sexta-feira, abril 06, 2007

RESPINGOS ROSIANOS

Colhidos enquanto relia o livro “Ave, Palavra”, e outros livros de João Guimarães Rosa. - Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com o homem? - Ser poeta é já estar no adiantado da velhice? A poesia é também um pedido de perdão? - O esquecimento é voluntária covardia. - Mulher..., bonita como ninguém. Roubei do ruivo perfume de seus cabelos... um grande verde instantâneo. - Amar é a gente querer abraçar um pássaro que voa. - Leoana (a grega) me diz que, se gostasse de mim um pouco mais, ou um pouco menos, me amaldiçoaria. Amiga e amigo. Um amigo de infância – o Tino (Faustino Homem de Melo) do Roldão, disse-me outro dia que acredita na (metafórica?) pregação bíblica de que o homem foi feito do barro. “Se é na terra que ele é sepultado” (hoje nem todos), “é dela que ele renasce, como se fosse de uma semente igual às das relvas e das árvores”. Ele quis dizer que da terra nascem todos os seres do planeta, que a fonte de toda vida está nela: seca, úmida, sáfara, fértil, nos altos e baixos e escarpas de todos os continentes. Pode haver controvérsias neste ponto de exclamação entremeado de pontos de interrogações.Mas a hipótese se levanta, sucinta e provável. Fiquei pensando no velho conceito da contínua transformação dos materiais da natureza, no seio da qual nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, de acordo com o reiterado aforismo cartesiano. Depois, lendo o texto “Terrae Vis”, do lírico livrinho “Ave, Palavra” de Guimarães Rosa, deparei com o trecho do “Divinatione”, de Cícero, onde ele assegura que o que animava a Pitonisa era “uma força emanada da terra”, acrescentando que “são várias as espécies de terras: as mortíferas, as pestilentas e as salubres: algumas engendram homens de espírito agudo, outras produzem seres estúpidos. Assim é o efeito dos diferentes climas, e também da disparidade dos eflúvios terrestres”. Mais adiante, no mesmo texto, Rosa cita Keyserling: “Nas alturas das Cordilheiras, cujas jazidas minerais exalam ainda hoje emanações como as que antigamente metamorfosearam faunas e floras, tive consciência de minha própria mineralidade” As emanações telúricas, boas e más são na verdade inegáveis: mostram-se até com certo acinte em todos os lugares do mundo,impregnados, como nós de sentimentos e idéias deprimentes e instigantes, tristes e alegres, afrodisíacos e melancólicos. É do próprio subsolo (ele, Rosa, quem diz) que “vem ondas de harmonia e de inspiração espiritual”. Ler Guimarães Rosa é assim como ler os aromas e as ocupações da paisagem rural: “a simetria obscurada das coisas, as folhas que crescem como virtudes. Os verdes que vão e vêm, como relâmpagos tontos. A dança mágica do capim que a vaca vai comendo (...), o medo grande que de dia e de noite esvoaça, e que pousa na testa da rês como uma dor” (“Ave, Palavra”, pág. 115). Mais respingos rosianos, de “Sagarana” (edit. José Olimpio, RJ, 1965): - “Agora, Francolin,vá s’embora, que eu já estou com muita preguiça de você”. - “...quando vejo aquele, fico logo amigo da minha faca.... Mas Silvino é medroso mole, está sempre em véspera de coisa nenhuma” (pág. 17). - “Boi apaixonado, que desamana, vira fera.... Saudade em boi, eu acho que ainda dói mais do que na gente” (pág. 58). De “Primeiras Estórias” (edit. Nova Fronteira, RJ, 1988): - “A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração” (pág. 19). - “O peru, imperial, dava-lhe as costas, para receber admiração. Estalara a cauda, e se entufou, fazendo roda: o rapar das asas no chão – brusco, rijo, se proclamara. Grugulegou, sacudindo o abotoado grosso de bagas rubras; e a cabeça possuía laivos de um azul-claro raro, de céu e sanhaços, e ele completo, torneado, redondoso, todo em esferas e planos, com reflexos de verdes metais em azul-e-preto – o peru para sempre (pág. 8). De “Manuelzão e Miguilin (edit. Nova fronteira, RJ, 1984):”A mesmo despois que a visonha daquilo tornou a se desaparecer, a cachorrinha não teve paz. Ela não podia olhar a luz da candeia, não queria de jeito nenhum virar a cara para a banda do fogo da fornalha”... (pág. 177). - “tinha até chorado lágrimas, dessas que violão toca” pág. 188). - “Compadre, vejo. Mais antes trabalhar domingo do que furtar segunda-feira. Mesmo digo. Aqui a gente olha a garapa ainda na cana” pág. 222).