O MAL DOS PECADOS
Da minha infância em Marilândia (década de 40 do séc.20) guardo na lembrança as imagens e os nomes de seres então vivos, inquietos (rastejantes saltitantes, voadores e até subterrâneos) de muitas modalidades: inhambu, juriti, codorna, tico-tico, azulão, saracura, perdiz, curió, canarinho, pintassilgo, ema, siriema; tatu, tiú, lobo, onça, macaco, mico, gato do mato (ou raposa), paca, viado, marreco, carneiro, cabrito, porco-espinho; pacu, bagre, cará (peixe e vegetal com o mesmo nome), tanajura, vagalume, siririca, bicho-preguiça, lesma, borboleta, cotia, besouro, formiga-cabeçuda, marimbondo, gambá, minhoca, jacaré, tamanduá-bandeira, tutarana, carrapatinho, perereca, carangueijo, frando-d’áagua, bicho-de-pé, redoleiro, piolho, lêndea. tiriziu – e tantos outros que no momento a memória não alcança. A falta deles agora no meio vegetal, mineral e animal de nossas paisagens desmatadas (e eucaliptadas) suscita suspiros e arrepios nos saudosistas, nos amantes da natureza, nos defensores do equilíbrio ecológico e nos técnicos especialistas da SUSTENTABILIDADE, José Eustáquio Diniz Alves é um deles, a dizer que “o ser humano não é dono, mas sim inquilino da terra e do sistema solar”. E acrescenta que “o crescimento da riqueza das nações se deu à custa da pauperização do planeta”, constatando melancolicamente que “já ultrapassamos a capacidade de regeneração”. “As fábricas movidas a carvão criaram vilarejos doentes, nos quais a taxa de tumores malignos é altíssima”, declara Gabriela Carelli. O geólogo Cláudio Maretti acrescenta à pilha de constatações e lamentações: “Necessitamos da biodiversidade para sobreviver: 70% da produção agrícola mundial depende da polinização feita naturalmente pelos insetos”. E a constatação arrematante é que “de todas as espécies que já viveram neste planeta 99% estão desaparecidas”. Obra da civilização, claro. Sinto saudades das manhãs coloridas daquele tempo, no quintal e na rua, do namoro do sol com as árvores agradecidas. Depois chegava a parte do dia referente aos deveres escolares – e logo a parte da tarde chegava com a recreação dos jogos de bola e de dados, de malhas e de grãos de bilosca. E ao entardecer começava o prelúdio das noites enluaradas, carregadas de anjos e em outras épocas do ano vinha a escuridão trazendo seus fantasmas e os ícones do aperreio e da temeridade. Como era bela a rua repleta de bilosqueiras e magnólias sempre floridas com seus cachos e seus pássaros. Assim o cenário propiciava a ciranda-cirandinha das danças e cantigas de rodas – e também dos jogos de pique-será, das advinhações e das vovós contando estórias à beira do fogo na porta das casas iluminadas à lamparinas e lampiões. Dentro das casas as pipocas rebentando na panela de ferro, asa broas de fubá assadas na hora, o café com leite adoçado com rapadura..... E os outros ícones da saudade? Os floridos cipós de São João e de São Caetano abrilhantando os muros e cercas de arame e de bambus? E as frutas dos quintais? As mangas, ameixas, laranjas, melancias, bananas, mamões, limas, mexericas, marmelos, cajus, jabuticabas, abacates, abacaxis, uvas, pitangas...; e nas roças das imediações do arraial oferecendo as gabirobas, bacoparis, araçás, cocos e coquinhos, olhos de mosquito, muricis, bostas de cachorro, pequis, goiabas, articuns e articunzinhos, cagaiteiras, gravatás, ananás... Além do quintal imenso cercado nas laterais e nos fundos por valos recheiados de matos, vinham as roças e pastos e capoeiras que sumiam nos horizontes – um festival de sombras e cintilações em forma de relvas, aguadas e o arvoredo escrevendo os belos nomes de brauna, murici, jatobá, folha-miuda, aroeira, pombeiro, açoita-cavalo, ipê, amburana, goiabeira, assapeixe, cedro, sucupira, vinhático, bilosca, pequi, araticum, coqueiro, carvalho, bambu, cascudo, jacarandá, etc e tal, como se diz.... Até o medo que sentíamos naquele tempo era diferente do de hoje: as assombrações dos lugares fechados e escuros, as figuras hediondas e mitológicas da mula-sem-cabeça, a figura bizarra do saci-pererê, o pássaro chamado Acauã rogando pragas na tristeza dos telhados noturnos, ah tantas lendas e casos.... Mas tudo isso agora é pagina virada. Não se teme mais aqueles seres notívagos do outro mundo. Mas a quantidade e o tamanho do medo humano aumentou, redobrou em nosso tempo. Hoje pouca gente tem coragem de andar pelas da cidade nas horas mortas da noite, Medo de novas assombrações? Não. Medo de assaltantes, usuários de drogas, malfeitores em geral. Os jornais de hoje em dia, asa revistas e os canais de televisão estão aí, diariamente, contando os casos escabrosos do dia-a-dia nos lugares de nosso temível tempo.