terça-feira, agosto 26, 2008

O FUTEBOL COMO LIÇÃO DE VIDA

Albert Camus, um dos melhores romancistas da literatura mundial, disse de sua experiência de jogador de futebol (era um goleiro sempre em pânico diante do pênalti?), que foi essa prática que lhe deu a melhor lição de vida amealhada na convivência filosófica que embasou sua pungente ficção. Por que disse assim? Quem joga sente e aprende uma emoção e um entendimento existenciais diferentes e mais persuasivos? É preciso ser, ativamente, jogador e/ou torcedor fervoroso. Só quem assim é, é que pode entender o dito do autor de “A Peste”. Eu fui jogador (não dos melhores nem dos piores) em todas as quadras de minha vida e já lutei renhidamente em todas as posições da defesa e da armação das jogadas. Menos no ataque, uma vez que a emoção na hora de arrematar contra o gol adversário impedia-me de acertar o fundo das redes. Mas não é de minha experiência que aqui estou, mas sim, para dizer algo sobre o livro “União Esporte Clube: Retratos de Uma História”, de autoria do advogado, professor e escritor Constantino Barbosa, itapecericano de boa estirpe radicado em Divinópolis. É um livro (à venda na Boutique do Livro) bonito, legível, instrutivo, que homenageia o futebol de Itapecerica e de toda nossa região. Fartamente ilustrado: 112 fotos revelando o empenho esportivo do Clube no período de 1938 a 1976, quando rivalizava com o São Bento Esporte Clube nos campos do jogo de bola e da política, uma vez que os times representavam com a garra, o amor e o ardor os Papiatas (eleitores da antiga UDN) e os Tarecos (eleitores do antigo PSD). A rivalidade enfeitava e não enfeava a disputa pela primazia, constante, dos contendores, uma vez que os jogos eram sempre decididos educadamente, em tácita obediência ao justo merecimento da vitória ou da derrota. Quem perdia, tentava revidar na próxima partida – e é assim mesmo que a vida joga seus dados, suas bolas, suas cartas, no placar esportivo e nas urnas eleitorais. Particularmente mantenho minhas experiências e lembranças daquele belo futebol da cidade de muitas colinas. Vivi lá no final da década de 40, cursando o ginasial no então recém-inaugurado Ginásio Padre Herculano Paz. Morava na rua NecésioTavares, onde participava das renhidas peladas nos fins de tardes, que às vezes adentrava as noites, com a meninada da buliçosa artéria, também conhecida por Rua do Meio, por situar-se entre as ruas da linha férrea e da Avenida Vigário Antunes. Aos domingos e feriados não perdia as disputas do campeonato regional, principalmente os embates entre os times preponderantes, que eram o União e o São Bento. Aficcionado pelo futebol profissional dos grandes centros (que acompanhava através da radiofonia), cheguei a decorar (e lembrar até hoje) a escalação dos melhores times do eixo Belo Horizonte-Rio-São Paulo: do Cruzeiro de Geraldo II, Bibi e Bituca; Adelino, Hemetério e Juvenal; Nogueirinha, Selado, Niginho, Ismael e Braguinha. E do Atlético de Kafunga, Murilo e Ramos; Mexicano, Monte e Afonso; Lucas, Lauro, Mário de Souza, Lêro e Nivio. Sabia também – e memorizo até hoje, as briosas escalações do Botafogo, Flamengo, Vasco, Fluminense, do Palmeiras, Corintians e São Paulo. Era mesmo, e ainda sou “doente”, por assim dizer, e não podia perder um duelo entre o União e o São Bento. Lembro-me vivamente das espetaculares exibições de jogadores habilidosos do União, time mais querido das famílias e amigos de minhas relações. Como esquecer de pessoas que encantavam nossa infância? Os jogadores usavam gorros, a bola de capota era costurada à barbante de fora a fora, os campos eram de terra batida, sem alambrado e sem bilheterias. Os jogos eram disputados com paixão e tenacidade. Cada jogador, em sua posição, assumia a responsabilidade de defender e atacar em nome de sua honra pessoal, do seu amor próprio e de seu compromisso de força e de vontade com os companheiros e com a torcida que avivava a chama e o clamor das jogadas a favor da vitória brilhante ou de qualquer outro resultado honroso. Era com a emocionada alegria que, com os colegas da rua e do ginásio, vibrávamos, aplaudíamos as jogadas dos malabaristas e guerreiros do futebol amador, sinônimo de futebol com amor. A valentia e o arrojo do goleiro Jorge Turco, o respeitável e incansável Ziroca, o lendário Alcuino (músico inspiradíssimo em outros palcos), a matreirice e a habilidade dos Irmãos Macotas (Tuninho, Luiz, Geraldo e Carlito), o cracão Carmelo, brindando a torcida com suas firulas e arrancadas pela ponta direita, como se fosse um prenúncio do Garrincha. E, além de muitos outros, os memoráveis nomes dos craques Zé Gondim, Zadico, Lalado, Zué, Chibata e Venerando. Bons tempos tão bem evocados pelo talento descritivo de Constantino Barbosa, pródiga fonte das rememorações deste articulista e de tantos contemporâneos agora assim agraciados.