segunda-feira, dezembro 05, 2011

O ÂNGULO AUSPICIOSO

“Arranjos de Pássaros e de Flores”, Poemas de Wilmar Silva, Editora Robertha Blasco, BH-MG, 2011. Numa primeira leitura presumo que o título e todo o livro referem-se ao corpo da mulher amada com todas suas proximidades e confins, perfumes e cantorias, arranjos de pássaros e de flores. Na leitura momentânea, sem o crivo crítico, chego a ouvir os sons e aspirar as essências mais vivas da natureza ao mesmo tempo vegetal e mineral, sobremodo humana, quase sobre-humana. “Escorregadio vale em forma de trevo” leva-me “ao arranjo de veludinho e papoula”, dialoga “com a conterrânea matriz roseana”, como afirma Fabrício Carpinejar no prefácio “Delícias do Campo”. Esmiuçando a linguagem, lendo e relendo atenciosamente, não encontro outra alusão a não ser a encantação da sensualidade afetiva (a afeição sem problemas mentais, imbuída de incontáveis soluções físicas). Onde “apenas eu” (o autor diz na página 31) “enxergo o suor de virilha à língua” na “foz de orgasmo no festim floral” das dálias e dos melros. São 31 páginas de dez versos que evocam, sugerem centenas de páginas, milhares de leituras. Um livro, pois, muito importante. Utilizando um vocabulário ao mesmo tempo sucinto e abrangente, suscita expectativas e derrama prerrogativas, insinuando, esclarecendo desejos e satisfações que rodeiam e enfeitam os espasmos da sexualidade. Inevitável, pois, a compilação de alguns versos a respeito do acasalamento dos pássaros com as flores, ou seja, do sequioso amante com a deliciosa amada: “vermelhos ramos, jasmim-dos-poetas\ quadratura de estacas, flora perfume” (página 43). “Invólucro de plêiades, do ventre estelar”\ “: constelação óptica de lóbulos e folíolos” (pág. 45). “É meu gosto em meu hálito de canário\ lasso eu crivo, cântaro de água e poço\ guardo no âmago cadente da memória\ teu sono de pássaro, errante-t miro-eu” (pág. 49). E assim por diante a sucessão de monólogos-diálogos, o encontro da fome com o que há de comer, a luz do desejo encontrando o prazer, o abraço cordial da flora com a fauna, o beijo crepitoso entre os amantes na solidão mais povoada deste mundo, apesar dos muitos percursos intransitáveis. O outro poeta, Alécio Cunha, afirma no prefácio: “É a agrolírica de Wilmar Silva, após suas intensas reflexões sobre o desordenamento da linguagem, lugar por excelência de embate, luta corporal entre forças centrífugas e centrípetas que ecoavam na própria estrutura, nada linear, dos poemas”. O autor nasceu na cidade de Rio Piracicaba, Minas Gerais. Vivi algum tempo de minha juventude nas margens desse fabuloso Rio, trabalhando nas obras de construção da barragem e da usina hidrelétrica. O rio piscoso-volumoso-sinuoso inspirou-me um poema, na época, inédito até hoje, que agora publico aqui em homenagem ao autor de “Arranjos de Pássaros e Flores”: RIO PARANAIBA (dedicado à Lacyr Schetino) Uma noite (ou um estranho dia) Cobria de ervas e detritos As betoneiras e os guindastes Que ameaçavam cobras e lagartos. Seria maio? Agosto? Trinta mil olhos de formigas testemunhavam meu pavor Ao ver o rio levar a lua, Que se agitava, que gritava, que chamava minha atenção Atônita, ineficaz. Entrementes Ouço dizer que há répteis úteis e nocivos, Que o diabo fez a ponte pênsil, Que os cães não atacam pessoas nuas, Que todos os brasileiros tem o olhos os olhos castanhos E que a solidão....