ALGUNS POEMAS LÚGUBRES
1 – O Mau Tempo. Quando a sabedoria joga com os contrários para acertar a flor do alvo, geralmente acerta. Mas ah oh quê azar! Logo-logo o aziago cantar da acauã vem vem dizer que a realidade do dia-a-dia nevoento é mais forte que o sonho da noite enluarada. Assim é que é: Vamos na brisa Voltamos na avalanche.
2- Rito de Passagem.
Sofri as boas festas do Natal,
da Passagem do Ano,
do Aniversário Natalício,
em clima de névoas e trovões,
de chuva intermitente no coração.
Cheguei a pensar que não ia agüentar
tanta aleivosia e malquerência
(gratuito ódio contra minha pessoa,
que julga nunca ter feito mal a ninguém?).
(Alegaram contra mim que estou velho,
que preciso morrer e que
e que não morro?).
Mas hoje, passado o pior,
vem a chuva torrencial, alagando a rua de minha casa.
Alagando-me todo, em lágrimas
redentoras.
3 – A Morte.
Sonhei estranhamente com a suicida
de um país distante,
que se feriu continuamente com uma faca de cozinha,
sem ponta aguda, sem lâmina afiada,
cinqüenta e uma vezes consecutivamente,
em várias partes do corpo, até
perder todo o sangue que tinha.
Coisa horrível.
Eu não teria essa coragem.
Sempre desejei morrer como um passarinho:
sem um pio sequer,
no galho da árvore que o viu nascer.
Por que alimento uma amizade tão estreita
com a tal Fatalidade?
Sei não,
nem quero saber.
Desde quando perdi a razão de viver?
Não na infância nem na juventude,
quando tanto amava os pais que me amavam...
Seria depois na juventude, na maturidade?
Não e não.
Tanto amava os filhos que me amavam...
Só agora, então, na casa dos setenta?
Não mereço mais nenhum amor?
Não mereço mais nenhum amor?
Tenho os filhos que me amam!
Mas é triste, inconsolável
ser assim amado só por quem
só por quem prescinde de nosso amor.
É ou não é?
O que me resta?
O sentimento de ser demais na ordem das coisas?
Uma pedra, duas pedras nos sapatos de Deus?
Um reles incômodo na fila dos aposentados?
4 – Pressionado Pelas Irresoluções.
O dia todo dia espouca e esplende
vigoroso,
indiferente aos problemas físicos e mentais
dos seres humanos
desnorteados na progressiva desumanidade
pelo jugo da incúria
da possessão demoníaca do salve-se quem puder
do poder espúrio do crime muito mais organizado
que sua pálida repressão.
Assim
pressionado pelas irresoluções de todo mundo
o poeta das sonhadas alturas nivela-se
ao reles comedor de feijão pútrido
deste mar de lama em que se afunda
a dignidade do brasileiro
agora ainda mais atacado pelas chagas de fogo
do braseiro
do outro mar que o afoga pelo alto
em brutais camadas de ozônio.
5 – Quase Duzentos Anos Depois (*).
Olhaí o Brasil brasileiro,
segundo o maldizer do emigrado português,
Luiz Marrocos,
arquivista da biblioteca Real em 1812:
“Estou tão escandalizado do País”
(tão escandalizado do País),
que dele nada quero”
(que dele nada quero).
“E quando daqui sair”
(e quando daqui sair),
“não me esquecerei de limpar as botas”
(não me esquecerei de limpar as botas)
“à borda do cais”
(à borda do cais),
“para não levar o mínimo vestígio”
(para não levar o mínimo vestígio)
“da terra”,
“tão benéfica que nem aos seus perdoa”
(tão benéfica
que nem aos seus
perdoa).
(*) Trecho de uma carta de um dos mais de dez mil refugiados que acompanharam Dom João VI na transladação do Império para a Colônia. Ver o livro “Império À Deriva”, de Patrick Wilcken, trad. de Vera Ribeiro, Edit. Objetiva, RJ, 2004.
6 – O Quadrúpede Andróide?
As quatro eleições tuteladas
As quatro gestões executivas
Os quatro cavaleiros do apocalipse
As quatro estações do inferno
As quadras (quadrilhas?) de brasília
Os quatro vezes quatro vezes quatro
anos de erros e de corrupção
Os quatro apelidos da tristeza esburacada
e da leviandade mais gritante:
o homenzinho da vassoura apressada
o aiatolá de butique da casa da dinda
o tucano sem tu e sem cano
o atual descalabro
As quatro portas de saída do purgatório
As quatro portas de entrada nos infernos.
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