sexta-feira, novembro 12, 2010

A LITERATURA NO INTERIOR DE MINAS

Desde a concreta implantação do Modernismo Literário no Brasil, na década de 20 do século 20, que o exercício efetivos dos portadores de vocações literárias ramificaram da Capital para o interior do Estado de Minas, pontificando principalmente em reconhecidos pólos como Cataguazes, Uberaba, Guaxupé, Divinópolis, Juiz de Fora e, mais recentemente, em Mariana, onde brilha e extrapola a específica movimentação chamada ALDRAVA através da periódica e continuada publicação de Jornais e Livros específicos de inequívoco valor intrínseco, além da importância da divulgação de textos de novos autores , também, de muitas outras localidades brasileiras. É com prazer que transcrevo aqui em meu blog (http://lazarobarreto.blogspot.com) o belo e expressivo texto de Andréia Donadon Leal – pessoa de muita influência no Movimento. 

 FLORA IX (*)

Flora tem sobrevivido às notícias ruins, às avarezas, às perseguições e às incertezas. Tem suportado a primeira, a segunda, a terceira, as inúmeras pedras; as maledicências, as ironias ácidas, aos olhares tortos e pecaminosos. Coitada de Flora: sobreviver à flacidez inexorável da pele, à morte diária dos neurônios cerebrais, à perda do paladar, às tremedeiras pela manhã, aos pigarros e regurgitações à noite, oriundos de uma esofagite; à candidíase, às erupções cutâneas, às zigueziras, às dores de barriga e do corpo, às cólicas menstruais, às dores nas pernas, a exames sanguíneos, ginecológicos e endoscópicos. Flora tem suportado o frio severo, os calores sufocantes, as mudanças bruscas de temperatura do tempo e da idade; a virada dos anos, as noites solitárias de lua, os dias vazios de azul; os amores não correspondidos, os desejos reprimidos. Flora não se desmanchou no tempo, não se desintegrou de estar só; não morreu prematuramente, mas sobreviveu com o êxtase luminoso de ter envelhecido. 

(*) Transcrito da página 33 do livro FLORA: Amor e Demência e Outros Contos (Edições Aldrava Letras e Artes, Mariana, MG, 2010).

IMPASSES E ALTERNATIVAS

1 - Podia Ser Melhor. O filme OLGA. O diretor Monjardim calcou demais a mão sobre a dramaticidade do enredo, descuidando-se dos outros arranjos fílmicos que normalmente dão consistência e credibilidade ao andamento descritivo-narrativo, fatores que nas boas fitas resultam na unidade e no ritmo condignos, e que são ingredientes imprescindíveis em qualquer obra de arte. A todo momento, no entanto, ele se dispersa em atravessamentos, esgalhando a atenção do espectador e fragilizando a força de expressão da tessitura. A mão forte num ponto e o pulso fraco no outro redundam em disparates e carências no conjunto, de tal maneira redundante que a imagem do propalado Cavaleiro da Esperança revela-se num líder incompetente nas ações, limitado nos objetivos e muito mal informado das circunstâncias. Fico pensando: como uma pessoa assim desqualificada pôde merecer atenção e preocupação do governo ditatorial do Getúlio e do próprio diretor do filme.... Sua imagem está muito rabiscada na História, para merecer redundantes engodos. 

 2 - Depois do Outono vem o Inverno. O inveterado leitor de livros ao longo dos anos sente que não pode limitar-se às grandes e belas obras do ensaio, da poesia e da ficção. É necessário contemporizar os sobressaltos emocionais e intelectuais, dosando-os de vez em quando, não com as obras da água rala dos propalados “mais vendidos da tristonha auto-ajuda” e dos lançamentos encalhados, mas com as obras que, mesmo sendo de um tom menor são, mesmo assim tocantes emocionalmente, instrutivas intelectualmente, sem os sobressaltos da grandiloqüência e do engodo. Fica no meu tempo um espaço para as obras menores dos bons, modestos e honestos autores. Foi assim que cheguei ao livro QUARTETO DE OUTONO, de Bárbara Pym, onde se fala de quatro pessoas tristemente debruçadas nas inconsoláveis janelas que dividem a meia-idade da senilidade. Nada de espantoso acontece na rotina delas, apenas a sucessão dos dias fastigiosos. O pior ao chegar neste ponto é ter de engolir diariamente a convicção de que é impossível livrar-se dos intermináveis aborrecimentos assumidos no começo e agora definitivamente inarredáveis. Resta o consolo da lembrança da autora, já no final da melancolia: “um bosque na primavera pode ensinar mais sobre a humanidade do que todos os sábios do mundo”. 2 – Universo Online. A vida sobre a terra e o universo online do computador têm em comum o espaço virgem das procriações. Por assim dizer, a vida é a eternidade, não tem começo nem fim, nascimento nem morte, mas apenas a transformação em três estágios: o antes, o durante e o depois, interligados na eternidade. O universo online do computador também é uma folha branca que atravessa as cúbicas dimensões do espaço, sem começo nem fim: uma folha branca recebendo as inserções, arquivando-as, expedindo-as, mas seguindo adiante na mesma infinita brancura universal. 3 – A Dança Louca. Hoje as pessoas entram no futuro antes dele chegar nelas e se rejubilam ou se atrapalham? Slavoj Zizek menciona o chamado “choque do futuro”, ou seja: como hoje as pessoas não são mais psicologicamente capazes de encarar o ritmo alucinante do desenvolvimento tecnológico e das mudanças sociais que o acompanham. “O recurso ao taoísmo ou budismo”, ele diz, “é o que melhormente pode nos preparar para enfrentar a parafernália tecnológica, distanciando-nos da louca dança desse progresso, e só assim podemos acreditar que toda essa comoção social é, em última instância, apenas uma proliferação insubstancial de aparências que realmente não envolvem o núcleo mais íntimo de nosso ser”. Fico na dúvida e de dedos cruzados, diante desse instável capitalismo virtual de hoje. Penso que para enfrentar a tentação de embarcar numa canoa furada, é que devemos procurar caminhos menos trepidantes, mais simples e saudáveis. Ou seja: menor produção de quinquilharias destinadas aos abismos de lixeiras que, industrializadas, furtam, esmagam e soterram os bens do reino da natureza (as mais vitais e sadias heranças da humanidade): os minerais, os vegetais, os animais.

TECNOLOGIA DE PONTA NO SÉCULO 20

Compilação de Lázaro Barreto. 

- Em 1925 a Philips é pioneira em experiências de gravação, transmissão e reprodução de imagens televisivas – e a gravação passa a substituir a gravação mecânica. Em 1927 Thomas Edson desenvolve um disco com sulcos finos capaz de reproduzir mais de 22 minutos contínuos de música de cada lado. - Em 1931 são feitas as primeiras gravações em estéreo – e surge em Chicago o liquidificador portátil. Em 1935 os alemães acompanham a primeira transmissão televisiva da história – e E. H. Armstrong, professor da Universidade de Colúmbia, desenvolve o rádio FM. - Em 1939 a Philips produz o primeiro barbeador elétrico. E enquanto nos Estados Unidos começam as transmissões de televisão comercial, no Brasil acontece a primeira em circuito fechado. - Em 1941 o alemão Konrad Zuse inventa o computador digital binário, que foi desprezado pelo Terceiro Reich nazista. Em 1946 os pesquisadores da Universidade da Pensilvânia colocam em operação o primeiro computador digital eletrônico da história, utilizando mais de 17.000 válvulas e 500 mil conexões de solda em 180m2 de área construída, com peso de 30 toneladas. - Em 1948 surge o circuito transitorizado, antecessor do circuito integrado, que permitiria a evolução dos computadores. Os discos de vinil mudam de velocidade – e a Colúmbia é pioneira na fabricação dos Long Plays. - Em 1952 surge o primeiro gravador de fita magnética, aperfeiçoando o processo de gravação em disco masterizado. As gravações se tornam possíveis em qualquer lugar, inclusive ao livre, pois as máquinas de fitas são portáteis. - Em 1954 iniciam-se nos EUA as transmissões de televisão em cores. Em 1955 os pesquisadores da área de comunicações desenvolvem o transistor, uma peça minúscula, com um cristal de germâmio em seu interior, capaz de captar e amplificar as ondas hertzianas. - Em 1958 o físico Willy Higinbothan desenvolve o primeiro videogame. Em 1960 os pesquisadores desenvolvem o chip. O circuito integrado é um conjunto miniaturizado de componentes eletrônicos, construído sobre uma fina pastilha de silício – o que abre caminho para o desenvolvimento acelerado da indústria eletrônica. - 1962 a agência espacial norte-americana lança o primeiro satélite internacional de comunicações, o Telstar I. Em 1964 a fita cassete compacta passa a ser comercializada, permitindo a multiplicação das gravações, ampliando o acesso ao público de um mecanismo até então restrito, logo incorporado ao mercado fonográfico. - Em 1966 o engenheiro Ralph Baer concebe um aparelho que roda jogos eletrônicos na televisão. É o primeiro videogame da história. Em 1967, na África do Sul, o médico Cristian Bernard faz o primeiro transplante de coração, com sucesso. - Em 1970 o sistema telefônico DDD já pode ser executado sem telefonista em ligações internacionais. Em 1971 a Intel lança nos EUA o primeiro microcomputador pessoal, o MCS-4. Em 1972 é lançado nos EUA o primeiro console de videogame da história. No Brasil a Embratel e a TV Difusora, de Porto Alegre, fazem a primeira transmissão em cores da televisão brasileira. - Em 1973 o pesquisador Martin Cooper faz a primeira ligação de um aparelho celular, em forma de tijolo de 860 gramas com autonomia de 20 minutos. Em 1974 a Philips lança o conceito de home vídeo na Europa, ou seja, um aparelho capaz de gravar e reproduzir transmissões de TV, ou seja, o vídeo-cassete. Em 1976 é lançado o Sistema Dolby Stereo: uma faixa óptica de 35 mm que permite a codificação da informação sonora em quatro canais, logo incorporado na trilha sonora dos grandes filmes. Em 1979 a Sony lança o TPS-L2, ou seja, o walkman, reprodutor de fita cassete e de outras mídias. - Em 1980 a Philips desenvolve o primeiro disco óptico para armazenamento de dados, com a capacidade 60 vezes mais que a do disco flexível até então utilizado. Em 1984 a Apple lança a linha Macintosh de computadores pessoais, que surpreende pelo design, facilidade de uso e estilo, com a ferramenta inovadora, o mouse, que agiliza a operação. - Em 1996 os consumidores japoneses já tem acesso ao DVD, mídia que permite ao usuário o controle sobre a reprodução. O sucesso do novo formato se deve a uma incomum associação entre os grandes fabricantes da indústria eletrônica, a Philips e os estúdios cinematográficos. 

Bibliografia: “História Ilustrada da Philips do Brasil – 2004 – São Paulo, SP.

LIBIDO

Força e vontade. Ao mesmo tempo carne e espírito. Luz diáfana e (por assim dizer) concreta. Sonho e realidade e vive-versa. Gosto antecipado de uma saudosa delícia. Varal dos encantos impregnados de bulícios e perfumes. O céu aberto no corpo fechado de imanentes desejos! Imagem e conteúdo do fervor espontâneo. Beatitude profana de inconfessáveis felicidades? Ao mesmo tempo corpo e alma entrelaçados nos ramos floridos do amor? ?!?!.......................................!?!? O mais próximo e arraigado desejo de vida eterna? Quem viveria sem tal apêndice feito de abrangente volúpia? Prazer que se esgueira nos momentos delicados e esplende na continuidade das noites mais íntimas do infinito?

terça-feira, novembro 09, 2010

PILULAS DE VIDA COLHIDAS AO ACASO

O pai de Aécio Neves, Aécio Ferreira da Cunha, casado com Maria Inês, filha de Tancredo Neves, faleceu no dia 3 de outubro, mesmo dia da vitória eleitoral, como senador, do filho. Foi duas vezes deputado estadual e 6 vezes deputado federal. Foi Ministro do Tribunal de Contas (TCU) em 1987 e – único caso no TCU em 119 anos – renunciou à mordomia da aposentadoria vitalícia. Gente fina é outra história. -“As quatro condições elementares da felicidade, segundo Edgar Alan Poe: a vida ao ar livre, o amor de uma mulher, o desprendimento de qualquer ambição e a criação de um Belo novo”. – Charles Baudelaire. - As pessoas de um modo geral não acreditam em Deus. São ateias e à-tôas. Se realmente acreditassem, viveriam segundo suas leis expostas na Bíblia. Como tal obediência parece ser impraticável pelo sentido de confusão e de contradição no próprio espírito delas, é fácil concluir que as pessoas, de um modo geral, estão mentindo para os outros e para si mesmas quando afirmam serem fiéis às leis do dogma divino. Nesse caso os ateus e agnósticos são mais honestos do que os crentes da onipotência divina. - As descrições paisagísticas de Poe são como narrativas novelísticas: revelam uma espécie de pânico geométrico, um azul pardo, um verde amarelo, a árvore pejada de vento, a relva inconsútil das superfícies do mar, da campina e da planície. - Segundo o filósofo Vladimir Safathe, “a polícia brasileira é a que mais mata no mundo – e tortura mais do que na época do regime militar”. Assim ele afirma em artigo sobre o filme Tropa de Elite 2, de José Padilha - Ezra Pound uma vez disse que só em seus tempos de decadência a poesia se separava da música. E é assim que o mundo acaba, não com uma canção mas com um soluço”(Lawrence Ferlinghetti). - A conexão entre a razão e a emoção: na alegria estimula, na tristeza acalma. A vida, da formiga ao elefante, depende das idéias e dos sentimentos, da química biológica, das ramificações impulsivas (de situação e de ação) do cérebro, independentemente do espaço exíguo na formiga e dilatado no elefante. O ser humano seria o mais evoluído de todos os animais? Sei não. Fica eqüidistante da leveza de uma borboleta e do peso de um elefante. As emoções são reações fisiológicas diante das perspectivas momentâneas: fome diante do paladar; raiva diante da vontade de reagir; amor diante da vontade agir; culpa diante da vontade de penitenciar; alegria diante da abertura de um campo de ação; e tristeza diante do confinamento mental. - Diante da pergunta: por que os sábios gregos e romanos nunca mencionaram o espiritismo? Chico Xavier respondeu: eles não seriam médiuns? Deus não escreveu diretamente os dez mandamentos. Usou as mãos de Moisés para psicografar, acrescentou. - Como o romancista Philip Roth fala sobre a atriz Claire Bloom: “Ela nunca se refere ao que não tem, nunca se detém um instante sobre as perdas, infelicidades, desilusões. Teria que ser torturada para se queixar. É a criatura extraordinária mais comum que me foi dado conhecer”. - Jeff Corwin: “Uma espécie se extingue a cada vinte minutos e, em boa parte, nós somos os responsáveis”. - A felicidade do ser humano não parece fazer parte dos planos do Criador – é o que lemos nas entrelinhas dos textos de Freud. - “O ato sexual não deve ser visto como vergonhoso e pecaminoso, mas como algo tão natural quanto outras necessidades do organismo sadio, tais como o apetite e a sede” – Alexandra Mikailona Kollontai (protofeminista russa, em panfleto de 1921). - Richard Dawkins, biólogo evolucionista (o maior propagador da obra de Charles Darwin): “Deus provavelmente não existe. Então pare de se preocupar e aproveite a vida”. - Se pudéssemos nos entender com a mosca, perceberíamos que também ela bóia no ar com esse pathos e sente em si o centro voante deste mundo” – Nietzsche. - Agnóstico, segundo o biólogo Huxley, é alguém que acredita que a questão da existência ou não de um poder superior (Deus) não foi nem nunca será resolvida. - O amor é antes de mais nada um desejo violento do que nos escapa. Ariosto afirma que “como o caçador perseguindo a lebre, por montanhas e vales: desdenha-a ao alcançá-la e só a deseja enquanto a persegue em fuga”. Cícero afirma que o “amor é o desejo de alcançar a amizade de uma pessoa que nos atrai pela beleza”.

DESTERRO, ETERNAMENTE

Pouca gente sabe que o antigo Arraial do Desterro, hoje Distrito de Marilândia, é uma das povoações mais antigas de Minas Gerais. Sua Igreja de Nossa Senhora do Desterro foi construída em 1754 (possuo, arquivadas, cópias da documentação da ereção e da inauguração) pelo fidalgo português Manuel Carvalho da Silva, então egresso da Vila do Sabará, da qual era um dos fundadores no começo do esplendor aurífero das minas gerais. A do Desterro é, pois, hoje em dia, a igreja mais antiga de toda a região Oeste de Minas, que permanece erguida e altaneira (as de Pitangui e de Itapecerica – respectivamente a oitava e a nona das Villas criadas na antiga Capitania de Minas Gerais – foram destruídas pelo passar do tempo). No decorrer dos séculos 18 e 19 a localidade do Desterro desfrutou de períodos de fausto e glória em virtude de suas inúmeras (apesar de não tão fartas) minas de ouro nas áreas adjacentes de Bom Sucesso, Cachoeirinha, Córrego do Ouro e Lavrinha. Dava-se ao luxo, pela necessidade, de abrigar e manter um Batalhão da Guarda Nacional, lotado pelo contingente de mais de 100 praças com toda a hierarquia militar, do soldado raso ao Comandante, ocupado anos a fio, por um meu trisavô paterno Bernardo José de Oliveira Barreto, que chegou a chefiar a Corporação na famosa e fatídica Revolução de 1842, desbaratada pelo exército chefiado pelo Duque de Caxias, em Santa Luzia. O Arraial abrigava, na época, cerca de dez tabernas (pensões) – e mesmo filiada à Vila de São Bento do Tamanduá (hoje Itapecerica) administrava , como distrito da vila, uma área territorial enorme, que abrangia parte da Mata do Barreto (hoje Carmo da Mata), Bocaina, Buriti, Aquiles Lobo, São Sebastião do Curral, Partidário, Serra Negra, Beirigos, Berredo, Sabarazinho, Bom Sucesso, Pary e Gonçalves Ferreira. Sem dúvida que Marilândia é um ponto geográfico importante, favorável ao desenvolvimento populacional e econômico e imponente sob o ponto de vista panorâmico e ecológico: entre dois rios (o Boa Vista e o Itapecerica) inesgotáveis apesar do desmatamento siderúrgico, que se emendam antes de chegarem em Divinópolis. A localidade fica, também, eqüidistante de duas vias de transportes e de passageiros: a rodovia federal e estrada de ferro da antiga rede mineira de viação. É assim que o lugar está sempre aprazível. As ruas limpas e asfaltadas e arborizadas, uma beleza acolhedora e desfrutável. Não sei por que ainda não se emancipou politicamente. Merece, ah, se merece! Fica a pouco mais de 20 quilômetros das cidades de Divinópolis, Itapecerica, Carmo da Mata e Cláudio. Lembro-me que quando mantive uma amistosa e literária correspondência com Carlos Drummond de Andrade, por mais de 20 anos, alguns amigos pilheriavam: por que será que ele dá tanta atenção a um simples marilandense? Eu mesmo não entendia, mas tempos depois podia responder aos amigos que eu não era o único marilandense a relacionar-se com o Poeta. Também um primo de meu pai, Jacy Navarro Barreto, teve um relacionamento amistoso com ele. Era casado com Maria de Lourdes Drummond, prima dele e, também o famoso intelectual e político Gabriel de Rezende Passos, era seu amigo e colega de tertúlia na mocidade dos anos 20 do século 20: conviviam na afluência mineira do chamado Modernismo Literário de 22, despontado em São Paulo e crescido em Minas pelo talento e a criatividade dos jovens que se tornaram ícones da literatura brasileira (além do Drummond pontificavam o Emilio Moura, o Pedro Nava, O Cyro dos Anjos, o Aníbal Machado - e na política Gabriel Passos, Milton Campos. Gustavo Capanema, Rodrigo Melo Franco de Andrade). Gabriel é, pois, mais um marilandense amigo do nosso Drummond. Tenho em mãos cópia de um documento do Arquivo Público do Fórum de Itapecerica que diz o seguinte: “Lote 30060 – 1933. Justificação de Nome: Dr. Gabriel de Rezende Passos - Justificante. Dr. Promotor de Justiça: Justificado. Requerimento ao Juiz de Direito da Comarca de Itapecerica. Gabriel de Rezende Passos, por seu bastante Procurador abaixo assinado, vem expor e requerer a V. Excia. o que se segue: a) que nasceu em 17 (dezessete) de março de mil novecentos e um; b) que é natural deste município, tendo nascido em Gonçalves Ferreira, distrito do Desterro; c) que é filho de Ignácio Ferreira Passos e de D. Maria Emiliana do Carmo e por avós maternos Hipólito Felismino de Rezende e Antônia Rezende; d) que no registro de nascimento, feito nesta cidade (Itapecerica), consta apenas o seu primeiro nome Gabriel. Etc. Etc.”. Como se nota o intelectual modernista transigiu e evoluiu na área política, merecendo exercer importantes cargos nas altas esferas administrativas nos governos estadual e federal, além de cumprir mandatos como deputado federal e depois ser um dos melhores ministros do governo Vargas, responsabilizando-se pela implantação da PETROBRÁS, sendo um de seus fundadores. E foi assim que o renome histórico desse marilandense mereceu a homenagem póstuma do governo paulista que deu seu nome a uma bela e extensa Avenida que corta as áreas nobres e centrais de Moema e do Ibirapuera. Dezenas de quarteirões apinhados de luxuosos edifícios residenciais ostentando seu nome nas placas de todas as esquinas.

terça-feira, novembro 02, 2010

MEMÓRIAS DE UM DESTERRADO

No transcorrer da leitura do romance TEMPO DE MENINO, perguntava-me porque o autor, Sebastião Gontijo, não teria atingido o alto nível da rememoração proustiana, para a qual dispunha dos elementos prospectivos essenciais. Penso que o empecilho derivava do contexto social da época e do local em que viveu, visto e revisto hoje em dia num retângulo de atraso cultural que não poderia propiciar melhores alongamentos e maiores profundidades. Ele poderia, quando muito, inspirar-se no mergulho, na caminhada e no vôo da criatividade, como é também o caso, guardadas as devidas proporções, de romancistas brasileiros do porte de Lima Barreto, Machado de Assis e Graciliano Ramos. Para o nosso conterrâneo Sebastião escasseavam tempo e espaço necessários para empenhos de tal monta. Sua rotina de vida laboriosa acontecia em outras dimensões culturais: era um intelectual de nível escolar superior, empenhado em outras artes e ofícios e não os da vivência preferencialmente literária. O recurso que pleiteou e obteve foi o do labor solitário de um exercício intermediário entre a intuição e a ação, assediado, no entanto, em lugares e momentos desencontrados, quase irreconciliáveis. Assim ocupou seu tempo útil na tentativa da dissecação e da expressão dos dramas conjugais e sociais que escorregam mais para as comédias do que para as tragédias. Os escolhidos acalantos e inevitáveis xingamentos do diapasão caseiro desse amor contraditório, intercaladamente subjetivo e objetivo, - que se apaga e logo volta a se acender, e da convivência entre a velhice e a infância na mesma tessitura dos arroubos e tropelias, no mesmo alvoroço das sonâmbulas elegias – assim como a compensação de cada morro da vida, possuidor concomitante de subida e descida, às vezes muito cansativo, às vezes muito divertido. Na escola o menino (ao mesmo tempo problema e solução na ambientação familiar-social) deixava o lápis cair debaixo da carteira só para olhar, de um ângulo favorecido, as belas coxas da Professora Alice, sentada à mesa bem defronte ao alunado. Uma evidência, sim, do prenúncio da precoce sexualidade humana. Quem freqüentou as aulas da escola primária dos anos 40 do século 20 lembra que a pudicícia feminina era do tipo de um condão sagrado. Interessante notar (no livro e na vida prática) que a manifestação desejosa do menino é quase sempre endereçada ao elemento feminino adulto e não ao da mesma faixa etária. Chega a ser uma predisposição genérica? O menino (Cirilo, personagem central) chega a culpar, desculpando-se, asa belas coxas da professora pelo insucesso de seus exercícios escolares – e a professora atribuía tal deficiência à sua congênita desatenção. O fato é que num só dia ele deixou cair o lápis nada menos do que treze vezes. A meninada masculina da sala de aula admirava e paquerava a professora “linda, de olhos azulados, os cabelos tratados e louros a caírem sobre os ombros. Quando sentava à mesa, abrindo e cruzando as pernas, os lápis dos alunos caiam de propósito, ensejando a bela visão da “cena grátis” das lindas coxas dela”. Assim o Menino vivia em comunhão e absorvendo todo seu interesse num cenário de natureza farta e cativante, numa casa familiar (a mãe preocupada e nervosa; o pai, maquinista ferroviário, afável e comodista; os irmãos um tanto apagados na diária irrelevância), quase roceira, de quintal arborizado repleto de pássaros cantantes e vivazes, ampla e modesta, dando vista gratuitamente para as quinze bandas do Arraial do Desterro. A que ele mais preferia era a da descida para o Rio Itapecerica, com as praias, as matas ciliares e as mais ralas dos lados que projetavam as ruazinhas da localidade, ressaltando aqui e ali, a estação da estrada de ferro, a velha igreja matriz, o Morro do Cruzeiro, vermelho, formoso e eriçado – e os trilhos da linha férrea perdendo-se nas distâncias rumo ao Arraial do Cajuru, depois dos barrancos e mataréus da Ponte Funda. Cirilo se abismavam encantado pela dinamização da natureza repleta de pequenos seres dóceis e amáveis – o gorjeio e a revoada dos pássaros, os vívidos desenhos das aéreas borboletas e aranhas, toda a vida animal entrelaçada à vegetal tanto na visão genérica como na observação dos mínimos detalhes. A descrição é bem idílica, a narração é um rosário de surpresas para o menino observar e remoer o que no mundo a vida mais explicitava. Assim ele crescia, amando o rio e suas margens, pontes e cachoeiras. Sujeitava-se ao vai-e-vem dos rigores das estações do ano, a friagem das manhãs e os ventos das tardes. Uma amostragem na página 23: “Como ocorria todos os anos, os grandes flocos de névoa começariam a vagar de um lado para o outro, numa coreografia jamais ensaiada, até que o sol morno de agosto viesse destruí-los ou o vento forte que precede a um aguaceiro, levasse-os para longe. O rio, então, ressurgia com toda sua esverdeada beleza, ora com o sol faiscando sobre as suas águas, ora refletindo as galhadas dos ingás e os ramos frágeis dos muricis ou recebendo placidamente a claridade suave nas noites de plenilúnio”. Assim Cirilo crescia, amando cada vez mais o soberbo rio, como se ele fosse uma linda mulher de misterioso fascínio. Testemunhava, acompanhando, o rastejar da Jaracuçu e da Jararaca, da floração e da agonia da enorme gameleira nas margens areiosas e barrancosas. Ele e os colegas-amigos enfrentavam as dificuldades da mata fechada , dos buracos, atoleiros e das ondas do rio volumoso que todo ano engolia pelo menos uma pessoa. Suas escapadas para a farra com os colegas causavam surras homéricas aplicadas pela mãe austera, sempre desobedecida. Levado da breca, ele nunca se emendava dos cometimentos errôneos, preferindo divertir muito e estudar pouco ou nada, sofrendo sucessivas reprovações nos exames escolares. Depois da terceira repetência, ameaçado de ser matriculado na escola particular do medonho professor Fitipáldi, ele se humilhou, rogando:”Pelo amor de Deus, mamãe, não me mande para onde quer me mandar, mande-me para onde a senhora quiser, menos para a escola daquele medonho cavanhaque de bode”. O que resultou do impasse foi, por exigência da matrona, ele ser levado ao Colégio Seráfico do Bairro Gameleira, de Belo Horizonte, onde purgou todos seus pecados, impiedosamente, durante os quatro primeiros anos de sua mocidade internada. O martírio pedagógico do confinamento no colégio religioso fez de sua adolescência apenas uma rememoração da infância, inflando sua mente da consciência de estará envelhecendo prematuramente, excluindo toda uma juventude que devia ter. Estragava a vida? Ou a vida só existe mesmo para ser estragada, mais cedo ou mais tarde? Páginas e páginas relatam o sadismo pedagógico dos professores trancados por dentro, realçando no adolescente a certeza de que fugindo da palmatória cruel do ensino civil, ele acabou encontrando um suplicio religioso desumano, infundado. Como vou sentir saudade desse sofrido período de crueldades clericais? Assim ele se perguntava ao regressar, infaustamente, ao convício da paisagem familiar que também, às vezes, é inteiramente, imensamente brutal. 

 NOTAS: 1 – Toponímia do Desterro: - Moinho do Juza (página 1). - Várzea do Epifânio (páginas 1 e 163). - Rua da Ponte (citada em 17 páginas). - ´Morro do Cruzeiro (página 1). - Rua Itapecerica (citada em dezenas de páginas). - Cemitério do Catalão (página 11). - Largo da Cadeia Velha (páginas 14 e 35). - Largo da Matriz (citada em dezenas de páginas). - Praça da Estação (Página 28). - Rua Bebiana (página 28). - Pau d’Óleo (página 4). - Largo do Rosário (páginas 37, 40, 41 e 52). - Ponte de Ferro (página 76). - Ponte Funda (páginas 32 e 177). - Morro da Ponte (página 67). - Arraial do Desterro (dezenas de páginas). - Farmácia do Jota (páginas 17, 96, 158). 2 – Alguns dados biográficos do romancista: Sebastião Gontijo (1916-1994), filho de José Galdino de Araújo e de Rosa Gontijo de Araújo, ele ferroviário, ela professora. Estudou em Divinópolis, em Belo Horizonte, em Niterói e no Rio de Janeiro, onde se formou como Cirurgião Dentista pela Faculdade Fluminense de Medicina. Como jornalista, colaborou no “O Diário”, “Folha de Minas”, em Belo Horizonte; no “Divinópolis Jornal” de sua cidade e na “Folha do Rio”, no Rio de Janeiro. Antes de exercer a profissão de Cirurgião Dentista trabalhou como Professor e Bancário em sua cidade e em Petrópolis (RJ). Casado com Lys , com quem teve os filhos Hamilton, Cláudio e Cristina. Escreveu e publicou os romances “Dias Idos e Vividos”, “Laços Apertados”, “Tempo de Menino”, “Memórias de Um Foragido” e “A Última Quimera”. Traduziu e publicou, em 1970, o livro “Tratamento Imediato dos Traumatismos Faciais (Early Treatment of Facial Injuries”, de Thomas John Zaydon e James Barrett Brown.

O DOCE MISTÉRIO DA VIDA

Mais fluente e influente do que o gritante noticiário veiculado na mídia: o que mais prevalece, intimamente, na vivência de todas as pessoas do mundo é o indefinível encanto do nascimento de um filho (que é também um neto, um sobrinho, um primo, um amigo, um doce mistério da Vida), que chora (e o choro é uma espécie de sorriso?) na estranheza da chegada num país que ele ainda não sabe se é verde ou amarelo, raso ou profundo, doce ou azedo. Nada se compara a um acontecimento que se repete todo dia em toda parte do mundo, sempre trazendo nova aura, nova linguagem, nova esperança de remodelação das engrenagens provisórias e definitivas do realismo social em andamento. A pública exposição no berçário da maternidade desperta e revela um cordel de emoções a quem se aproxima desta puríssima manifestação da beleza do mais doce dos mistérios da vida: os olhinhos fechados que momentaneamente se abrem para os amigos e parentes encantados na feliz continuidade da poesia ao mesmo tempo onírica e realista em forma de sonho e corpo fundidos numa fantasia que é também realidade. Veio de Novalis, poeta alemão, a certeza mais certa: “Onde há criança uma idade de ouro ali existe”. Aba aeterno (desde toda a eternidade).