quinta-feira, novembro 20, 2008

PROSA E VERSO

Black is Beautiful: Na bela e gloriosa vitória eleitoral de Barack Obama, votado ao que parece pela maioria da população mundial e não apenas pela dos Estados Unidos, prepondera o lado (inusitado) negro do novo presidente de um país, até então refratário ao ideário e à prática da miscigenação. Uma vitória do ser humano, individualmente, na face da terra, sem dúvida. Venceu o candidato mais aquinhoado pelos dons da simpatia e da competência. Espera-se que a vitória se repita na gestão governamental, a favor não só da potente nação como de todas as outras nações do mundo (muitas delas reconhecidamente impotentes). Particularmente estranho, em todo o caso, um detalhe relevante: por que, depois da vitória, a mídia brasileira joga tanta luz no fato de Obama ser um negro triunfante? O que isso tem de mais? Ele não é um ser humano igual aos outros? Ele é, sobretudo um ser humano e não apenas um indivíduo da pele de cor negra. Não será um equívoco generalizado da mídia, estranhamente afetada de preconceito racial? Por que julgam que um preto é diferente de um branco? Sei (e penso que todos sabem) que não é. Nasci e fui criado num lugar pequeno, onde inexistia qualquer tipo de discriminação racial. O Francisco negro era o mesmo Francisco-pessoa-humana e não o Francisco-pessoa negra. Aprendi a ver a igualdade racial desde a mais tenra idade. E agora, já idoso assumido, e como escritor de cerca de dez livros publicados e de quase vinte inéditos, posso afirmar, em sã consciência, que nenhum personagem entre centenas de minha ficção, nenhum deles recebe o epíteto de negro, assim, simplesmente. Todos são, indiferenciadamente, os portadores de suas virtudes e defeitos, carregando seus nomes de batismo pela vida afora sem a menção da cor da pele como distintivo. A criançada do meu tempo comungava da mesma convicção de que a pessoa é boa ou má por outros motivos, não pela ostentação epidérmica. O menino conhecido como o “Nego da Fia” era, às vezes, um branquelo – e a própria “Nega do Totonho” era, de longe e de perto, uma branquela. A gente partilhava das coisas, dos espaços, dos quitudes, das idéias, dos modos e das ações cotidianas com as pessoas que não eram violentas: não porque era vermelha, verde ou azul. Afinal, como se lá dizia: O que seria do amarelo se não existisse o branco ou o negro? Esqueçamos a cor do Obama, que é apenas um detalhe que não vem ao caso da enorme responsabilidade que ele está assumindo, confiante na própria capacidade. Beleza e Veracidade. Na minha extensa relação de poetas que se imortalizaram na história da civilização, em virtude de suas obras excepcionais, destaco Homero, Dante, Camões, Shakespeare, Keats, Yeats, Rimbaud, Cabral, Fernando Pessoa, Lorca, Whitman, Rilke, Poe, Bandeira e Drummond, como os que conseguiram manter a unidade, a harmonia da síntese ao longo de suas obras volumosas. Estou falando dos que, amplificados no equilíbrio da quantidade com a qualidade através da síntese, conheço mais atenciosamente. Esses são sintéticos até mesmo na exuberância. Não dão varadas na água, não colocam o carro adiante dos bois: são mestres da ponderação, músicos alinhados no ritmo, pessoas bem situadas nos pontos de vista e de apoio – com a inteligência a nortear a sensibilidade no caminho da comunicativa expressão rentável, (literal e metafórica), escoimando sempre os desvios de tentadoras contrafações. Não cito aqui os romancistas e os ensaístas que estão sempre na pauta de minhas leituras, mas lembro deles a lição de que a oralidade poética na prosa versificada resume em extrair o sumo (o mel e o veneno) da fruta alimentícia do dia-a-dia do homem comum que eu sou – e que quase todos são. Divinópolis 2008. O ar empedernido e agressivo, repleto de sanguinários pernilongos. O chão empedernido e agressivo, repleto de poeira, estrepe e buraco. A sociedade apavorada, indormida, sofredora, dividida: de um lado os malfeitores, do outro lado os sofredores. As casas blindadas com seus dispositivos chocantes, Os moradores temerosos, sitiados, a convivência desarraigada, a estranheza que defrontamos, a anos defrontar (cada pessoa desconfiando da outra?). É óbvio que a poesia não tem nada a ver. É óbvio que a política tem tudo a ver! É assim tropeçando no levanta e cai que caminha a aturdida humanidade brasileira?