sexta-feira, novembro 11, 2011

UMA FIGURA INESQUECÍVEL (*)

Sebastião Gomes Guimarães nasceu em Nova Serrana, em 1917. Diplomou-se em Belo Horizonte em Clínica Geral e Cirurgia em 1941 – e veio trabalhar em Divinópolis em 1942. Eleito Prefeito do Município para o período de 1951-1955, quando ampliou os serviços de água, esgoto e calçamento na cidade, construiu a estação rodoviária, concluiu a construção do Colégio Estadual, abriu ruas e criou bairros e estradas vicinais. Já desfrutava de grande notoriedade exercendo as funções de Médico com muita competência, beneficiando muitas gerações, principalmente da classe pobre, inclusive dos municípios vizinhos. Exerceu o segundo mandato no período de 1959-1962 e depois pela terceira vez no período de1971-1973. Fazia das duas atividades a mesma profissão de fé numa espécie de liturgia sagrada de amor aos semelhantes. A fidelidade ao critério de amor ao próximo mais do que a si mesmo é uma linha paralela ao seu amor do exercício da medicina. Creio até mesmo que não se casou temendo inibir a possível esposa na comunhão conjugal. Ela não aceitaria um marido absorvido em outro amor pessoal tão profundo – e assim ele teria que bancar o tirano no lar, desgostando a consorte, o que ao mesmo tempo contrariava seu amor próprio e ao próximo. Permaneceu celibatário por causa da arraigada constância afetiva de seus semelhantes, no que era plenamente correspondido pela inumerável clientela beneficiada. Estou propenso a dizer que ele foi a pessoa mais perfeita que conheci até hoje. Despido de defeitos, repleto de virtudes. Médico humanitário, que entrou na Política considerando que a boa política é um local de comunhão das pessoas, sejam elas pobres, ricas, novas, velhas, feias, bonitas. O livro “Bão É O Bastião”, de Anamaria Mourão mostra muito bem que nele a Luta é sinônimo de Vida. Sua mesa de trabalho no gabinete do prefeito e no consultório do médico era a mesma, sempre repleta de papéis anotados para o duplo exercício de sua faina cotidiana. Na opinião popular “ele tirava a doença com a mão”. Pessoa enigmática (de estranhos poderes?), carismática, confiante, persuasiva. Mediunidade ou competência acima do normal? As pessoas admiravam e agradeciam, mesmo estranhando tanta bondade afetuosa. Não cobrava as consultas. Se perdia o doente para a morte, assegura Anamaria Mourão, ele chorava. Não apalpava o doente, pedia que o próprio apalpasse. Sua finalidade, arguta e veraz, era extirpar a doença, curar o doente. Com toda e muita simplicidade, irreverência, obstinação. Sua vida é um romance de humor e seriedade, um realismo beirando o surrealismo, o pitoresco amenizando o dramático. Fatos até de níveis folclóricos pipocam no seu dia-a-dia dinâmico. Teve um Fusca roubado durante a noite porque não usava a garagem, sabendo que a qualquer momento deveria sair para atender um doente. Deixava a porta do carro sem trancar e a chave da direção e os documentos no interior. Conta-se também o caso de que, indo com o parente de um doente na zona rural, ouvir dele, calado, os xingamentos contra o mau estado da estrada. Sem saber que o médico que o atendia caridosamente era o prefeito municipal, ele vituperava: “filho da mãe desse Prefeito que não cuida das nossas estradas. Ah, se um dia eu o encontrar, vou dar uns bons tapas na cara dele, ah, isso vou!” E ele bem ali, bem calado, reprimindo os solavancos do veículo. Outro caso verídico (este Anamaria conta no livro citado): “no consultório repleto de gente, a fila das consultas alongando-se no passeio”, ele ouve a pobre mulher com a criança doente no colo queixar-se do fato de a enchente ter levado o barracão em que morava. Nesse momento chega um fazendeiro rico, agradecendo o médico, por ter curado a esposa, dizendo ao doutor: “Hoje o senhor vai receber, querendo ou não” – e coloca na mesa o maço de cédulas. A cena, presenciada por todos teve o seguinte desfecho: o doutor Sebastião, coça a cabeça, mas logo vira-se para a mulher do barraco e entrega-lhe o pacote de notas e diz: “É para a senhora consertar a moradia. E não esqueça de passar essa pomada na coceira do menino”. (*) Agradecimentos à Anamaria Mourão, pela amplitude da pesquisa contida no livro “Bão É O Bastião” – Editora O Lutador, BH, 1996.