ODISSÉIA DA MULHER AO LONGO DA HISTÓRIA
O texto abaixo, inspirado na leitura do livro da psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins, “A Cama na Varanda” (Edit. Rocco, RJ, 1997) é um apanhado sui-generis do levantamento crítico que ela faz da odisséia feminina, mencionando dados retroativos às idades da pedra e dos metais, de passagem, mas seguramente. Não vou citar textualmente os registros, mas tentar adequá-los a uma explanação sintética e possivelmente legível. O seguinte: por volta dos remotos anos 3.000 a.C. a mulher pertencia a todos os homens e cada homem a todas as mulheres. Ninguém sabia que a procriação era o resultado do ato sexual, de forma que todos os filhos só tinham mães. Só existia a linhagem materna, pois. Todos viviam em harmonia com a natureza, até que um deus masculino decretou que a mulher era inferior ao homem e que deveria ser subserviente a ele. Aí o homem descobriu que a fertilidade e a fecundação não eram atributos exclusivamente femininos e o que fertilizava a fêmea era o sêmen do macho. Foi a partir de então que ele se transformou num déspota opressor (um imperador do Marrocos chegou a ter 888 filhos com a infinidade de mulheres de seu harém). A civilização judaico-cristã prega até hoje que Adão foi criado por Deus e que Eva não era filha de Deus: foi moldada a partir de uma costela de Adão, que tinha sido criado à semelhança do criador. Na mitologia grega a história se repete: Zeus é o único criador da espécie humana. A religião judaica, precursora do cristianismo, caracteriza-se pela masculinidade: iniciando com Abraão em 1800 a.C., desenvolve-se em .300 a.C, com Moisés conduzindo o povo judeu para a terra prometida da Palestina. Depois de muito litígio, muita derrota militar diante dos caldeus e de séculos no cativeiro, foram libertados pelos persas, puderam sair da Babilônia e retornarem a Jerusalém. Como a imagem de Deus era (e é) invisível, cresceu a idéia da superioridade da alma sobre o corpo e assim Deus perde a forma humana, afasta-se da sexualidade, restringindo a liberdade sexual até então preponderante. Com a escritura e difusão da Bíblia através do Velho e do Novo Testamentos fica instituída uma única divindade masculina, proclamando que as mulheres são inferiores aos homens. Eva, por exemplo, é uma figura mal feita e mal contada, ao contrário do imponente Adão. Assim está escrito (Gênesis 3:16) o que Deus disse à mulher: “Multiplicarei sobremodo o sofrimento de sua gravidez. Em meio a dores dará à luz filhos, o teu desejo será para o teu marido e ele te governará”. A mulher passa a ser, pois, um ser maligno, como a autora afirma na página 44 do citado livro. Na Idade Média (476-1453) recrudesce ainda mais o martírio feminino. Aos preconceitos originários do Oriente, os Pais da Igreja acrescentaram outros, inclusive o de que o sexo é um pecado. Os padres pregavam que tanto na mulher como no homem o que havia da cintura para baixo eram criações demoníacas. O sexo era uma experiência da serpente e o casamento “um sistema de vida repugnante e poluído”, com os acréscimos doutrinários: Agostinho disseminou entre os padres que o intercurso sexual era repulsivo; Amábio o chamou de sujo e degradante; Metódio, de indecoroso; Jerônimo, de imundo; Tertuliano, de vergonhoso”. Mateus recomendava que os homens se tornassem “eunucos voluntários”. O resultado de tanto engodo e maledicência aconteceu em 1183, quando a Igreja criou os Tribunais da Inquisição, que consideravam o apetite sexual como algo demoníaco, e assim “qualquer moça atraente é suspeita de bruxaria e de ter relações com Satã”. Assim as fogueiras foram implacavelmente acesas, sacrificando milhares de mulheres jovens e maduras, mesmo depois de provadas suas virgindades anatômicas. Algo demoníaco que historicamente a Igreja carrega nos ombros, eternamente. A emancipação feminina dos pesados encargos da submissão ao homem (fosse ele pai, marido, filho) começa praticamente nos anos 60 do século 20, com a chegada da pílula anticoncepcional. Assim ela passou a fazer do corpo o que mais desejava: a possibilidade do prazer sexual sem a consequência desmedida da procriação. O cristianismo ( uma espécie de filial do judaísmo) na Idade Média considerava a homossexualidade, a bestialidade, o incesto e o adultério como abominações passíveis de pena de morte. A prática sexual só era aprovada pela autoridade eclesiástica quando visava unicamente a procriação – fora disso era um pecado contra a natureza. Por causa da desobediência de tais imposições, o mundo já tinha sido destruído uma vez pelo Dilúvio e cinco cidades de Sodoma e Gomorra foram queimadas pelo fogo celestial e seus habitantes desceram vivos ao inferno – tudo isso sem pormenorizar os crimes hediondos da chamada Santa Inquisição queimando milhares de mulheres consideradas bruxas por seus sacrilégios e práticas sexuais. De minha parte, como leitor, pesquisador e escrevinhador, não aceito esse infeliz papel da mulher cristã, subestimada e condenada em toda as fases da história religiosa, até mesmo na escritura da Genealogia de Jesus, na qual nenhuma mulher é citada: é só fulano gerou sicrano que gerou beltrano, etc. Um absurdo que as próprias mulheres, formadoras da maioria dos devotos cristãos em todo mundo, aceitam humildemente, como se confessassem a culpabilidade da doutrina clerical machista.
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