TRÊS POEMAS DE LÁZARO BARRETO
1 – O RETORNO DO OPRIMIDO
Quando regressei ao arraial das metáforas,
a névoa doía um tanto nas lombadas
e outro tanto no passivo coração apertado
(a dor de dentro a responder à de fora).
Uma certa angústia capitulava a perspectiva
dos juízos apressados dentro do automóvel,
a correr sem necessidade. Por que agora?
Não já paguei o que devia, se devia?
O carro derrapa na curva da chegada,
cantou nos pneus calibrados de antemão.
A rua íngreme e bêbada me levava
aos altos dos morros e das árvores.
As casas olhavam (janelas abertas
para dentro e para fora) moradias
da paixão, da anistia e da tocaia.
O parabrisa filtrava o diagrama, rompia
o calçamento, adentrava a felicidade
(essa coisa súbita e regressiva).
O contexto, lado externo dos sentidos,
vinha mover-me os lábios no pensamento
do trecho súbito e hostil, hirto e frio
(o que vem sem ser chamado, pensei
silencia na alma o esforço de alegria,
rasura o esforço da roça sazonada).
De novo o sol a brilhar na chuva.
A casa chega bem perto do carro
(metade estranha, metade familiar):
as flores de fora, as seivas de dentro
(o que passou vai dar vida ao que vai passar?
o que está lá dentro, no fundo, atende
ao chamado do que está aqui fora?).
No galho decepado da velha magnólia,
o sabiá ainda canta, apesar de golpeado.
2 - SEGREDOS
Esmurro a noite pelo lado de fora.
O que há dentro? Uma alcatéia de brutos?
O epitáfio dos ímpios? Um pasto de feras
e diamantes? As imagens de ontem, já extintas?
Esmurro a porta da noite para saber
o que fiz do coração e do sexo e das outras
direções do vento. E também
da moça de fita azul nos cabelos.
Estou vivo ou morto nas garras
desta poesia, nas unhas desta noite,
nas adentrações de alheias sutilezas?
Esmurro a noite pelo lado de fora.
Queria saber o que há lá dentro:
a visão onírica de uma graça? a dívida
cármica? aflições financeiras? respaldos
do pecado original? ou o novo credo
de um novo amor?
3 – OS TRÊS NOMES DO GATO (*)
Dar nome aos gatos não é tarefa fácil nem fútil.
Muitas vezes quando digo que o gato deve ter
TRÊS NOMES DIFERENTES,
olham-me de novo, julgam-me biruta.
Mas assim é, por mais que estranhem e gozem.
Primeiro o nome corrente, de uso da família,
que pode ser Poetinha, Alípio ou Conceição.
Depois o escolhido de pessoas refinadas
(extravagantes ou mesmo sóbrias),
como Menelau, Polonaise ou Pixinguinha.
Por último o mais íntimo e solitário,
que ele mais necessita para manter o orgulho
e esticar os bigodes, enrodilhar-se na cadeira
ou pular o muro como num vôo,
e que pode ser Diadorim, Caracóia ou Ana Lívia Plurabelle,
que nenhum outro gato deste mundo ostenta.
Mas além desses e acima de tudo e de todos,
há um nome especial a preferir
e esse ninguém sabe ou saberá.
É o nome que nenhuma pesquisa humana pode descobrir
e que só o próprio gato sabe,
mas que nunca confessará a ninguém.
Assim
ao ver um gato em profunda meditação,
os olhos abertos mas cegos, as unhas em inocente repouso,
a razão é sempre a mesma:
sua mente está ocupada na contemplação de seu profundo,
inescrutável e singular NOME.
(*) Tentativa de transcriação de um poema de T.S. Eliot.
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