sábado, abril 01, 2006

TRÊS POEMAS DE LÁZARO BARRETO

1 – O RETORNO DO OPRIMIDO 

Quando regressei ao arraial das metáforas, a névoa doía um tanto nas lombadas e outro tanto no passivo coração apertado (a dor de dentro a responder à de fora). Uma certa angústia capitulava a perspectiva dos juízos apressados dentro do automóvel, a correr sem necessidade. Por que agora? Não já paguei o que devia, se devia? O carro derrapa na curva da chegada, cantou nos pneus calibrados de antemão. A rua íngreme e bêbada me levava aos altos dos morros e das árvores. As casas olhavam (janelas abertas para dentro e para fora) moradias da paixão, da anistia e da tocaia. O parabrisa filtrava o diagrama, rompia o calçamento, adentrava a felicidade (essa coisa súbita e regressiva). O contexto, lado externo dos sentidos, vinha mover-me os lábios no pensamento do trecho súbito e hostil, hirto e frio (o que vem sem ser chamado, pensei silencia na alma o esforço de alegria, rasura o esforço da roça sazonada). De novo o sol a brilhar na chuva. A casa chega bem perto do carro (metade estranha, metade familiar): as flores de fora, as seivas de dentro (o que passou vai dar vida ao que vai passar? o que está lá dentro, no fundo, atende ao chamado do que está aqui fora?). No galho decepado da velha magnólia, o sabiá ainda canta, apesar de golpeado. 

2 - SEGREDOS 

Esmurro a noite pelo lado de fora. O que há dentro? Uma alcatéia de brutos? O epitáfio dos ímpios? Um pasto de feras e diamantes? As imagens de ontem, já extintas? Esmurro a porta da noite para saber o que fiz do coração e do sexo e das outras direções do vento. E também da moça de fita azul nos cabelos. Estou vivo ou morto nas garras desta poesia, nas unhas desta noite, nas adentrações de alheias sutilezas? Esmurro a noite pelo lado de fora. Queria saber o que há lá dentro: a visão onírica de uma graça? a dívida cármica? aflições financeiras? respaldos do pecado original? ou o novo credo de um novo amor? 

3 – OS TRÊS NOMES DO GATO (*) 

Dar nome aos gatos não é tarefa fácil nem fútil. Muitas vezes quando digo que o gato deve ter TRÊS NOMES DIFERENTES, olham-me de novo, julgam-me biruta. Mas assim é, por mais que estranhem e gozem. Primeiro o nome corrente, de uso da família, que pode ser Poetinha, Alípio ou Conceição. Depois o escolhido de pessoas refinadas (extravagantes ou mesmo sóbrias), como Menelau, Polonaise ou Pixinguinha. Por último o mais íntimo e solitário, que ele mais necessita para manter o orgulho e esticar os bigodes, enrodilhar-se na cadeira ou pular o muro como num vôo, e que pode ser Diadorim, Caracóia ou Ana Lívia Plurabelle, que nenhum outro gato deste mundo ostenta. Mas além desses e acima de tudo e de todos, há um nome especial a preferir e esse ninguém sabe ou saberá. É o nome que nenhuma pesquisa humana pode descobrir e que só o próprio gato sabe, mas que nunca confessará a ninguém. Assim ao ver um gato em profunda meditação, os olhos abertos mas cegos, as unhas em inocente repouso, a razão é sempre a mesma: sua mente está ocupada na contemplação de seu profundo, inescrutável e singular NOME. 

(*) Tentativa de transcriação de um poema de T.S. Eliot.