A SINFONIA DO BREJO
Dedicado aos amigos Ceniro e Rose
Se a noite cai e não vou ao Arraial de Serra Negra
onde os matutos ferram quedas de muque nas vendas,
fico a esfregar as nódoas da alma
a bater culpas no peito ressentido
a ler cadernos e livros hereditários
a fechar porteiras e grutas, abrir clareiras e veredas....
fico horas e horas a pesquisar de ouvido
a cantoria no brejo dos seres notívagos:
os anuros desprovidos de caudas
o sapo jururu de pele verrucosa
que mete a ripa nos telhados de barro:
os da cabeceira da lagoa perguntam
os do capinzal do pasto respondem
os do atoleiro de baixo cantam
os dos aguapés da beira esquadrinham.
Todos dormiram de dia, agora conversam alto
exorcizam agouros, rimam mocréias
nos eternos refrões da orfandade.
Alguma jibóia entra no coro? Algum roedor?
Calados de dia, ruidosos de noite
nos lugares frios e ventosos e medulares
eles suplicam às estrelas lá no empíreo?
A perereca a jia o jacaré do papo amarelo:
cada um é livre para dizer o que bem entende?
a serenidade precede ou sucede às quietas aleluias?
Todos os amigos da podridão entram no coral:
o manto da noite lacustre é só deles
o frango d‘água bate as asas sem voar
as lacraias os vagalumes as centopéias,
tudo é estrofe rimada e jogada na amplidão...
Logo o aparelho musical do grilo
apanha no ar as moscas de luz e assim
e assim vai embora o boi e a corda e tudo...
O cavalo a dormir em pé na beira do curral, assim
é assim que a noite avança nas tramelas...
O pingueiro opilado espicha na poeira da estrada:
por que arrepende do mal que não fez?
A lua, teta que paira (como lá diz o Rosa)
sobre o nível em equilíbrio da água,
ouve e responde aos acordes momentâneos,
com os acordes de antanho e do porvir.
Assim passa a noite na rotação da terra
tim-tim por tim-tim nos minutos e nas folhas...
A mandala é o relógio nas paredes da serra,
mas logo-logo a barra do dia vem, vem
com os quintilhões de dedos apalpando.
A natureza já recolhe os cobertores de orvalho
os escuros somem nos corredores dos confins
o sol vem rezando outras antífonas
outra povoação ocupa os lugares resfriados:
pios trinados chilreios sonâncias alacridades...
A matinada cantante é mais sonora que a noturna?
a família dos falcônidas dos rálidas dos tirânidas
esgancham e plainam, abrem os bicos e os desejos
sopram afinações, gritam evasivas e fruições.
O sentimento de ser, as idéias de estar lá deles:
o que está a dizer o bico de veludo do sanhaço?
e por que saltita nos gravetos esse jesus-meu-deus,
essa maria-judia, o tico-tico dos ciscos e penas?
está a dizer que a matinada é mais pungente?
mais canora?
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