantém no seio a luz do mundo, não participou nem de longe da crucificação de Jesus Cristo, nem lidera qualquer comando vermelho do crime organizado. A ela hoje brindamos em homenagem agradecida: À NOSSA MÃE, SUA MELHOR SAÚDE! Como a ela pode ser imputada a culpa do pecado original? Ela tem a força moral acima da fraqueza social. Até mesmo uma das mais fragilizadas (Marlene Dietrich) consegue fragilizar homenzarrões (Jean Gabin, Orson Welles, John Wayne). A Marlene Dietrich, quem diria! Logo ela, que parecia mover-se numa moldura diáfana, envolvida num ar diferente, que respirava com dificuldade, e que imprimia nas feições distanciadas (enfatizadas, porém, pelos longos cabelos louros-avermelhados) o ar doentio e cativante de sua extrema formosura. Qualquer uma delas, seja nova ou não, bela ou feia, preta ou branca, pobre ou rica (existem mesmo estas distinções?), ao contracenar com os homens em qualquer palco da realidade, rouba os olhares da platéia, como a ruiva Greer Garson fazia na teatral Inglaterra de seu tempo. De tê-la criado assim como é, na peneira das ambigüidades instigantes, Deus nunca se arrependeu. Ela é a mãe nossa de cada dia, a namorada de nossas paixões, sempre a encontrar (como já dizia Balzac) as indulgências em seu coração para as tolices que inspira a nós, vassalos dela. Oba, oba! Estou a dizer e repetir-me: seja normal, não se envergonhe da delicadeza de certos momentos e da ternura dos inadiáveis instantes: só assim chegará, merecidamente, perto da mulher, atraindo-a. Nenhuma delas, na História e na Geografia, jogou pedras nas caixas de marimbondos, nem jamais teve o nome maculado no relato de massacres e genocídios e holocausto: ela que traz no seio a luz do mundo, não participou nem de longe da crucificação de Cristo nem lidera, hoje em dia, qualquer comando vermelho do crime organizado. Palmas para ela! A família é um feixe de afetos problemáticos ou é um feixe de problemas afetuosos? Todos brigam, aos beijos e abraços – e no final das contas o choro até que chega a parecer um canto muito alegre, não?