sexta-feira, dezembro 05, 2008

O ESCRITOR OBCECADO

Trata-se de Philip Roth, autor de uma série de romances ousados (não convencionais), treze deles já traduzidos e publicados no Brasil. Detentor de tantos prêmios (só falta o Nobel?), consagrado pela crítica e pelo público. Em entrevista ao caderno “Mais!” do jornal “Folha de São Paulo’, de 08/06/08, ele responde (a uma das perguntas) “os leitores são raros, assim, como espectros?”, com as palavras: “ler será hobby de uma minoria. Alguns criarão cachorros ou peixes tropicais, e outros lerão. Como é o caso da leitura da poesia, hoje. Existem poetas, eles são publicados, mas os leitores de poesia são uma minoria”. Na página 265 do romance “O Avesso da Vida” ele passa o trecho de um panegírico ( que poderia ser o dele?): “Ele foi o grande defensor de sua solidão, não porque gostasse especialmente ou valorizasse sua solidão, mas porque a anarquia emocional fervilhante e a auto-revelação só lhe eram possíveis em isolamentos”. O enredo de cada um de seus romances é um constante vai-e-vem de existências alternativas, uma coleção de contradições, deixando ao leitor a sensação de que o argumento ficcional não é o que mais importa. O que mais importa é a sucessiva apresentação de ações e de situações que são como contos, fragmentos, partes de um conjunto válido em si pela riqueza da linguagem esclarecedora de tantas faces da vida, de tantas faces do mundo. O enredo está na linguagem e não na estória em si. O que na minha opinião é uma façanha literária incomum. Obcecado pelas delícias que a libido promete (e só em parte cumpre, pois bifurca-se depois nas conseqüências muitas vezes desagradáveis), ele vai de herodes a pilatos, ou seja, da amada à amante, sem vacilar, levianamente, como o abelhudo inseto pairando e/ou pousando de flor em flor. Em “O Professor de Desejo” o personagem faz um tour pela Europa modernamente liberalizada, colecionando colóquios e transas, revelando cruamente um realismo erótico monomaníaco, desvairado e compulsivo. Em “O Avesso da Vida” ele leva aos limites da profundidade o risco da excessiva freqüência sexual ao chegar ao desânimo da impotência e até da morte. Entremeia os fogosos e delirantes libidinagens de uma espécie de serial-cópula com as esposas e amantes, sofrendo, ainda por cima de tudo, os reveses das esporas e da raiva e do ódio pelo fato de ser, evidentemente, uma assinalada vítima do internacional racismo anti-judáico. Judeu assumido, como todo judeu que se preza, ele não se vale do artifício humorístico como faz Woody Allen, artista e cineasta que sabe poetizar jocosamente tal preconceito, sorrindo em vez de sofrer. As mulheres, no entanto, estão sempre em seus lugares, para amenizar e aguçar as flores e os espinhos acumulados nos anos dourados da libertinagem das décadas anteriores de sua vida fértil. Agora amargando todas as experiências físicas e mentais de um estado de ânimo debilóide e desacorçoado, ele entende, finalmente, que o ser humano deve ser o mais sofrível dos seres vivos, por armazenar tantas culpas, pelas quais nenhum arrependimento será capaz de redimir. Sabe, enfim, que o amargo é mais duradouro que o doce – e assim fica a dizer e repetir o que bem sabe: ninguém tem culpa, mas que todos são castigados. No romance “Homem Comum” (que ainda estou lendo), ele parece exorcizar alguns de seus demônios íntimos, penitenciando-se, dolorosamente, ao assumir o ônus da terceira idade, sabendo que terá de pagar todos os pecados de seus cometimentos prazerosos ao constatar que, afinal de contas “a gente nasce para viver, mas em vez disso morre”. É, talvez, muito tarde para agora fixar-se, impassível, diante de tanta luxúria exposta, de tanta lascívia oferecida em toda parte. Fecha os olhos, o coração e a libido diante de tanto desnudamento auspicioso? Tanta desdita e a doençada por cima, ah, ele se desorienta. E o jeito é citar François Mauriac, escritor eminentemente católico: “deleitar-se nos prazeres do leito não compartilhado”. Ilação do Leitor Lázaro Barreto: Estou propenso a acreditar que as palavras são minhas leais amigas, que procuram reabilitar-me toda vez que estremeço no silêncio da secura do desafeto humanitário, que mais cedo ou mais tarde afeta toda pessoa humanamente integrada na hipócrita sociedade.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Lázaro, bom dia. Ler o que você escreve sobre o que lê sempre me dá imensa satisfação; sinto-me como aqueles meninos que, perto do Exame de Admissão (lembra-se disso também?... bons tempos aqueles...), por "milagre de surrupio" descolavam um resumo - daqueles "Do Professor" - sobre o livro a ser comentado na prova, e daí... ora, e daí! Daí era dez na testa! Comigo esse idem: fico com dez quanto te leio! É claro que é nota autoproclamada, escusada, né?

Mas o arremate desse post você deu magistralmente na sua "ILAÇÃO"; um primor de pensamento! Sim, eu também me igualo a você; as palavras realmente são NOSSAS leais amigas! Esses tempos tenho passado por um terreno espinhento, que me desvia do meu foco escritor, mas não consigo ficar sem criar alguma crônica ou coisa tal, mesmo que isso fique apenas num rápido esboço, que depois, com maior paz de espírito – sou canceriano, preciso disso para escrever -, retomo e ponho fim à tarefa que o Grande Vaqueiro d'Universo deu a mim... e a você: cuidar de dar voz e, quiçá também de dar silêncios às palavras, ordená-las em pequenos prazeres, inda que efêmeros, mas que eternos ficam, sem querer. Palavras, palavras! Esses tesouros indescobertos pela grande maioria dos que se dizem leitores, mas que às vezes, têm medo do exército infileirado de signos que as formam e deságuam nas torrentes dos... parágrafos.

Abração, e ótima semana pra você e todos os seus aí na bela Divinópolis, urbe que conheço apenas de ouvido, em rápida passagem para Belô.

9:38 AM  

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