sábado, abril 11, 2009

A POESIA MARTIRIZADA

Stalin, Mao, Hitler e Fidel: o quarteto satânico dos maiores genocídios do século vinte, cada um em seu ensanguentado território.. O século das falsas verdades, das enganosas ideologias políticas, dos olhos vorazes e dos corações empedernidos, dos bigodes de arame farpado, dos punhos e dedos de ferro e fogo. Entre os intelectuais, artistas e escritores criativos, sacrificados pelo regime stalinista, figura a bela figura humana de Anna Akhmátova (1889-1966, que “carregava a marca do sofrimento: perseguida pelas autoridades da tirania, que a proibiram de publicar suas obras, ela teve que enfrentar o fuzilamento do primeiro marido, a morte do terceiro num campo de concentração e a terrível angústia de ver os filhos encarcerados por lutarem contra a barbárie, ela deu vida a um dos maiores testemunhos literários do sofrimento individual sob a opressão política” – como reza a contracapa do livro “Antologia Poética” (L&PM Pocket, Porto Alegre, 2009, tradução de Lauro Machado Coelho). Num dos poemas ela denuncia claramente: “esta terra russa gosta, Gosta do gosto de sangue”. Seu povo (acrescento aqui, agora) sai do Tzar e cai no Stalin. Na página 28 da Apresentação do livro, o tradutor Lauro resume a relação das vítimas: “Todos os contemporâneos de Akhmátova tiveram um fim trágico: Marina Tsvietáieva, que não resistira ao exílio no Ocidente, voltou à União Soviética para suicidar-se em Ielabuga, na Tartária, em 1941; Ossip Mandelshtám passou muitos anos no exílio interno, morrendo em um campo de concentração, em circunstâncias obscuras, em 1938; Nicolai Zabolotski também esteve preso entre 1937 e 1947, e Daniíl Kharms, que com ele criara o iconoclasta grupo Oberiu, desapareceu em um campo de concentração; Boris Pasternák passou o fim da vida em terrível isolamento, após o episódio da publicação do romance “Doutor Jivago” no Ocidente (Milão, 1957). Mesmo escritores que tinham aderido à Revolução, acreditando poder estendê-la também na vida cultural, tiveram um fim trágico. Blok morreu em 1921, exausto e desiludido, sentindo-se – como ele próprio disse à Akhmátova – como “um cadáver que escreve poesia”. Serguêi Essiênin (1925) e Maiakovski (1930) suicidaram-se, igualmente desiludidos. Isaac Babel, Boris Pilniák, Vladimir Nárbut, todos eles desapareceram durante os expurgos da década de 1930. Mas antes deles todos, já tinha partido Nilolái Gumilióv, primeiro marido de Anna”. Óssip Mandelshtám foi bem explícito no poema (que causou sua prisão) satírico contra Stalin (página 35): “Os dedos desse assassino de camponeses são grossos como salsichões, e as palavras caem de seus lábios como chumbo. Seus bigodes de barata vibram, e o cano de suas botas é reluzente. À sua volta, há um rebanho de líderes de pescoço fino, homens pela metade, que o bajulam e com quem brinca como se fossem animais de estimação.” Em represália este poeta morreu “num campo de concentração em 1938, aos 47 anos de idade, com as faculdades físicas e mentais totalmente destroçadas”. Destino ainda pior “tiveram o grande diretor do Teatro Meyerkhold, espancado na prisão até à morte, e sua mulher, a notável atriz Zinaída Rakh, assassinada por agentes da polícia secreta, dentro de seu apartamento, com 32 punhaladas, inclusive duas nos olhos”. Na página 44 é a própria Anna que afirma: “Vivemos cheios de medo, criamos os nossos filhos para o carrasco, a câmara de torturas e a cela da prisão”. No redemoinho de lamentações, ela separa, um e outro momento, para abrandar o próprio coração e o do leitor, com estrofes de inegáveis branduras líricas, como a da página 69: “Dentro de cada ser há um segredo a que nem a paixão consegue acesso, inda que os lábios fundam-se num beijo e o coração de amor se despedace”. Temos motivos de sobra, para repugnar e execrar e exorcismar os mandantes e os mandados daquele horrível período histórico e, também, dos retardatários ainda vigentes em obscuras partes do mundo, em obscuras partes de nosso Brasil vítima de tantas insinuações ideológicas infundadas. Anexo 1: A MÃE (Paráfrase que faço de uma estrofe de Anna Akhmátova, depois de ler um poemeto (página 96) que ela escreveu ao perder o filho martirizado): “Madalena batia no peito e chorava. O discípulo favorito convertera-se em pedra”. A Mãe em silêncio se erguia, infinitamente. Para esta mãe do sacrifício e do amor “ninguém ousava erguer os olhos e olhar”. Anexo 2: A MÚSICA DE MARINA EM ANNA (*). Entre o prefácio e o epílogo, na fronteira do miraculoso, a música inefável arde nela em tons visíveis e audíveis, provenientes da intimidade que o semblante retém e a palavra aproxima do inolvidável - e é assim que a própria dor teme emascular do tênue embalo a perene recordação depois que o último olhar dela escrever no ar, os versos: “ela ainda estará comigo no túmulo como o canto do primeiro trovão”. É assim, nela, que as flores explodem magnânimas nos versículos da sonoridade. 

(*) Paráfrase de um dos poemas que Anna dedica à memória da amiga e colega Marina Tsvietáieva, página 109.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Muito prazer.Sou Adriana filha de Rosarinha e Mauro.Já apreciei alguns livros seus por intermédio da Mamãe .
Hoje eu estou aqui mostrando a ela o seu blog . Tem muito o que ler ...aos poucos vou lendo pra ela .
um abraço e parabéns pela sua obra.

9:48 PM  

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