terça-feira, setembro 16, 2008

O ESPÍRITO DO ATEISMO III

A vontade de Deus prevalece em todos os acontecimentos, segundo a sabedoria popular, que garante que a voz do povo é a voz de Deus. Até o boi que morre atolado no brejo, é pela vontade Dele. Se a mulher perde o marido ou um dos filhos num acidente ou num desenlace repentino, a explicação dela (ou dele, se for o caso inverso) é “que Deus quis”. E ainda pergunta, suspirando no ar carregado de outros suspiros: “o que hei de fazer?” Pergunta, sabendo que “Deus está em toda parte e que a tudo pode”. Se uma pessoa de mau caráter comete uma atrocidade: se diz dele “que é ruim feito uma cobra – mas deixa estar que um dia vai prestar contas ao Nosso Senhor”. Se a mesma pessoa ímpia não consegue praticar um mal previsto, a explicação dos circunstantes é que “Deus não dá asa à cobra”. E por aí vai toda a argumentação que não resiste a uma análise mais severa. Uma vez dei-me ao delicioso trabalho de compilar essas pílulas da sabedoria popular, e constatei que a maioria refere-se ao papel de um Deus onipotente e onipresente. “Quando Ele demora é porque já está a caminho” – é outras das jóias desse articulado moinho rifoneiro. Eu mesmo aprendi, desde a mais tenra idade, a dizer: “Deus me livre!” – Diante de alguma adversidade; “Graças a Deus!” – Diante de algum benefício. “Queira Deus!” – Diante de uma boa perspectiva. “Meu Deus do céu!” – Diante de uma incógnita. “Deus seja louvado!” – Diante de uma graça alcançada. Estas e muitas outras frases são constantes no vocabulário da cultura popular. Além de citar constantemente até no pensamento, a gente mantém vida afora o automático costume de persignar ao passar diante de uma igreja, de um Passinho em via pública, de um Cemitério, e de repetir certas orações em determinados momentos, diante dos infortúnios e das venturas. Faz bem ao ego? Faz, sim e, talvez, concorra positivamente no convívio pacífico das pessoas em sociedade. Trata-se, como sabemos, de modos de ser e de estar (de viver e de deixar viver) arraigados na humanidade através das idades, tornados hábitos naturais como os de comer e de beber, de saudar e de contestar os acontecimentos na órbita das circunstâncias e das localizações. Não quer dizer que a pessoa seja teísta ou ateísta. Sabemos que de um modo geral o ser humano sobrevive através do redemoinho de crenças provisórias ou fixas, propenso à dialética ou aferrado à cegueira do fanatismo. De um modo geral as pessoas duvidam dos postulados ortodoxos, mas aceitam os axiomas seculares e dogmáticos das religiões por comodidade movida pela preguiça mental de raciocinar cientificamente. De minha parte, fico entre os apóstolos da cruz e os apóstolos da ciência. Lembro-me que o poeta Baudelaire (um dos precursores da melhor poesia moderna de todo o ocidente) usava sempre a palavra NATUREZA quando queria dizer DEUS. Na verdade sabemos que Deus é uma potência sobrenatural, até hoje inexplicada, que inspira fidelidade aos valores da felicidade, tais como os da moralidade, da dignidade, da liberdade, da verdade da beleza universal. Não é simplesmente Aquele que perdoa a Maldade e assim a justifica e (consequentemente) aprova. A humanidade, no estágio em que se encontra, não pode viver sem a ajuda dessa crença tão contestável? Temos que reciclar nossas noções a respeito, vendo o problema pelo viés científico, através do qual Deus seria (ou será) a Centelha da Grande Explosão Universal, cujas partículas espalharam-se na imensidão cósmica. Muitas dessas partículas encontraram guarida neste pedaço cósmico chamado de Planeta Terra, em cujo espaço cheio de vida “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, conforme o famoso dito de Lavoisier. Assim pontifica a Natureza com suas próprias leis de ações e de reações. São conhecidos e reconhecidos os três principais biótipos habitacionais: o mineral, o vegetal e o animal, todos a serviço um dos outros, sem a obrigação de molestar, dominar e destruir. É um organismo vivo e assim se comporta, reagindo às agressões ambientais através das temporadas de secas, furacões, terremotos, enchentes. Não é uma maledicência da Natureza, mas sim, uma resposta às de outra forma indefensáveis agressões dos profanadores dos sacrários da legítima legitima constitucionalidade planetária. Creio que o equilíbrio ecológico do planeta corresponde ao equilíbrio psicológico do ser humano. Infelizmente, agora essa Natureza (Deus) está sinalizando sua exaustão, tão dilapidada anda pela ação nefasta da irracionalidade humana.