terça-feira, dezembro 21, 2010

OUTRO BANHO DE CIVILIZAÇÃO

Bienal e Centenário. Na última temporada (de quase 30 dias) passada na cidade de São Paulo, tomei mais um proveitoso banho de civilização, visitando três vezes a 29ª. Bienal que “posiciona a cidade como um dos grandes pólos mundiais de arte contemporânea, gerando riqueza, progresso e benefícios materiais e simbólicos para todos” – conforme palavras do Presidente da Bienal, Heitor Martins. No catálogo de apresentação o Curador enfatiza a importância da promoção que “oferece exemplos de como a arte tece, entranhada nela mesma, uma política”, mediante sua “presença profunda e diversa onde há sempre um copo de mar para um homem navegar”. Estive lá três vezes, colecionando visões e conceitos criados e apresentados por centenas de artífices obscuros e consagrados, através de painéis estáticos e dinâmicos, desafiando a absorção, a perspicácia e o entretenimento de um público numeroso e sequioso no decorrer de quase três meses de festa cultural no Parque Ibirapuera. Movido pelo entusiasmo das visitas à Bienal, aproveito para sugerir ao poder público municipal de Divinópolis uma mega exposição em módulos representativos da realidade histórica ao ensejo das anunciadas celebrações do Centenário da emancipação política. Seria interessante, não? Mostrar cuidadosamente as referências do paisagismo rural e urbano, histórico e contemporâneo, através da projeção de slides e de reportagens e documentários sobre a terra e o povo. E no apêndice da generalização exibir em grande e belo estilo uma exposição de referências ilustrativas das obras de artistas e intelectuais da terra, de reconhecido gabarito. Posso, daqui, sugerir os nomes de GTO, Petrônio Bax, Jadir João Egídio, Mário Teles, JFO, Hevecus, Heraldo Alvim. Celeste Brandão, Sebastião Gontijo, Sebastião Milagre, Jadir Vilela, Osvaldo André de Melo, Fernando Teixeira, Mercemiro de Oliveira, Adélia Prado, Mauro Corgozinho, Túlio Mourão, Heber Alvim, Kico Lara, Iara Ferreira Etto, Pedro Pires Bessa, Frei Bernardino, José Arimateia Mourão, Jeanne France, Antônio Franco, João Augusto Dias, Lindolfo Fagundes, José Dias Lara, Gentil Ursino do Vale, Eneida Gomes Flor, Marlene Moreira, Rosenwald Hudson, Camilo Lara, Octávio Paiva, Carlos Antônio Lopes, Dieter Droos, Carlos Altivo e muitos outros. Água na Oca. Num dos quadros espetaculares(dinâmicos) da OCA, outra mega exposição quase ao lado da Bienal, no Parque Ibirapuera, está escrito em letras maiúsculas: “Ao longo da vida o brasileiro necessita de 100 milhões e 813 litros de água (para viver) – o equivalente a 40 piscinas olímpicas cheias até as bordas”. No local deparamos com a Advertência, que copiamos para aqui transcrever: “Todas as idéias expostas, todas as conclusões, são tentativas para atingir uma suposta verdade. Algumas das exposições se apresentam de uma maneira aparentemente exagerada – é uma ampliação da vida normal, uma espécie de visão microscópica da vida anímica, fenômeno ilusório e imperceptível a olho nu”. Uma festa de ÁGUA em todos os sentidos imagináveis em múltiplos espaços dinâmicos para o deleite, absorção e participação das crianças e também dos adultos. Um congraçamento inexplicável, por assim dizer. Para se ter uma idéia da magnitude do espetáculo é preciso percorrer os vários locais e pavimentos para ver e sentir “a profunda relação da água com o imaginário humano”. Passávamos até sem sentir de um núcleo para o outro, fascinados pela plasticidade, propriedades estéticas, o mergulho óptico no posto mais aprofundado do oceano ao lado da indelével exemplificação da importância da água como determinante dos fenômenos climáticos, como geradora de energia elétrica, fonte de vida e de purificação. “Um convite a explorar a relação entre a água e a vida , sua distribuição no globo, seus problemas – dramas das enchentes, a poluição e o desmatamento causados pela irresponsabilidade humana – e potencialidades. A Responsabilidade do Poder Político. Sabe-se que 2010 é o ano mais quente desde que começaram os registros, há 131 anos. Em Cancum, México, reúnem-se representantes de 194 países com a finalidade de chegar a um acordo solucionador para domar a inclemência do clima planetário. A reunião de Kyoto em 1997, não mereceu nenhuma atenção dos países mandatários da maior parte material do planeta. Sem a diminuição da poluição e da produção de quinquilharias que infestam as fábricas e lojas e lixeiras (como se o ser humano não fosse apenas um inquilino, mas sim o dono da terra e do sistema solar – no dizer de José Eustáquio Diniz Alves). Na verdade “já ultrapassamos a capacidade de regeneração do planeta”, ele acrescenta.Estamos caminhando para o deserto, concluimos. Ver mais sobre o assunto no número especial da revista VEJA sobre a SUSTENTABILIDADE.

O PRIMEIRO AMOR

Mesmo longe na infância, ela está perto na velhice. Seu vulto minúsculo e ávido, vem ao meu encontro, engrandecendo-se, ávido. Nas dobras translúcidas entre o olvido e a memória, posso beijar-lhe os olhos, apertar suas mãos, apalpar seus anseios. Posso também (ó lucidez!) ouvir suas palavras obscuras, entre as pausas acalentadas de seu luminoso silêncio.

TEMPORADA NA ROÇA

A Chuva: ela agora (depois de prover-se na lagoa), recompõe nossas células, refresca nossa chama mórbida (a tensão defensiva). Os patos ficam mais alvos na lagoa, um bambu canta na moita, ao lado, a manga amadurece de repente no pé altaneiro. A Chuva: ela agora reúne as fases do tempo e malha o nosso coração de ferro. Umedece as estruturas metálicas da modernidade, lava o ar e o chão da cidade que nos entorpece. Agora, sem resíduos e aderências, ela está vindo de outro século para molhar a grama do terreiro de nossa casa. Depois voltará ao mar distanciado, e no-la esqueceremos, até que retorne.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

DEUS, ANIMAIS, FAMÍLIA

Klaus Mann encerra o livro de sua biografia de André Gide, com as palavras do próprio escritor francês: “nunca aceite a vida como um fato consumado. Nunca deixe de acreditar que ela possa ser mais rica e mais bela – a sua vida e a vida de seus semelhantes. Não aceite nada por definição! Investigue tudo! Exija provas para cada teoria! Ajude a melhorar todos os males! Algum dia compreenderá que é o homem – e não Deus – que devemos censurar pela confusão dos nossos negócios terrenos. A partir desse dia você não concordará mais com o mal”. De vez em quando chego a pensar que determinada árvore às vezes parece uma pessoa. E como em outras vezes uma pessoa possui os ares de uma galinha da angola ou de um cachorrinho vira-latas. Uma combinação de elementos genéticos de enzimas e cromossomos se plasmaram na justaposição existencial dos condimentos e se abraçaram na mistura das afinidades – e daí adveio a beleza de uma moça chamada Mirafélia e a feiúra de um cara que nem mesmo merece ter um nome decente? A MEL, nossa cachorra afegã, que tem o porte de uma majestade e o semblante de uma poeta-musa contemplativa, fica amuada depois do cio, como se tivesse sido emprenhada, mesmo sem cruzar com o macho. Apresenta os sintomas da gravidez, abre o apetite, deita à sombra nas folhas da mangueira, e se estira, toda momenta, ciente de que espera um alentado, primoroso parto. A clonagem acenada pelos cientistas atropela a esperança de melhores dias no reino animal. Já pensaram na canseira visual das fisionomias repetitivas? Ah, não foi à toa o que aconteceu na Fazenda Serra Negra, quando uma ovelha apaixonou-se pela novilha malhada, que retribuiu o amor com o mesmo interesse e a mesma intensidade. Não havia cerca de arame ou de tijolo que as separassem.... Um amor descabido e real e de tal maneira que quando o dono vendeu uma teve que vender a outra para o mesmo comprador, só assim impediu que ambas morressem de tristeza. O amor delas era ou não era uma fuga às semelhanças, uma afetiva busca da diversidade? Lembro-me de uma Missa do Dia das Mães na Igreja de Nossa Senhora de Fátima (bairro Porto Velho, Divinópolis, MG), muitos anos passados. Os atos litúrgicos repercutiam nos corações afinados na contrição e na penitência e nas aleluias evangélicas: as orações, os cantos, os salmos, as leituras bíblicas, as oferendas e a comunhão cristã do povo de Deus. Tudo muito sublime como em toda primavera da alma humana diante do santo sacrifício da Missa. Num dos momentos da cerimônia, a palavra é dada a uma criança, que declara em alto e bom som, que o dia das mães é todo santo dia - e o padre, em acréscimo, observa que cada uma das mães no mundo inteiro é sempre uma auxiliar direta de Deus, uma vez que está sempre recriando a Vida. Ato contínuo, todas as mães presentes são reunidas num recinto do altar a fim de receberem a homenagem coletiva dos fiéis. Aí uma catequista (que depois descobri ser minha prima) passou a ler um texto de palavras quentes e luminosas, que penetraram nos corações, enternecendo-os coletivamente. Consciente do que falava a moça improvisava o discurso do amor, da gratidão, do reconhecimento e da virtude. E assim naturalmente, sem enfatizar o arroubo sentimental, ela desfiava as palavras, as frases e os períodos que assim, enxutos e sinceros derretiam os corações - e as pessoas começavam a enxugar as lágrimas da emoção autêntica e profunda. A própria catequista começou a soluçar: soluçava e falava num duro exercício de estoicismo e de fina piedade. Abro aqui um parêntese para observar que o tema do amor materno sempre foi naturalmente caloroso e comovente, evocando a meiguice e a ternura recíprocas na perdurável lembrança que confunde o passado com o presente na interligada convivência familiar. Assim estamos sempre diante dos passos de nossa própria vida, iluminados pelo olhar de nossa querida, inesquecível mãe. No entanto é penoso, muito penoso meditar sobre o descaso dos seres humanos com a origem, a vivência e o destino dos outros animais que habitam o globo terrestre. É doloroso ver em todo lugar e a todo momento o sacrifício dos animais, aleatoriamente denominados de irracionais – e tal absurdo que clama aos céus ser considerado natural e até necessário. É preciso estar cego, surdo e mudo para promover, aprovar e aproveitar da vida desses animais para a manutenção da vida humana. Não existiria outra alternativa alimentar para saciar nossa necessidade? Penso numa vaca alimentando seu bezerro, na beleza daquele momento....O mesmo acontecendo com os gatos, os cães, os pássaros, com todos os bichos da terra....Penso na semelhança biológica deles conosco... e não entendo por que temos que sacrificá-los, se assim procedendo estamos rebaixando-nos diante deles mesmos, nossas vítimas.... É difícil aceitar a estranha noção de que, afinal de contas: somos ou não somos as piores criaturas da face da terra?

O LIVRO DE POEMAS (*)

O tronco da sucupira que tomba no cerrado fratura, no âmago, a extensão da mata virgem. A história lendária e mítica do trabalho rural. A história sangrenta e vária da população urbana. Tudo que tenta mover-se neste livro brotou do chão como um pé de romãs, alastra no chão como os pés das pessoas na cadência das enxadas no eito da roça: o círculo de ecos a vitamina da fé. 
 (*) – Texto utilizado pela Secretaria Municipal de Educação de Divinópolis no PROJETO MINHA CIDADE LÊ, em forma de enorme e belo (colorido) cartaz apenso ao vidro interno da frente de todos os ônibus (coletivos) que circulam no Município, durante todo o mês de outubro de 2010.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

TRANSES E NUANCES

As canetas escrevendo poemas obscuros As maçãs compulsivas dos ramos eróticos O fluxo e o ímpeto As vias literárias da melhor aclimatação As meiguices e os chamegos As floradas imarcessíveis As orquídeas de plantão em vasos solitários As posições do belo prazer As teorias das boas conjunções As interjeições no limbo da sensualidade As alucinações oníricas As perversões recalcitrantes As intrínsecas afinações As omissões impensadas As recíprocas penetrações As saudações retrógradas As pueris abstrações As obnubilações latentes As antecipadas mentalizações As espontâneas conjugações As gozações revezadas As exaltações As airadas manifestações As infindáveis carícias As recriações específicas As orquestrações românticas As florações primaveris As coalizões amaciantes As indefinidas visualizações As crispações extemporâneas As categorias gramaticais As deliciosas absorções As encantações enluaradas As inseparáveis comichões As ativações ininterruptas As interações proporcionais As coleções memoriais As afinadas cantações As airadas desnudações As sintonias das felicitações As procriações metafísicas As inefáveis perorações As incumbências afrodisíacas As lautas refeições da libido As impossíveis finalizações da felicidade.

PERDER O SONO

É bom saber que a velhice é um traste, um incômodo, um mulambo? É ruim saber que os acertos conjugados aos erros são irrisórios? A luz vermelha, a luz vermelha, a luz vermelha na gélida peregrinação interior do externo desamor.... A seqüência nebulosa do infindável retorno? Não se fala mais no abolido, mastigando o que se comeu? Como desperdiçar a inutilidade (livrar de uma contínua importunação)? A ânsia de dormir, o enfado de acordar. O externo desamor. A morte em vida. O embate da crueldade, revigorado.