quarta-feira, dezembro 24, 2008

ASPECTOS PONDERÁVEIS DA HISTÓRIA DO BRASIL (IV)

Do belo, grande e veraz livro de Laura de Mello e Souza, O DIABO E A TERRA DE SANTA CRUZ, vamos pinçar alguns trechos ao acaso, começando pela epígrafe da pagina 7, onde ela cita o Frei Vicente do Salvador explicando que o demônio é o responsável pela mudança do nome de Santa Cruz para o de Brasil. E logo depois, na página 29, ela cita Antônio de Santa Maria Jaboatão, que credita a fatores sobrenaturais o descobrimento da nova terra: “foi Deus quem, através de seus desígnios insondáveis, conduziu os homens até aqui”. Assim neste duelo do bem com o mal e vice-versa, desfolham-se as páginas legíveis como numa obra literária repleta de flores e de frutas. E o mito do Paraíso Terrestre fica balançando: primeiro edenizou-se a natureza, depois infernalizou-se a humanidade inviável através da escravização do negro e do índio, advindo, então, “a perplexidade diante das nuvens de insetos, as cobras enormes, o calor intenso”, agruras acrescidas do canibalismo dos índios e da feitiçaria dos negros, surgindo, então (para sempre?), a troca do sentimento de bênção pelo de repúdio. E aí, para enegrecer e agravar o quadro, surge a tal de propagação da fé para, segundo as palavras de D. João III, “a gente dela se convertesse à nossa santa fé católica”, agravando com “os mecanismos ideológicos justificatórios da conquista e da colonização”, o encobrimento e o escamoteamento das “atrocidades cometidas em nome da fé”. Anthony Knivet, em seu livro “Vária Fortuna e Estranhos Fados” (Edit. Brasiliense, 1947) é, segundo Laura, “um dos pouquíssimos europeus a tecer considerações desfavoráveis acerca do comportamento dos europeus na América”. (...) Fala da desumanidade dos portugueses, e incita os índios a se posicionarem contra estes. “Não obstante todos estes inconvenientes tremendos (leopardos, leões, crocodilos, surucucus), preferíamos cair sob as garras duma fera, ou duma víbora, do que às mãos sanguinárias dos portugueses”, ele, Knivet,diz.. Em Nota na página 63, a autora cita Sérgio Buarque de Holanda: “o repúdio ao indígena – à sua animalidade – centraliza-se em três formas de comportamento qualificadas de repugnantes e que seriam comuns a todos os “nativos”: o incesto, o canibalismo e a nudez”. Na página 153, ela afirma textualmente: “os portugueses chegaram ao Brasil num momento em que a presença de Satã entre os homens era especialmente marcante. Monstros, animais, seres diabólicos - os colonos também foram feiticeiros, as formulações se sucedendo e se desdobrando no imaginário europeu. Índios da América, negros da África e brancos da Europa se combinaram mais uma vez para engendrar práticas mágicas e de feitiçaria extremamente complexas e originais”. “A Reforma Protestante” (página 137) “e as lutas religiosas do século XVI fortaleceram ainda mais a presença de Satã entre os homens.... Jean Wier assinalava a existência de 72 príncipes e 7.405.926 diabos, divididos em 111 legiões, cada uma com 6.666 membros. Havia os ígneos, aéreos, terrestres, aquáticos, subterrâneos e lucífugos. Habitavam geleiras, metiam-se no corpo de roedores, controlavam tempestades. (...) O diabo sancionava e legitimava a ortodoxia cristã – tanto a católica quanto a protestante. A igreja cristã primitiva via demônios nos deuses pagãos: as belicosas seitas religiosas dos séculos XVI e XVII alegavam que seus oponentes adoravam Satã. Isto era dito dos católicos pelos protestantes, dos protestantes pelos católicos, e pelos cristãos dos pele-vermelhas e outros povos primitivos”. Na página 279 começa o capítulo da retaliação às crendices com a imposição de outras crendices. O título do capítulo é: “Caça às Bruxas e Inquisição: Pesadelos Modernos”. Eis o que diz, em linhas gerais, na página 280: responsável na Europa pela morte na fogueira de cerca de vinte mil pessoas em 250 anos, a caça às bruxas teria atingido seu apogeu entre 1560 e 1630. (...) Novecentas execuções orgulhosamente comandadas por Nicola Rémy, entre 1576 e 1591; as execuções jurássicas, que entre 1537 e 1685 quase atingiram um milhar e meio; a mortandade catalã, que entre 1616 e 1619 ceifou trezentas vidas.... e assim o relatório das execuções – uma das mais cruéis e memoráveis, a de Joana d’Arc (depois canonizada pela própria Igreja que a sacrificou desumanamente), inspirou livros e filmes famosos. No Brasil, a primeira visita dos inquisidores data de 1591, a segunda em 1618 e a terceira em 1763-1768. A extinção desse estranho linchamento de pessoas acusadas de estranhos e maléficos poderes em Portugal só se deu em 1821. 119 casos foram registrados no Brasil no perí0do de 1590 a 1780, vitimando, em Minas, 40 casos, dos quais 24 eram negros e os outros, brancos. Na página 264, Laura de Mello e Souza afirma que Minas foi a Capitania mais urbanizada da Colônia e, simultaneamente, aquela onde o sistema escravista alcançou maior pujança no século VXIII. (...) Se todos os direitos pertenciam aos brancos, restava ao negro refugiar-se nos valores místicos, “os únicos que não podiam ser tomados”.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Lázaro, continuamos acompanhando os bons textos postados. Que 2009 traga novos e sempre inteligentes intervenções. Abraços. Camilo Lara e Adriana Versiani.

11:19 AM  

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