quarta-feira, março 24, 2010

MINHA CIDADE LÊ

Indagado se há ou não uma pré-condição existencial para o escritor realizar ou não uma obra literária de boa qualidade, William Faulkner foi incisivo: “sim, que tenha vivido uma infância bem infeliz”. Quis assim dizer que a dor age como um motor produtivo de uma veracidade identificadora da validez literária? A beleza sob o ponto de vista humano é essencialmente triste? Creio que deva se, pelo menos, essencialmente veraz. Ou seja, uma obra literária despida de sangue e de alma não atinge o ímpeto nem o âmago da existência humana feita e refeita de inquietações diversificadas. Um incêndio de rosas - como diria o poeta Péricles Eugênio da Silva Ramos sobre os caminhos da beleza que as trevas confundem. A infância é uma fase humana de face tenra, um tempo que simultaneamente passa e para a fica – e o ponto da passagem é o que abre as portas e janelas de uma intimidade pessoal para uma área mais ampla da exterioridade coletiva. A criança sobrevive no adulto, associando os liames e laços de seda e ternura, amaciando os dias e as noites intempestivamente espinhosos. Intervalo boreal da humanidade – e toda pessoa de boa vontade deste mundo material e espiritual preza o lado amável e ameno da infância. E agora mesmo estamos presenciando a repercussão dolorosa do sacrifício da encantadora menina chamada Isabella Nardoni, apaixonando toda a população brasileira. O encanto que se quebra de forma abrupta e cruel pode causar terremotos, erupções vulcânicas, tremendas tempestades. É a história infantil que tem um fim ao começar, uma lamentação floral inconsolável. Lembro-me dos ditosos tempos de uma buliçosa transparência em nossa casa quando, juntamente com a esposa, desfrutava da doce quadra infantil dos filhos Ana Paula e Paulo Henrique – a aurora de toda vida que os anos trazem, repetidamente, em todos os lares do mundo, nas indeléveis recordações salutares e coloridas. Eu adoravas ninar o sono noturno de ambos, contando estórias e mais estórias todas as santas noites daquele tempo. Sabia de muitas e muitas estórias, pois também tinha sido assim mimado na infância da eterna marilândia dos luares, estrelas e vagalumes das noites de um céu sempre aberto. Os dois, nas respectivas camas infantis atenciosamente ouvindo os contos e casos folclóricos e inventados. Contava um, dois, três, até que ambos, embevecidos, dormiam com os anjos de um céu terra-a-terra ao nível da fantástica realidade. Meu repertório era extenso e flexível – valia-me da memória social da pequena localidade e da capacidade inventiva que, bem ou mal, nunca me faltou ao longo da vida. Não era difícil nem trabalhoso, ao contrário: ia desfolhando a memória nas mil e uma noites dos enredos e personagens dos alibabás, das gatas borralheiras, dos capiaus da roça, dos sabichões da cidade. Um repertório infindável: a estória do Rei Midas que, depois de muito insistir, conseguiu com seu deus o dom de transformar em ouro tudo em que punha a mão. Ficou podre de rico, mas chegou num ponto que não conseguia nem comer, pois o próprio alimento se cristalizava antes de ser levado à boca. Pedindo pelo amor de outro deus que o livrasse daquele dom, ele conseguiu, mas a contragosto sentiu que suas orelhas cresceram e ficaram iguais às de um burro. Para esconder dos súditos deixou a cabeleira crescer – e só o barbeiro ficou a par do segredo. Um dia, não agüentando mais carregar o peso do segredo, furou um buraco no chão dentro do qual plantou as palavras em alto e bom som O REI MIDAS TEM ORELHAS DE BURRO. Ah, no local nasceu uma moita de cana que brandia ao vento em alto e bom som as palavras O REI MIDAS TEM ORELHAS DE BURRO!.... Dizem que foi aí que surgiu a fama da incontinência do viciado na cachaça feita de cana: nenhum tonto sabe guardar segredos. Sei que estórias assim que cativam a atenção infantil jorram nos livros e nas lembranças das pessoas mais idosas, acostumadas ao belo e bom hábito da leitura inveterada. Estão aí, sempre disponíveis, os livros de Monteiro Lobato, o teatro de Maria Clara Machado e de Osvaldo André de Mello, as estórias de Terezinha fonseca, de Lya Luft, de Ruth Rocha, dos Irmãos Grimm, de Hans Cristian Anderson, de Lewis Carrol, de Jílio Verne, de Maurício de Souza, de Esopo, de Walt Disney, de La Fontaine, além da prodigiosa saga roceira das antigas noites enluaradas do tempo que mesmo as aglomerações urbanas timbravam pelos ares e presságios rurais. Quem já se esqueceu do tempo em que os animais falavam, que a população terrestre freqüentava as belas e arretadas festas do céu? E a motivação racional de tanta sabedoria popular? Quem não sabe o porquê das arengas entre o cão, o gato e o rato? Ah, conta-se que o cão vendeu uma casa e pediu ao gato para esconder o dinheiro. O gato, cuidadosamente escondeu-o na cumeeira de sua própria casa – mas o rato foi lá o papou o rol de cédulas. A partir daí começou a arenga secular: o cão pensa que o gato ludibriou e o gato tem certeza que o autor do roubo foi o rato... E assim a estória entrava na perna de um pinto e saia na do pato – e quem quisesse mais estórias, que contasse mais quatro.... Mando aqui o singelo louvor ao Projeto de Leitura organizado na Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal pelos estudiosos Cláudio Guadalupe, Gisele Cristina e Helen Rodrigues, que sabem que a literatura é uma luz que não se apaga. Se isso acontecer, a treva devora a vida e o mundo. Vale lembrar o que George Johnson escreveu sobre a importância do amor à cultura em geral e do apego ao livro como a um instrumento alimentício da vida, citando Einstein: “Somos como uma criancinha que entra em uma biblioteca enorme. As paredes são cobertas até o teto com livros em muitas línguas diferentes. A Criança sabe que eles devem ter sido escritos por alguém. Não sabem quem nem como.ela não entende os idiomas nos quais estão escritos. Mas percebe um plano definido em sua organização – uma ordem misteriosa que ela não entende mas da qual vagamente desconfia. A coisa mais incompreensível sobre o universo é que ele é compreensível”. Além de ser belo, bom e nosso. É um livro, o livro dos livros.

terça-feira, março 16, 2010

AFINIDADES ELETIVAS

Tivemos (eu e a esposa Inês) o prazer de comparecer ao lançamento do livro ALGUNS BARRETOS DE BARRA LONGA, de autoria de José Alberto Barreto, em Belo Horizonte. Uma festa supimpa, malgrado o tempo chuvoso que impediu-nos de aproveitá-la melhormente. Mas conseguimos o livro com o autógrafo e a dedicatória, na qual ele deixa o abraço cordial do “quase primo” Quase? Isso mesmo. Na época (novembro de 2002) eu pesquisava a genealogia da Família Oliveira Barreto e alimentava a esperança de ligar os nossos Barretos de São João Del Rei com os de Barra Longa, região privilegiada dos pioneiros Trindade Barreto (professores, políticos, jornalistas, historiadores), que deram vida saudável à mitológica região do berço de toda a mineiridade. O livro de 175 páginas, fartamente ilustrado, reforçou minha inspiração do trabalho que na época ocupava todo o meu esforço – o levantamento genealógico da Família Oliveira Barreto, que deve interligar-se, historicamente, com o “quase primo”, nas origens portuguesas. Interessante o que ele afirma de “quase primo”, uma vez que somos, também (e só agora descobrimos), quase contemporâneos e quase vizinhos na adolescência. Nasci em 1934 e ele em 1936. Ele mudou-se para Belo Horizonte em 1943 e eu em 1947. Eu trabalhava na esquina da Paraná com Amazonas e estudava na Carijós – e ele estudava num colégio da esquina da Olegário Maciel com Tamoios. Ele morava na Rua Itapecerica (nome da sede municipal de minha terra natal), a mesma em que passava na ida e volta no bonde para o bairro Lagoinha, onde vivi nos primeiros tempos de minha longa estadia na capital mineira. Mas uma diferença logo se levanta e eu a enfatizo: os livros publicados (cinco, que estão bem aqui ao meu lado) são mais bonitos e bem mais legíveis do que os meus. Famílias de fichas limpas? Leio na página 146: “Nos Catálogos da Justiça Eclesiástica, onde são nomeadas as pessoas envolvidas em processos, nenhum membro da família dos Barretos”. Idêntica constatação fiz, ao longo da pesquisa de 284 páginas, cobrindo o período de 1767 a 2005). Um caso de prisão foi logo elucidado: um irmão de meu bisavô esteve preso, mas foi logo liberado ao descobrir e provar que o verdadeiro réu era o acusador dele. Os outros livros dele são: 1) ABC de BH- pitoresco, poético, genealógico, versátil. Cita duas divinopolitanas notórias: Adélia Prado uma das melhores poetas brasileiras, e Luzia Ferreira, Presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte. 2) IBYTIRA, que afetuosamente dedica à Miriam: “a menina bonita que conheci em Ibytira em 1961 e cujo caminho, a partir daí, passou a ser o meu também”. Lugarejo aprazível, idílico, marcado pelo esplendor e a agonia do sistema ferroviário brasileiro. Destinada a ser uma cidade progressista e atraente, “parou” no tempo e perdeu até mesmo seu belo visual da bucólica estaçãozinha. 3) ACALANTOS E GENEALOGIA. Fotos e textos sintéticos de muito bom gosto, de refinada opção do autor. Um caprichoso álbum de Natal, que ele oferece à “Miriam, sempre de mãos dadas comigo, tornando-nos elos da grande corrente que liga nossos e avós a nossos filhos e netos; aos filhos Patrícia, Letícia, Antônio Júlio, José Alberto e Cecília; aos sobrinhos (dezenas deles); e especialmente para os filhos de meus filhos, João Pedro, Clara, Ana Paula e Cecília”. 4) MINICONTOS. São 34, todos bons, enfáticos, sugestivos, expressivos. Por falta de espaço, transcreverei apenas dois, o primeiro chama-se PROFESSORA: “Maria Gertrudes, oito anos, entrega a prova e diz: - Mércia está passando cola pra Juvita. - Ah, é? Vá ficar de pé, de costas. Mércia ao lado dela, Juvita também. A régua era uma arma. Foi usada três vezes. - Faça a prova sozinha. - Não passe cola. - Nunca acuse uma colega. O segundo “No Hospital”: “Sentiu dor, suave embora. Procurou médico. Exames feitos, sentado em uma cadeira, ouviu: - Tudo bem com o senhor. - Graças a Deus, doutor. Obrigado. A cabeça pendeu para um dos ombros. Estava morto.

sábado, março 13, 2010

SÃO JOÃO DE DEUS

Filho de gente humilde e honrada, conheceu os espinhos nos pés e na cabeça. E mesmo assim afetuoso, condoído, pertinaz, viajou dentro de si e dos lugares, conhecendo e experimentando a dor da fome. Pastoreou o gado na paz, vestiu farda na guerra, sofreu o sobressalto do amor de Deus. Mendigou nas ruas em benefício dos famintos; roubou o pão que sobrava para suprir onde faltava. Enlouquecido de tanta fé, foi condenado e salvado da forca, amarrado e açoitado, repetidamente. E assim, enlouquecido de tanta fé no Bem contra o Mal, ele contraiu o gosto de ler, ler e ler (e hoje é padroeiro dos livreiros e tipógrafos). Engrandecido na virtude do amor, fundou um hospital para tratar dos doentes desvalidos, acometidos de doenças incuráveis e contagiosas (e hoje é o padroeiro dos hospitais e dos enfermeiros). Fortalecido no arroubo da íngreme peleja, ele apagou o incêndio de uma parte do hospital (e hoje é padroeiro dos bombeiros). Beatificado em 1630. Canonizado em 1680. Inspira eternamente as pessoas afetuosas, condoídas e piedosas, que fazem da Medicina o portal do Amor, da Piedade, da Saúde do corpo e da alma. 

TRISTEZA SOCIAL

É triste e pesaroso ver ao longe (nas demoradas noites íngremes) as luzes impotentes e inúteis da posteação elétrica ao longo dos ruados periféricos, povoados pelos desfavorecidos da sorte, (pessoas de sonhos escassos e copiosas realidades). Se é difícil de longe, imagine quem vive dentro da corriola, onde os pontos de luz são de trevas de uma mesma e única noite interminável...

ESPELHO DEFORMISTA

Amargura de feições envelhecidas ferem o olhar de quem se vê sob os apupos de si mesmo. É assim que logo advém a necessidade de encontrar em si mesmo o esconderijo contra o próprio desamor, mergulhado no poço de águas sujas dos revezes.

quinta-feira, março 11, 2010

VIDA

O sofrimento não mata ninguém. Sei de mim que vivi contra a minha vontade durante muito tempo na juventude. Depois, muito depois de ver a vó por uma greta, repus os nervos nos devidos lugares do corpo, esfriei a cabeça, refiz os termos da dialética comezinha, que me espezinhava, condenando-me às imerecidas penas violentas. Depois fiz em nome do pai, da mãe e das irmãs o voto de tolerância, que há de prevalecer para o resto de minha vida tão magrela.

quarta-feira, março 10, 2010

LA SECA (*)

Fragmento

El sol desleal, sin la mínima mariposa. El leñador te dá les lleves del bosque y massacras três millones de doncelas. Ningún arbusto me acompañará camino afuera, rumbo a las nascientes, ninguna vaca tendrá sosiego em la hacienda y sin cantos de invierno, inmóvel em la sensacion aquende de la saciedad, los precoces espejos de la fiera muerte, cintilan em el desierto del viejo cielo. 

(*)Traduzido pelo poeta uruguaio Romeu Fontes Lemes – e publicado em Montevidéu em 1968.

TRANSPONDO O INTERIOR

À Pintora Maria Helena Medeiros Oliveira. 

A arte visual de Maria Helena tenta captar o momento e o lugar para fixá-lo (perpetuá-lo) na realidade consciente com o mesmo brilho das superfícies e relevos dos lugares em determinados momentos. É um colorido buliçoso, o realismo da alegria. As cores são as coisas, não apenas nas superfícies. Uma apologia da chamada vida cor de rosa? Maria Helena é assim: clara e evidente na criatividade, transpondo o interior para o exterior e vice-versa, sem arranhar os mistérios, sem perseguir os subterfúgios. Um parto sem dor de criaturas felizes? Assim é o jogo das cores da realidade: uma fantasia para sempre imprecisa na dualidade: metade sonho, metade realidade.

MEU BEM CHEGA HOJE (*)

As palavras interrompem meus passos na caminhada longitudinal da manhã, ao sentir a imperiosa necessidade de abrir um poema no coração e na mente, para dizer que você (e mais ninguém) dispensa o próprio corpo para ser o que é; dispensa a própria alma, para ser o meu amor. Sim e sim, você é uma paisagem com você dentro, na qual posso debruçar-me para conhecer os rios e as montanhas célebres, que me chamam, que me chamam para ocupar o lugar do meu destino (que falta me faz!). 

(*) Versão do poema de 1966.

A CAPOEIRA DA FONTINHA (*)

Várias pilhas de lenha verde são a colheita roubada dos órfãos de meu pai, um santo homem. A mata estocava os produtos do Gênesis, ainda frescos das mãos divinas. Não vejo a infância nem a juventude nas entranhas do massacre. Ninguém para colher os doces e perfumes das folhas e flores que se finam nas fraturas da madeira branca. São grinaldas do amor que vai morrer dentro de três dias solares, malgrado o choro de rimas contrafeitas de um verão cavado na primavera. 

(*) Dos poemas de 1966.

AS MÃOS DO LENHADOR (*)

São sem poros, grosseiras, abusadas. São pedras atiradas contra os nomes diáfanos de éclogas, de epifanias, contra os tetos de um céu incolor e abaixado, mesmo ali nos sobejos da floresta. Contra os pontos de vista e de apoio da poesia original. Não são cordiais. São duronas, temidas pela fauna que perde o espaço, pela flora ferida na casca e no cerne. Estão impregnadas de fatalidade e vilania. 

(*) Dos poemas de 1966.

PROFISSÃO DE FÉ II

Fiquei sabendo que contra a minha pessoa foi levantada a acusação de que só exercito o labor literário para lubrificar minha vaidade. Se tal injúria fosse verdadeira, eu não teria recusado, repetidas vezes, a admissão nas Academias de Letras de Belo Horizonte (a Municipalista), a de Minas Gerais, de Itapecerica, de Divinópolis e de outros convites similares. Não teria renunciado ao cargo que exercia como Membro da UniãoBrasileira de Escritores e também da Comissão Mineira de Folclore - e também um estágio no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, a mim oferecido em plena juventude – além de outros cargos e encargos meritórios de níveis municipais. Escrevo desde a infância para tentar defender os valores morais e estéticos fundamentais da sobrevivência de uma humanidade decente, plausível, conivente. Mesmo quando utilizo a primeira pessoa do singular em meus textos, o que estou é tentando afirmar que sou pelo menos uma voz a favor da piedade contra a violência (que parece ser mais influente, socialmente, dentro dos cânones do materialismo histórico). Se meu trabalho é despido de um valor além da minha individualidade – e é isso que meu censurador parece afirmar -, espero que falem em minha defesa os trabalhos que já publiquei e que espero publicar, os quais passaram (e foram aprovados) pelo crivo de renomados críticos e escritores do Brasil e do estrangeiro (Nogueira Moutinho, Pedro Pires Bessa, José Afrânio Moreira Duarte, Laís Corrêa de Araújo, Carlos Drummond de Andrade, Lélia Coelho Frota, Murilo Rubião, Camilo Lara, Oscar D’Ambrósio, Lélia Parreira Duarte, Leila Micols, Joaquim Branco, Osvaldo André de Melo, Adélia Prado, Carlos Augusto Calil, Ana Hatherly (de Portugal), Pavla Lidimilová (da República Tcheca), Terezinka Pereira (dos Estados Unidos), Janina Z. Klave (Polônia), Eduardo Galeano (Argentina), além de merecer um livro contendo uma alentada e criteriosa tese de Mestrado na UFMG,do professor Universitário Maurício José de Faria).. Escrevo, sim, desde a infância, com uma mão no coração e a outra na cabeça, visando defender e propagar os valores da piedade contra a violência – esse renhido jogo de paradoxos que campeia no campo sem fim deste mundo agora tão abalroado por uma natureza, tão violentamente atacada pelos desumanos representantes da anti-poesia, uma estapafúrdia versão de inquisidores de pássaros. Sou a favor de todos e não apenas de mim. Tenho dito.

terça-feira, março 09, 2010

ADENDO A ENTREVISTA SOBRE O PASQUIM

Os novos tempos, maculados por uma corrupção que bate todos os recordes históricos de nosso rico e pobre país, estão merecendo a instauração de um novo PASQUIM, ou seja, de um tablóide de feição similar e que saiba utilizar uma crítica que seja simultaneamente atordoante e estimulante, que possa destruir o imprestável e avivar a luz titubeante dos horizontes circulares. Que saiba purificar a sujeira, atraindo a atenção e a adesão das pessoas não contaminada e defenestrar as infectadas. Sentimos empalidecer a vivacidade de uma moralidade social, alegre e produtiva e sadia, que venha novamente substituir o fedor deste hediondo festival de sujeiras que assola e atola o país. As imagens que mais “ficaram” do PASQUIM: 1 – O riso que faz bem ao corpo e à alma. 2 – A verdade que está acima da autoridade. 3 – Toda censura submetida aos adultos é um crime de lesa humanidade. 4 – A sensualidade é, ao mesmo tempo, apetite e alimentação. 5 – A Beleza é que hospeda a Verdade. 6 – A imprensa mantida pelo poder público não passa de um armazém de secos e molhados. 7 - O elogio e o xingamento prescindem de justificativas. 8 – As pessoas zangadas sofrem do estômago. 9 – Quem leva desaforo para casa multiplica o sofrimento. 10 – Nenhuma mulher merece a truculência de um machão.

ENTREVISTA CONCEDIDA Á TV PITÁGORAS

A minha coleção de (apenas) quinhentos e poucos números do Jornal PASQUIM tem sido motivo de muito interesse dos freqüentadores de meu blog (http://lazarobarreto.blogspot.com) e, agora, para minha surpresa, foi motivo de interesse, também, da TV Pitágoras, na qual tive o prazer de conceder uma entrevista, mostrando meu conjunto das já históricas peças de um jornalismo exemplar no contexto da imprensa brasileira. Portador de um humorismo um tanto e quanto diferente e sério, sabia atrair o leitor, convencendo-o a exorbitar das ilustrações chamativas para reter intimamente o conteúdo e assim participar da parte reflexiva e pensante de uma humanidade consciente de suas propensões e convicções. À guisa de acrescentar alguns pontos do que, ao vivo, será apresentado pela referida TV, alinho abaixo outras informações. LINHA EDITORIAL. Apresentava a sanguinária contenda entre o terrorismo praticado pelas partes rivais do tacão da repressão e dos “atentados” dos militantes da esquerda política. Além disso os textos tratavam de outros aspectos da sociedade, primavam pela rigidez formal e conteudística, enfatizando a verdade e a beleza da vida , depreciando o engodo e a feiúra dos seres humanos no mundo contemporâneo, em termos de individualidade e de sociabilidade. A PATOTA DO PASQUIM. - Millôr Fernandes – o mentor e organizador polivalente, líder moral e intelectual. - Jaguar e Ziraldo: cartunistas do choque visual, inventivos e destemidos. - Henril – cartunista refinado, de traço hábil, ideologicamente persuasivo. - Maciel – autor de textos de tendência zen e hypies, muito em moda nos chamados “anos de chumbo”. - Paulo Francis – dono de um ego titânico e assumido, raciocinava em blocos, ao que parece. - Ivan Lessa: tremendo gozador, de palavra ágil e abrangente. - Sérgio Cabral (o pai): perito e sagaz na apreciação da musica popular. - Flávio Rangel – especialista em teatro. - Fausto Wolff – uma espécie de paulo francis amaneirado. - Newton Carlos – crítico objetivo da política internacional. - Sérgio Augusto – especialista em crítica de filmes. - Armindo Blanco – a sabedoria em pessoa. - Olga Savary (esposa do Jaguar) criadora das Dicas do Pasquim. AS ‘VÍTIMAS’ MAIS CONTUMAZES. - A ditadura militar como um todo. - A nudez feminina (colírio para os olhos?). - Flávio Cavalcanti, a grosso modo. - Sílvio Santos, idem idem. - Pelé, a desmistificação. - Simonal, a suspeita de delação. - Os machões chovinistas – a fajuta masculinidade. - O jornalismo governista da Globo. - O abominável esquadrão da morte. - O sempre asqueroso Paulo Maluf. - Os Atos Institucionais do Regime Militar. - Os despudorados “depufedes” da época. - O festival de besteira que assolava o país. - etc, etc, etc.... OS ÍCONES CONTUMAZES. - A Patota do Pasquim. - A editora do Pasquim CODECRI (“Comitê de Defesa do Crioléu”). - As Certinhas do Lalau. - As estrelas do cinema.do teatro e da música. - Carlos Drummond de Andrade. - Dorival Caymi. - Oscar Niemayer e Lucio Costa. - Tancredo Neves. - Ulisses Guimarães e Miguel Arraes. - As Diretas Já! - A Bossa Nova e Seus Ícones. - A redemocratização. - Nelma Quadros, a secretária administrativa da Redação. Uma figura saudável e respeitável. Agendava as famosas ENTREVISTAS, nas quais toda a Patota participava, com as perguntas, ilações, gozações. eraa mais ou menos assim que a Patota agia nas entrevistas: sempre cotucando, insinuando, desafiando, convivendo em efusões e atritos com as figuras proeminentes da política, do futebol, da literatura e das artes em geral – principalmente ao redor das mulheres, ah as mulheres! Elas ilustram as melhores páginas de todos os números – as estrelas do céu e da terra? Temos a observar, finalmente, que o Brasil de hoje está necessitando, e muito!, de um jornalismo assim ao mesmo tempo instrutivo e cativante, para ridicularizar, no mínimo, o festival de roubalheiras que assola o país.

segunda-feira, março 01, 2010

INFERÊNCIAS

TEATRALIDADE: “TOC-TOC” –comédia francesa de LAUREN BAFIIE, representada em São Paulo na direção de Alexandre Reineck, com Flávia Garrafa, Sérgio Guizé, Sandra Pêra, Marat Descartes,Andréia Mattar, Riba Carlovich e Caro Parra. TOC – Transtorno- Obscessivo-Compulsivo. Espetáculo hilariante, diante do qual o público começa a rir (e gargalhar) no primeiro minuto e não pára no decorrer dos outros noventa. O primeiro ator que entra em cena, um altão careca, manda um palavrão cabeludo ao outro ator que entra em seguida ( este obcecado pelo cálculo matemático). O público espantado, já ia renegar a chulice, quando a expressão fisionômica do altão mostra logo que é portador do tal de toc-toc (não confundir com o obsceno gesto do”ministro”). Na seqüência vão entrando os outros quatro personagens, todos portadores do tal transtorno. E aí a hilariedade contamina toda a platéia que lota o teatro. Ninguém (nem as pessoas do sexo feminino nem os idosos) estranha mais a linguagem, livre, espontânea, desabusada. Ao contrário – aceita-a com incessantes e copiosos aplausos. 

SENSUALIDADE: Acredito, superficialmente pensando, que o potencial sexual feminino é bem maior do que o masculino. Isso porque de um modo geral nas relações entre os dois, a mulher nem sempre precisa “agir” mas apenas “aceitar” o andamento do ato. No que toca à “oferta”, ela pontifica mais com seus dons e prendas, e ele “procura” mais, julgando-se elemento decisivo do ato, quando não passa de um coadjuvante que tem de agir e não apenas de aceitar. É por isso que ela consegue repetir o ato com muitos parceiros na mesma noite, proeza que ele normalmente não consegue. O que propicia a inferência que toda mulher tem em si mesma uma propensão para a libertinagem (se o lado psicológico quiser)? 

AVATAR: Na fila dos ingressos para ver o filme AVATAR (segundo o Aurélio a palavra quer dizer cada uma das encarnações de Deus; transfiguração; metamorfose), uma mocinha verbalmente articulada estava a dizer que ia ver a fita pela terceira vez. Exagero? Talvez. Vi e gostei, entendendo-a como uma metáfora sobre a transformação (destruição) da natureza pelo ser humano. De certa forma evoca, assustadoramente, o desmatamento da Amazônia. Um filme de efeitos gráficos espetaculares, mostrando um mundo diferente de uma forma igualmente diferente. 

LITERATURA. O crítico literário Wilson Martins, autor de “História da Inteligência Brasileira”, falecido recentemente, abre um imenso vazio na cultura do país, tão destratado neste aspecto, ultimamente. Dele o professor Alcir Pécora diz no caderno “mais!” da folha de SP que “num ambiente em que o jornalismo literário e de erudição já perdeu há muito tempo o prestigio diante da especialização universitária, compreende-se que Martins soe antiquado. (...) Quer dizer, quando a própria literatura sai de cena, o nome de Martins é só mais um que sai junto com ela”. 

IDÉIAS SOLTAS: - O amor não tripudia, não arenga, não ofende. Ao contrário, ele aplaude, estimula, felicita. Está perto do ódio, mas é o seu contrário. É a luz e a força da vida, enquanto que o ódio é o empurrão, o precipício da morte. - Adilson Roberto Gonçalves, de Lorena, SP, escreve em cartas do “Leitor” da VEJA de 17/02/10, sobre as chuvas em São Paulo: “A população ocupa áreas de várzea acreditando que a tecnologia é competente para drenar o local de forma permanente. Os aproveitadores apóiam essa versão porque dá votos. As águas saber ocupar seu lugar, coisa que nós não aprendemos ainda”. - Na mesma edição da revista, Sérgio Emiliano, de Piauí, informa que lá “os urubus voam apenas com uma das asas (com a outra eles abanam). São 40 graus eternos. Enquanto isso os políticos vão tirando proveito eleitoral da tragédia: são os famigerados carros-pipas, cestas básicas e poços tubulares em fazendas de amigos do governo”, etc. - Se a política virou corrupção é porque já estamos ns páginas do apocalipse. - O extraterrestre em AVATAR, o vampiro em CREPÚSCULO, o monstro em LOBISOMEM: três sucessos de bilheteria em todo o mundo. A humanidade está optando pela anormalidade? O ser humano está corrompido ou a realidade cotidiana está insuportavelmente enfadonha? 

CAINDO AOS PEDAÇOS. Estarrecidos, boquiabertos e impotentes, testemunhamos, lamentamos e sofremos, neste nosso tempo tão agressivo, a humanidade como que caindo aos pedaços em todas as partes do mundo. Terremotos, ciclones, enchentes, crise econômica, corrupção desmedida, violência social institucionalizada, mortos e mais mortes numa guerra diária não declarada entre os seres humanos e uma natureza ofendida e revoltada. Urge uma tomada de consciência para debelar pelo menos a parte que toca de responsabilidade do ser humano? Urge, sim. Urge!