quinta-feira, outubro 25, 2007

PEQUENO ELOGIO AO FREI BERNARDINO

Pálida homenagem ao nosso mestre de muitos anos. Texto inédito do livro também inédito “Minha Bela e Querida Divinópolis”, escrito em 1984. O título original é: TEMAS UNIVERSAIS DA CULTURA POPULAR. Dos setenta e tantos livros que compõem, até agora, a bibliografia de consulta da pesquisa que estou fazendo sobre a cultura popular do nordeste mineiro (uma região que abrange três municípios, trinta e tantos distritos e centenas de povoados rurais), o título que mais me prendeu foi “CATOLICISMO POPULAR E MUNDO RURAL”, do nosso erudito, hábil e paciencioso professor, escritor e frade Bernardino Leers, O.F.M. Um livro que figura na estante ao lado dos de Karl Mannheim, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Mário de Andrade, Luiz da Câmara Cascudo e Renato Almeida. É isso mesmo: Bernardino Leers precisa ser descoberto pela intelectualidade e pela massa de leitores brasileiros. Ninguém melhor que ele entende do povo (devia ser o autor de cabeceira dos políticos) e sabe exprimir com elegância e autenticidade o nosso mundo em decomposição e nossa atribulada vida. Fui seu aluno no Curso de Ciências Sociais do INESP e me admirava tanto, na época, de como ele, em poucas palhetadas, levantava uma questão, descrevia, interpretava e suscitava toda uma constelação de fatos novos ao redor do assunto que estivesse em pauta. De repente a gente percebia que tinha tanta coisa para aprender e que as explicações eram até simples e como e porque a gente não tinha ciência delas antes. Agora percebo que ele, com sua obra, não apenas a escrita, mas também a vivida no dia-a-dia de seu ininterrupto exercício clerical, influencia toda a pastoral franciscana de Divinópolis, elevando-a ao equilíbrio da ética e da catequese, e influencia também o quadro docente da Faculdade, com a aplicação de uma metodologia de clareza, descortínio e visão dos princípios, meios e fins através da inteligência que raciocina em blocos e verticalmente. Influenciou a poesia inicial de Adélia Prado (parece até que estamos lendo-a, quando desfrutamos prazerosamente das páginas do Bernardino e deparamos, de repente, com a voz do povo em sua voz) e a forma e o conteúdo do trabalho posterior de centenas, milhares de alunos, que hoje são professores de sólida formação intelectual. Influência (é bom que se frise) no sentido de instaurar condições dialéticas propiciatórias ao levantamento de novas manifestações de um trabalho criativo desde há muito começado e que jamais terminará porque é a própria vida, eterna e universal, em suas diversas temporadas e caminhos. Para ilustrar nossa opinião, pinçaremos, abaixo, trechos de alta voltagem poética na prosa coloquial e requintada do referido livro dele. Como se fosse um poema de frases soltas de várias páginas do livro, que aqui se reunissem: “O mundo sagrado está dentro do mundo cotidiano: O intercâmbio é contínuo e frequente Entre a população do céu e do inferno E a população deste mundo f.d.p, como gritou o bêbado Para as estrelas da noite. Para tudo o que acontece é catolicismo, é Deus, É milagre, é desgraça, é promessa, é faz-mal, É castigo, é santo, é sorte, é o diabo. Nada tem existência isolada. Tudo está na roda Engrenada da constelação universal de Deus Onipresente. Um povo que anda léguas em romaria: Levar uma pedra na cabeça, Cumprir promessas pela cura do touro, Pendurar o santo na cisterna. Morrer de medo do capeta que joga pedras no telhado: Eis aí o numinoso universo dos camponeses. A alma que atrapalha o sono, A assombração na árvore que o bêbado enforcou. O raio que caiu e não matou ninguém. Deus é grande - e viva Santo Antônio! Os médicos salvaram a vida da menina: Tudo é milagre de Nossa Senhora. O pai mostra as mãos do recém-nascido e diz: “ Como Deus faz tudo bem feitinho”.