quarta-feira, dezembro 13, 2006

O LEITURISTA PINÇADOR I (*)

1 – “A Obra em Negro” – de Marguerite Yourcenar, trad. de Ivan Junqueira, Edit. Rio Gráfica Ltda., RJ, 1986. - “A vida enclausura os loucos e rasga uma fenda para os sábios.... Quem seria suficientemente insano para morrer sem pelo menos ter visto a torre de sua prisão?” (pág. 18). - As pedras contam histórias. “Zênon não se cansava de sopesar ou estudar curiosamente as pedras cujos contornos, polidos ou ásperos, e cujos matizes de ferrugem ou musgo contam uma história, dão o testemunho...”(pág. 38). - “Em primeiro lugar, o que se retira dos mortos é o movimento; depois o calor; em seguida, mais ou menos rapidamente, segundo os agentes a que eles estão submetidos, a forma” (pág. 108). - “Anacreonte é bom poeta e Sócrates um homem de indiscutível estatura ética e intelectual, mas não compreendo em absoluto que se renuncie aos tenros e róseos contornos da carne, aos abundantes corpos tão diferentes dos nosso nos quais se penetra como conquistadores numa cidade florida de alegria e para eles engalanada” (pág. 109). - A divisa alquímica: “ir pelo obscuro e o desconhecido por aquilo que é ainda obscuro e desconhecido” (pág. 138). - “O tempo e a eternidade não eram senão uma mesma coisa, como um veio de água negra que sulca as entranhas de uma vasta e imutável superfície” (pág. 154). - “Unus ego et mult: in me”. Um único somos eu e muitos em mim”. Nada alterava aquelas estátuas em seus lugares, postadas para sempre sobre uma superfície imóvel que seria talvez a eternidade” (pág.167). - “Deus nos delega seus poderes. Ele não age senão através de nós, pobres mortais” (pág.177). - “Lutero divulgou uma idolatria do livro bem pior do que certas práticas por ele consideradas superticiosas, e a doutrina da salvação pela fé avilta a dignidade humana” (pág. 195). 2 – “A escrava Isaura” – de Bernardo Guimarães (1825-1884) – Edit. Ática, S, s/data. - “É vã e ridícula toda distinção que provém do nascimento e da riqueza” (pág. 8). - “Os meus braços estão presos, a ninguém posso abraçar, nem meus lábios, nem meus olhos não podem de amor falar; deu-me Deus um coração somente para penar”. (estrofe da “Canção da Escrava”, pg. 11). - “ A desavença entre os dois mancebos era como o choque de duas nuvens que se encontram e continuam a pairar tranquilamente no céu” (pág.25). 3 – “O Lago Sagrado”, de Margaret Atwood, trad. de Caio Fernando Abreu, Edit. Globo, SP, 1972. - Por que cantam os passarinhos? “Eles cantam pelo mesmo motivo que os caminhões buzinam: para marcar seu território” (pág.42) - “O medo produz um cheiro, como o amor” (pág.87). - “Os esquimós têm 52 palavras para a neve, porque é algo importante para eles. Deve haver outras tantas para o amor (pág.120). - “Os predadores mais notórios são as pessoas violentas e nojentas, quando ficam entediadas”(pág. 137). - “As palavras perdiam-se nas sombras, finas como fumaça, evaporando-se” (pág. 139). - Os norte-americanos : “Como nos filmes de ficção científica sobre as criaturas do espaço, invasores de corpos que se injetam nas pessoas, tomando-lhes os cérebros, seus olhos tornando-se cascas brancas de ovos por trás dos óculos escuros. Se você se parece com eles, fala como eles, pensa como eles – então é um deles” (pág. 145). - Somos, sim, os comedores da morte. “Os animais morrem para que possamos viver”. Se Cristo morreu para nos salvar, “os caçadores no outono matando as corças: as corças também são Cristo”. “Mesmo as plantas devem ser Cristo” (pág. 157). - “Anna sorriu tristemente para ele (...). Conhecem tudo um do outro, por isso são tristes” (pág 170). 4 – “Inferno”,de Henri Barbusse, trad. de Eduardo Brandão, edit. Globo, RJ, 1986. - E eu mergulhava na grande noite de seu ser, sob a asa doce, quente e terrível de seu vestido levantado. A calça bordada entreabria-se numa larga fresta escura, cheia de sombra, e meus olhos lançavam-se ali e enlouqueciam. Eles quase a tinham o que queriam, naquela sombra aberta, naquela sombra nua, no centro dela, no centro da fina roupa que, vagarosamente leve e cheirosa, é quase apenas uma nuvem de incenso no meio de seu corpo – naquela sombra que, no fundo, é um fruto” (pág. 32). “É sua verdadeira boca” (pág.45). - “A felicidade está em nós, em cada um de nós, é o desejo do que não temos” (pág. 79). - “Não é com o mal que se alcança a felicidade. Nem com a virtude se chega lá”( Pág. 86). - “O sobrenatural não existe, ou melhor, está em toda parte. Ele e o real são a mesma coisa” (pág. 83). - “Há dentro da terra muito mais mortos do que vivos em sua superfície, e nós temos muito mais morte do que vida...., e mesmo o que ainda não existe também morrerá”(pág.92). -“ Como poderia imaginar minha morte, a não ser saindo de mim mesmo e me considerando como se fosse não eu próprio, mas outro?” (pág. 193). - “O livro de poesia e de verdade é a mais grandiosa descoberta que falta ser feita” (pág.145). 5 – “O Labirinto Negro”, de Lawrence Durrell, trad. de Daniel Gonçalves, Edit. Rio Gráfica Ltda. ,Rj, 1986. - “A verdadeira função da arte é insistir na existência em nós de faculdades não aplicadas para a experiência que o uso embotou” (pág. 44). - “A tarefa do artista consiste em apresentar descobertas concretas sobre o desconhecido que existe dentro de si próprio e nos outros” (pág. 149). - Se considerarmos “a morte como a continuação de um processo que vem de longe, descobriremos que não se trata de um fato tão importante como parece” (pág. 166). - Ela recordava “aquela vez em que Campion lhe havia revelado a existência nela de sua beleza completamente independente do fato de ser bonita” (pág. 239). 6 – “Fragmentos de Uma Poética do Fogo”, de Gaston Bachelard, trad. de Norma Telles, Ed. Brasiliense, Sp, 1990. “O ser humano é uma colméia de seres (...) Não somos nós mesmos num maço mal atado de um milhão de outros tempos? (...) O ser humano nunca é fixo, ele nunca está lá, jamais vivendo no tempo onde os outros o vêem viver, onde ele mesmo diz aos outros viver” (...) Somos seres estagnantes atravessados por redemoinhos..., onde o ser encontra sua verdadeira vida, a vida excessiva? (...) A palavra poética vem consolidar as transcendências (...) Viveríamos em dobro se pudéssemos viver poeticamente e falar, com convicção imediata a linguagem poética (...) Os poetas encontram sua base, elevando-se, segundo Patrice de La tour du Pin. Essa base é o limiar mesmo da sublimação absoluta (...) Já faz muito tempo que se disse que a palavra fora dada ao homem para que ele escondesse seu pensamento..., mas o destino natural das palavras é fluir para novas imagens (...) A imagem é a ambigüidade das profundezas...E tudo o que sobe encerra as forças da profundeza (...) Desobedecer para agir é a divisa do Criador (...) A poesia tem uma felicidade que lhe é própria, qualquer que seja o drama que ela seja elevada a ilustrar..., trata-se de viver o invivido e de se abrir uma abertura da linguagem.” 

(*) O leitor consciente e inveterado não passa apenas os olhos nas páginas, seguindo a facilidade da receita de ver com os olhos e lamber com a testa. Quer mais. Quer assimilar, aprofundando. E para tanto não se contenta em apenas ler, mas também em grifar e anotar palavras, frases e trechos, para demarcar os focos de maior interesse para releituras e pesquisas temáticas. Isso é o que faço, e sempre fiz.