terça-feira, abril 28, 2009

MINAS GERAIS (E OUTROS ESTADOS DE ESPÍRITO)

Centro Oeste Mineiro. Este é o título do belo e significativo álbum de enaltecimento dos fatos e feitos mais marcantes e louváveis de nossa fértil, extensa, luminosa e querida região mineireira. Meritório trabalho de equipe coordenado e supervisionado pelos produtores culturais Dalton Fernandes de Miranda e Guaracy de Castro Nogueira, de Itauna. O laborioso levantamento de 77 municípios do nosso centro oeste mineiro (dos quais só não conheço Vargem Bonita, Tapirai, Córrego Fundo e Córrego Dantas), apresenta textos de igual número de colaboradores, entre os quais sobressaem as criteriosas incursões de pesquisa científica assinadas por Ana Maria Nogueira Rezende, Cecília Sá de Lino e Silva, Alvimar Augusto de Oliveira, Maria das Graças Menezes Mourão e Guaracy de Castro Nogueira. Fartamente ilustrado em papel apropriado, cada cidade (sede municipal) merece, além de uma sinopse textual, os dados genéricos do território, cinco fotos coloridas com vistas gerais (verdadeiras aquarelas), além da página inteira focalizando lindamente a igreja paroquial de cada cidade. Uma brilhante, generosa e merecida homenagem aos laboriosos, simpáticos e virtuosos habitantes, além de oferecer a contemplação amistosa e poética do extenso cenário da graciosa versatilidade humana, repleto de vida animal, vegetal e mineral, atuante, aprazível, magnânima. Um brinde aos amantes de bom gosto de nossas propriedades e potencialidades. Uma bela e otimista fonte de ponderáveis informações antropogeográficas. A Crise no Brasil. Os mais lúcidos estudiosos da crise econômica mundial que afeta o nosso país são unânimes em afirmar que a mais premente providência do governo é corrigir o dispêndio desmedido, a irresponsabilidade ao expandir o desbaratamento da Receita, verificada nos últimos anos, através da prolixa e desmedida Despesa a favor do congraçamento partidário que visa, sem dúvida, a desonesta cooptação eleitoral do futuro pleito presidencial. O custeio fabuloso acentua (e clama aos céus) o demérito desse jogo desleal de dupla conseqüência: enquanto uns se locupletam, outros pagam o pato. A farra dos políticos, por exemplo. Está sendo desnudada pela imprensa sadia e repudiada pela população desfavorecida. O diabo é que estamos longe da eleição e até chegarmos lá, tudo deverá estar, desgraçadamente, no arquivo morto. Lembro-me de um colega de trabalho que contestava o descontente (eu) com o desmando governamental, dizendo: “Se você estivesse lá faria a mesma coisa”. O descontente replicou: “Eu?! Você me conhece e sabe que nunca faria isto!” O outro, um gozador nato, explicava: “É claro que não faria, pois sendo como quer ser, honesto, você nunca chegaria lá”. As Dicas de Millôr Fernandes: - “Arte é coisa mental”, pensava Da Vinci, mas como se explica tanto idiota pintando, compondo e tocando?” - “À noite todos os gatos são pardos. Depois do sucesso dessa negada aí da timbalada, as meninas tão dando pra turma, adoidadas. E murmuram: “À noite todos os pardos são gatos”. - “O inferno são os outros”. Sartre dizia isso, com sua habitual falta de autocrítica. Mais racional, completo: “Certo, messiê, mas falta dizer: “O céu também”. Outras Dicas: - “A felicidade é um estado de espírito transitório por natureza. Temos momentos de plenitude, divinos, celestiais, mas, ao lado disso, temos a rotina, a dor de barriga, a dor de dente, a conta por pagar”. – Carlos Drummond de Andrade. - “As mulheres não podem governar o mundo, pois são as únicas pessoas que podem ter filhos – e este é o trabalho mais importante que existe.” – Kathlen Parker, escritora americana. - “A realidade é uma isca lançada a um terreno desconhecido em cujo caminho não podemos ir muito longe”. – Marcel Proust.

sexta-feira, abril 24, 2009

FORTUNA CRÍTICA 3

De um e-mail recebido do poeta Osvaldo André de Mello em 14/07/2008: 

“Meu caro Lázaro: Fui assaltado pela lembrança e saudade dos seus contos, principalmente os publicados nos nossos periódicos e no nosso inesquecível AGORA – e que tanto contribuíram para a minha formação literária. Fui reler, então, AÇO FRIO DE UM PUNHAL. O primeiro conto, A BANANA DE DEUS, insólito, áspero, metálico (que metáfora, que parábola, que sinais há por detrás da experiência que surpreende o narrador?), leva-nos ao seguinte, OS IDIOTAS POPULARES DE ÁGUA PARADA. O livro vai prendendo o leitor (ele não está diante de uma escrita corriqueira) e o joga para a frente. Nesse conto o que mais me emociona é essa população desgarrada de Deus, mas feliz na sua demência. O lirismo se instaura. Poética da loucura. Essa população que, gradativamente, toma o espaço social, as instituições e as suas sedes, dos normais, que, não satisfeitos, talvez intolerantes com a própria loucura camuflada, retiram-se, deixando aos idiotas a água parada. O próximo conto, SONETO QUASE PARNASIANO, para o meu gosto é uma obra-prima. A difícil e torturante busca do auto-conhecimento. A perseguição sofrida pelo narrador, cotidianamente constante, mais as diferentes tomadas de núcleos temáticos, que se vão alternando, imprimem ao texto estrutura e atmosfera de sonho, Finalmente, o desfecho, com o diálogo inesquecível, tal se fossem o letreiro de um filme: as falas proverbiais dos tarecos e papiatas. Em toda a obra (já vou correndo para UMA HISÓRIA EM QUADRINHOS; é a primeira vez que leio um livro de contos na sua seqüência própria: gosto de ler salteado, começando pelo último, e, no final, pinçando pelo índice os que não li); em toda a obra, que já começa a construir a sua totalidade, as marcas: a poesia, a erudição histórica contextualizada na cultura popular, a escolha vocabular, que contrapõe palavras oriundas de áreas específicas do conhecimento a palavras banais e a expressões da fala, a fabulação.... Começo bem a semana. Obrigado, meu caro amigo Lázaro Barreto, por permitir aos meus olhos mortais contemplar a beleza eterna. Com os votos mais felizes, sempre seu amigo e admirador, Osvaldo”.

sábado, abril 18, 2009

SHAKESPEARE E HITCHCOCK

Ao Paulo Henrique Belém Barreto. 

Ao longo do tempo o Cinema tem possibilitado a ascensão cultural de incontáveis criadores artísticos, colegas, por assim dizer, de outros trabalhadores da humana expressão, resultantes da mesma forja que revelaram (e revelam) as obras primas literárias, musicais e plásticas.. Não é, pois, exagero dizer que o Cinema tem os seus Da Vinci, Chopin, Cervantes e Guimarães Rosa. Nesta linha de raciocínio posso atrelar no mesmo gancho criador as figuras exponenciais de Shakespeare e Hitchcock (ambos ingleses), o primeiro trabalhando a palavra e com ela criando o conceito e a imagem da vida e do mundo, e o outro, trabalhando com outros instrumentos a mesma dualidade expressional para debulhar os conceitos e as imagens da vida e do mundo. Apesar das óbvias diferenças, creio que o peso da importância no imaginário e na vivência do leitor e do espectador é o mesmo. Em suma: Shakespeare é o meu autor predileto entre os escritores e Hitchcock, entre os cineastas. Ambos são completos no manejo da técnica a favor do discorrer da mente e no emprego da inteligência a favor da imaginação, sendo esta a página de verso da realidade. Isso no começo, no meio e no fim de cada trabalho, do impacto que imprime o ritmo à continuidade da tônica estilística até ao desfecho da arte final, que é metade sombra, metade luz – advindo, assim, o nosso conhecido gosto do “quero mais” da admiração e do enriquecimento intelectual do leitor e do espectador. Bibliografia Sumária de William Shakespeare. De 1590 a 1613, ele escreveu e certamente encenou (como ator e diretor) as seguintes peças teatrais, pela ordem cronológica: Henrique VI, Ricardo III, A Comédia dos Erros (que lí), Tito Andrônico, A Megera Domada (li), Os Dois Cavalheiros de Verona, Romeu e Julieta (li), Ricardo II, Sonho de Uma Noite de Verão (li), O Rei João, O Mercador de Veneza (li), Henrique IV, Muito Barulho Por Nada (li), Henrique V, Júlio César (li), Noite de Reis (li), Hamlet (li), As Alegres Comadres de Windsor (li), Troilo e Crescida, Bem Está O Que Bem Acaba, Medida por Medida (li), Otelo (li), O Rei Lear, Macbeth (li), Antônio e Cleópatra (li), Coriolano, Timão de Atenas, Péricles, Cimbelino, Conto de Inverno (li) , A Tempestade (li), Henrique WIII (assisti, encenada num teatro em São Paulo). Escreveu ainda os imortais Sonetos, que tenho a felicidade de ler e reler e saborear constantemente nas primorosas traduções de Ivo Barroso e Fernando Pessoa.. Filmografia Sumária de Alfred Hitchcock. De 1926 a 1939 ele criou (e não apenas dirigiu) 14 filmes na Inglaterra, dos quais apenas vi “Os Trinta e Nove Degraus”, “O Marido era o Culpado”, A Dama Oculta”. Dos trinta que dirigiu nos Estados Unidos, depois de 1940, só ainda não vi, mas espero ver: “Um Casal do Barulho”. Os que vi (e adorei) são: Suspeita, Um Barco e Nove Destinos, Agonia de Amor, Rebeca, a Mulher Inesquecível, Correspondente Estrangeiro (que gostaria de rever mas não encontro o dvd nas locadoras), Sabotador, A Sombra de Uma Dúvida, Quando Fala o Coração, Interlúdio, Festim Diabólico, Sob o Signo de Capricórnio, Pavor nos Bastidores, Pacto Sinistro (já vi três vezes), A Tortura do Silêncio (que também gostaria de rever), Disque M Para Matar, Janela Indiscreta (já vi três vezes), Ladrão de Casaca, O Terceiro Tiro, O Homem Que Sabia Demais (gostaria de ver pela terceira vez), O Homem Errado, Um Corpo Que Cai (já vi três vezes), Intriga Internacional, Psicose (já vi três vezes), Os Pássaros (também três vezes), Marnie – Confissões de Uma Ladra, Cortina Rasgada, Topázio, Frenesi e Trama Macabra. Posso afirmar, em sã consciência, que ele não apenas dirigia, mas criava, mantendo-se fiel a um estilo pessoal de planejar e executar uma obra coesa e brilhante, inteligente e instigante, fiel a si mesmo, ao espectador e à cultura humana, no que ela tem de auspicioso, realístico, pujante e encantatório. O suspense uma de suas variáveis estilísticas, foi notadamente imitado por muitos cineastas, mas jamais igualado em termos de perícia e persuasão instantânea. Era o mestre de si mesmo e dos outros, do começo ao fim de sua profícua carreira. Ilações Shakespeareanas: A emoção que faz voar do peito o coração. A noite acorrentada aos abismos. A arte desperta dos túmulos os que neles repousavam e que, abrindo-os, deixavam-nos sair para uma nova vida. Assim Próspero (personagem de “A Tempestade”) cria os seres sobrenaturais enquanto escreve um livro através do qual o que imagina torna-se realidade. Somos feitos dos mesmos fios de que se tecem os sonhos. Em “Sonho de Uma Noite de Verão”, um ator representa o luar e outro um muro. Só quem está feliz pode ouvir uma dissonância mais musical do que a do harmonioso trovão. O amor faz a noite dourar-se mais que os olhos de luz do firmamento. As negras liberdades da virtude. O céu está em minha boca que só sabe mastigar o nome da amada. Seus olhos são luzes que enganam a aurora. Dois versos de um soneto traduzido por Ivo Barroso: “saibas ler o que o mudo amor escreve,/ que o fino amor ouvir com os olhos deve”. O mundo é um palco: os homens e as mulheres são meros artistas que nele entram e saem. Apreciações Htchcockianas: O trabalho dele (além de eliminar explicações desnecessárias), utiliza todo o instrumental fílmico para projetar a ação vivencial dos personagens inseridos ao enredo, sem o menor sinal de preguiça, sem desperdiçar um minuto sequer da atenção do espectador no decorrer das cenas umbelicalmente interligadas ao fluxo narrativo da história que está sendo contada, não de forma meramente didática ou espalhafatosa, mas sim com todos os detalhes interligados na fluência conjuntural. De tal maneira que para ele, Hitchcock, não pode haver nada desprezível no contexto da obra: nenhum ator ou atriz é ruim, todos se integram no clima proposto, nenhum resvala para a inutilidade em nenhum momento. Nas pausas entre um impacto e outro, ele preenche o possível vazio com gestos e falas: ninguém escorrega aqui ou ali. A câmera subjetiva dele (segundo o crítico Edward Buscombe) busca um foco de interesse, que pode ser o ator procurando algo nas gavetas da mesa ou do armário, ou a atriz dando o ar da graça num trejeito físico de efeito moral. O espectador se adentra no enfoque, não sente o tempo passar – e quando o filme termina, ele sente que queria mais, que gostaria de rever o cenário, as pessoas, os acontecimentos. O dinamismo contextualizado é isso – algo bem diferente e muito mais precioso do que exorbita e entope e sobrecarrega a batelada de filmes de ação produzidos nos últimos decênios como se fossem artefatos de consumo momentâneo. Criador de atmosferas dramáticas e de trágicos suspenses com ocasionais e patéticas evocações sobrenaturais, sua obra foi “alvo de inúmeras imitações, homenagens e releituras”, segundo Kim Newman, por muitos diretores criadores de nossos dias, como Brian de Palma, Steven Spielberg e Terry Gillian. É um cinema que tem consistência e encantamento. A dinâmica do acontecido na fixidez do acontecendo.

quinta-feira, abril 16, 2009

O ARQUITETO E O IMPERADOR DA ASSIRIA

Ao contrário de uma peça teatral que você assiste, entende na hora e esquece logo depois, esta (“O Arquiteto e o Imperador da Assíria”) de Fernando Arrabal, dirigida por Ronaldo Brandão, interpretada por Soraya de Borba e Guga Barros, produzida por Sara Coelho – e encenada neste final de Março/2009 no Teatro Gravatá (Divinópolis, MG) é uma peça que você assiste, não entende na hora e nunca (depois) esquecerá. Muito boa, pois, tanto na cenarização como nos figurinos e na trilha sonora. Tudo muito supimpa, no melhor sentido cenográfico dos mais freqüentados palcos do País. A interpretação dos dois personagens (por duas grandes e belas atrizes) é um primor de equilíbrio entre a ênfase e o comedimento; impecável na postura e na dicção, no gestual e nas feições do dinamismo cênico. Uma representação que mereceu os entusiáticos aplausos recebidos pelo público que lotou o teatro. Aplausos nossos daqui, também, pois!

segunda-feira, abril 13, 2009

FORTUNA CRÍTICA I

Algumas Menções sobre a obra literária de Lázaro Barreto, arquivadas em 03/03/2006. 

1 – “Árvore no Telhado” – poemas. - Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1969 Meu caro Lázaro Barreto: Com muita alegria recebi “Árvore no Telhado”. Enfim, o livro impresso, o poeta saindo da gaveta e dos suplementos para manifestar-se na forma devida! Como acompanhei de perto suas primeiras experiências poéticas, posso avaliar bem, através desse volume, o caminho percorrido, e o que você soube tirar de si mesmo e de uma visão crítico-emotiva do mundo, para compor a sua poesia, válida e múltipla. O resultado é plenamente compensador. Agradeço-lhe a dedicatória generosa e o “Mineral País de Itabira”. E fico desejando para seu livro a compreensão e o interesse dos bons leitores de poesia. Cordialmente o abraço amigo de Carlos Drummond de Andrade. Carta de Dantas Motta, de Aiuruoca, MG em 07/10/1969: “Seu livro “Árvore no Telhado” agrada-me. Se o “Recital de Poesia” fascinava em mim como um intróito, ouro é que é o poema “Árvore no Telhado”, que, aliás, dá nome ao livro, seja de um belo áspero e participante. Nesta altura, impossível deixar de dizer-lhe que amei – e muito – “Duas Cinco Vezes à Ana Maria Hatherly”. É de fato, qualquer coisa nova, não tirada da sua mensagem, mas da sua concepção do verso livre. E isso basta. Muito obrigado. Fragmento da carta de Ângela Anastasia Cardoso (BH 15/10/1969): “Escrevo para lhe dizer o prazer que me deu sua leitura, o tanto que gostei sobretudo de seus poemas “Duas Cinco Vezes à Ana Maria Hatherly” e o primeiro dos “Lírios pela Primeira Vez”. fragmento da carta de Marilda Bernardino (BH, out.1969): “te conto que achei seu livro lindo da capa (com árvore e branco) ao dentro. eu te li na madrugada toda: e “já eram enormes horas da noite/ e eu ainda me feria nos poemas”. Carta de Lacyr Schettino (BH, 13/11/69): Lázaro, dupla festa para a minha sensibilidade a sua “Árvore no Telhado”: os admiráveis versos e a dedicatória no poema “Rio Paranaíba”. Apesar de já ter lido e relido o livro, não desejo falar sobre ele, hoje. Fica para um próximo (e longo) comentário, pois há muito a comentar naquela riqueza poética que V. esbanja em seus versos. Por hoje vai meu agradecimento pelo presente, pela homenagem e pelos momentos de alegria interior (ah! como é bom a gente poder dizer isso com sinceridade a um poeta!) que a sua poesia me ofereceu. Pelos seus livros inéditos, também me dou conta de como é necessária e vital a comunicação em V. Comunicação que exige receptividade de quem o lê, e não uma mensagem recebida ao acaso, como quem lança, sem vontade de ser compreendido, um papel ao vento. Isso explica sua versatilidade dentro dos gêneros literários, os mais diversos, em que seu dom comunicativo é posto requintadamente à prova. Com a alegria do reencontro, Lacyr Schettino. Carta do poeta Foed Castro Chamma (Rio, 7/11/69): “Estimado poeta Lázaro Barreto. O recebimento de sua carta trouxe-me a certeza de que o sentido da poesia não se circunscreve a uma realidade afeita apenas a experiências individuais, mas encontra ressonância por similitude, de maneira a convencer-me que a poesia pode servir de elo que, na verdade, constitui a melhor aspiração de todos nós, poetas voltados para a captura do real, para a troca instigadora de nossas experiências, em busca de um nivelamento de pesquisa e realização que, certamente, resultará naquela transformação fautora do homem grande e o mundo pequeno. Porque, a meu ver, o mundo é o homem e sua presença totalizadora está na dependência do que transforma e inventa. Compreendo que a arte, quando encontra padrões iguais aos que descubro em poemas como “Viaduto do Porto Velho”, “Previsão de Geraldo Teles”, “À Marli rocha” e quantos outros (todos?) do livro “Árvore no Telhado”, que me lembra a melhor corrente da poesia brasileira (mineira), Drummond, J.Guimarães Rosa, Lélia Coelho Frota, aguarda apenas seu momento para ultrapassar os limites das categorias representativas do que melhor se faz em poesia no Brasil neste momento. O universalismo de sua linguagem, a redução sintática a um amálgama inventivo com soluções surpreendentes garantem-lhe audiência, e louvo nosso idioma que se adapta tão bem com sua aspereza a semelhante magia. Estou aguardando o jornal literário “Agora” e confesso-me honrado com a inclusão de um poema meu em suas páginas. Queira aceitar o meu melhor abraço e a simpatia do Foed.” Carta de Pedro Nava (Rio,17/10/1969): “Prezado Coestaduano, recebi e agradeço seu belo livro “Árvore no Telhado”, onde tão bem se retratam a sua sensibilidade e o seu talento. Espero que continue a me honrar com a remessa de suas produções literárias.” Devo continuar citando? Penso que não. Comovente para o autor, estafante para o leitor. Mas tenho em mãos os artigos, notas e cartas que tanto me honraram e envaideceram, de escritores afáveis e de renome como: Danilo Gomes, Edgar Pereira Reis, Laís Corrêa de Araújo, Lélia Coelho Frota, Emil de Castro, José Afrânio Moreira Duarte, Mário de Oliveira, Adenor Simões Coelho, Ascendino Leite, Fabrício Augusto, Lycio Neves, Euclides Marques Andrade, Joaquim Branco, Nelly Novais Coelho, Ricardo Marques, Marco Antônio Guimarães, Ildázio Tavares, Eliane Zagury, SérgioTross, Plínio Doyle, Terezinka Pereira, César dos Santos (de Portugal), José Alberto Nabut – e tantos outros escritores, leitores e amigos. 2 – A Cabeça de Ouro do Profeta – contos. Artigo “Um Contista Fantástico em Minas Gerais”, de Nevinha Pinheiro, no caderno Literatura do jornal Tribuna da Bahia, de 20/07/1973, do qual pinçamos o trecho: “...não distanciado literariamente de qualquer nome famoso propalado entre nós, está o mineiro Lázaro Barreto, com o seu livro de contos..., onde o fantástico é apresentado ao leitor com a naturalidade de quem fala do real objetivo...”. Artigo de página inteira no jornal tribuna Literária , de Pirapora, MG, julho/1971, de autoria de Márcio Almeida, no qual acentua-se “a construção surrealista (surrealírica, aliás) no conto de Lázaro como sendo o resultado de experiências poéticas surrealistas”. Artigo de Wagner Corrêa de Araújo no jornal Diário Mercantil, de Juiz de Fora em 21/01/71, enfocando “a maneira especial de ir trabalhando em silêncio, aumentando sua já grande bagagem literária..., onde sobressaem as obras “Árvore no Telhado” e o interessante nascimento brasileiro de Cristo nos textos de “Lapinha de Jesus”,em parceria com Adélia Prado”. Carta de Myrtes Campelo: “...gostei demais de seu livro: capa, título, e o conteúdo que lembra Garcia Márquez... Não sei se vai gostar do parentesco...”. Artigo de José Afrânio Moreira Duarte: “Lázaro Barreto, líder do Movimento AGORA, de Divinópolis..., que já surpreendeu como poeta, demonstra agora ser ainda muito melhor como contista.” Artigos, fotos e contos publicados em Portugal por J.Santos Stock, em dois números do Horizonte Literário, do jornal Beira Baixa, de Lisboa. Página inteira do Jornal do Brasil (2l/06/75), na qual o crítico Fausto Cunha analisa as publicações dos novos autores mineiros e Gilberto Mendonça Teles desenha um roteiro de nossa literatura moderna – em ambos os textos o livro é citado. Destaque na página de Clevane Pessoa Rocha, na página de cultura da Gazeta Comercial de Juiz de Fora, reproduzindo o conto “Querida”, que também mereceu figurar numa antologia publicada pela Revista CRISIS da Argentina sobre os novos ficcionistas da América Latina. Mercemiro de Oliveira destaca o livro em sua coluna do Diário do Oeste de 03/08/71, com a notícia: “O livro “A Cabeça de Ouro do Profeta”, premiado pela Academia Brasileira de Letras, está sendo objeto de estudo pelos estudantes do Colégio Leão XIII”. Outras consideráveis menções em cartas, artigos e notas publicadas em jornais de Belo Horizonte e do Rio e por José Lobo, de Goiânia, Olga Savary, Domingos Diniz, Dora Tavares, Victor Giudice, Maria da Glória Oliveira, Juju Campbel, Lara de Lemos, Fátima Tavares. Destaque para a carta recebida do escritor Humberto Werneck, quando dirigia o Suplemento Literário do “Minas Gerais”, em 29/04/69, sobre a então acintosa repressão da censura oficial vigente durante décadas em todo País humilhado por mais uma ditadura. Transcrevo na íntegra: “Meu Caro Lázaro Barreto: Murilo (Rubião) me pede que te devolva este excelente “O Inquisidor de Pássaros”, junto com uma explicação. Achamos o trabalho muito bom, maduro, dos melhores que você nos tem enviado; a opinião da Laís, lançada no canto da página,é também favorável. É claro que você compreende. Fazer um jornal oficial é estar limitado, cerceado. Isso nos leva, aqui, a uma asquerosa tarefa de censores de moral e política, vetando, com muita dor, tudo o que possa desencadear uma campanha contra o Suplemento. Sem a autonomia desejável, tratamos de fazer o possível. Dentro de cada vigário, diretora de grupo e barnabé aposentado, meu caro, mora um monstro implacável, burro e moralista; um monstro a fim de catar “sacanagens” e “subversões”, para depois botar a boca no mundo. Esse tipo de pressão, em se tratando do SL, é muitíssimo ponderável e não dá a menor trégua. Já para não falar num certo tipo de escritor velho e acadêmico, reacionário a mais não poder, magoado e temível porque a gente fecha a porta à sua subliteratura. Um dia, com calma, te conto as coisas incríveis que temos visto aqui no SL. Olha, isso não foi uma explicação,você entende. Publique em alguma parte este conto, com o destaque que ele merece. E nos mande sempre colaboração. Abraços do Humberto Werneck. 3 – Mel e Veneno – Poemas. Carta de Pavla Lidmilová, de 02/03/1984 (escritora tcheca especializada em literatura de língua portuguesa, que traduziu para sua língua os romances “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, e “Perto do Coração Selvagem”, de Clarice Lispector. Lázaro manteve com ela amizade e correspondência durante mais de 20 anos): “Praga, 02/03/1984. Caro Lázaro: Agradeço-lhe muito o seu livro de poemas mais novo, Mel e Veneno, que inclui também “Num Canteiro de Flores”, de que gosto tanto. Estou lendo devagar, saboreando os seus belos poemas num relacionamento com outros poetas, mas também com os seus leitores, e comigo. E queria dizer-lhe (como você a Drummond), obrigada, Lázaro. Um grande abraço e os votos de felicidades da velha amiga Pavla”. Carta de Fábio Lucas (02/03/84, São Paulo, SP): “Meu caro Lázaro Barreto. Sou-lhe grato pelo envio de “Mel e Veneno, que li de uma vez só, preso à alta qualidade de sua poesia. Você encontrou um modo muito próprio de manifestar-se poeticamente. Sabe deslizar num coloquial ameno, conectar o texto à grande literatura, exprimir as contradições da época e, frequentemente, dramatizar o texto, que adquire crispações admiráveis. É quando a sua energia criadora mais se revela. Extraí o poema “Eleições Diretas” para divulgar. Abraços do Fábio Lucas.” Carta de Carlos Drummond de Andrade, Rio, 25/03/84. “ Caro Lázaro Barreto: “Mel e Veneno”: que livro sério e delicado, de boa poesia , da legítima! Sua voz precisa ter vida fora do círculo regional, pelo que ela acrescenta ao fazer poético brasileiro. Não é você, sou eu que devo dizer: Obrigado, Lázaro! O abraço, a cordialidade e a admiração do seu Carlos Drummond de Andrade.” Carta de Lara de Lemos (Mury, RJ, 19/03/84): “Caro amigo Lázaro Barreto: foi uma enorme alegria receber seu livro. Há muito admiro sua poesia social. “Sob o Peso no Caminho”, “Paráfrases dos Provérbios” e o “Dia Destruído”, são poemas comoventes. Além disso há uma grande força lírica na maioria de seus trabalhos. Gostei especialmente de “Os Lírios do Ser”, “Mirafélia”, “Ela canta no Quintal”, “Idos de Março”, “Tempo Tempero, “Obrigado Drummond”, “As Mulheres e Seus Versos” (obrigado pela referência). Parabéns! Você tem o que dizer e sabe dizê-lo. Desta vez , gostei muito dos títulos e até construí um poema com eles. Veja no que deu: PRA LÁZARO BARRETO Necessitamos teu grito que denuncia O DIA DESTRUÍDO A TERRA SECA O CLIMA SUFOCANTE SOB O PESO, NO CAMINHO OS SEGREDOS DA NOITE que desvendas EM PALVRASA TANGÍVEIS. Necessitamos do lirismo com que cantas MIRAFÉLIA AO SOM DE GUITARRAS NA CAMPINA. MEL E VENENO nos deste nesses IDOS DE MARÇO e eu te agradeço OBRIGADO, BARRETO. Com o abraço sincero de Lara.” O livro consta na lista dos mais vendidos em Divinópolis em março/84, mês do lançamento. Muitas menções elogiosas em Cartas, Notas e artigos de Alciene Ribeiro Leite, Regina Martins, Marina Colasanti, Reinaldo Alvarinho Alvarez, Kátia Bento, Evandro Ribeiro de Oliveira, Leonel Brisola, Sérgio de Castro Pinto, Antônio Eduardo Andrade, Oswaldo André, Affonso Romano de Santana, que escreveu: “alguns de seus textos eróticos e sociais são das melhores coisas que tenho lido ultimamente” (Revista Status, SP), Nélida Pinon, Jeter Neves,Nevinha Pinheiro, Geraldo Dias da Cruz, Lúcia Machado de Almeida, Murilo Rubião, Elias José, Saul Martins, Tancredo Neves, José Aparecido de Oliveira, Nelly Novais Coelho, Tereza Malaquias, Astrid Cabral, em artigo publicado pela revista “Colóquio/Letras”,de Lisboa, onde enfatiza “a voz dramático-nostálgica do mundo rural ameaçado” de um autor “estranhamente ausente da nova poesia brasileira, situada num emparedamento subjetivo, propiciador do isolamento e da sofisticação verbal”. Algumas menções anotadas e arquivadas em 13/04/2009: Transcrito de um e-mail de José Roberto Balestra: “Terminei de ler seu post “Diário de Leitura de Proust” e o outro, também acerca de Marcel Proust. Fiquei maravilhado com suas interpretações e com as lições que dali recolhi. Aprendi demais. Aliás, você é um mestre mesmo. Que bom que o descobri aí nessa Divinópolis, escondidinho-da-silva. Adoro esse tipo de leitura sua”. Da poeta belorizontina Adriana Versiani: “Parabéns pelo belíssimo texto publicado no site “Cronópios”. Pessoas como você precisam ser lidas e relidas. Meu dia amanheceu mais rico”. Da poeta divinopolitana Marilda Mendes: “Suas palavras são deliciosas. Você precisa providenciar um livro só com elas, para o público levar para todo lugar.... Você faz despreender o sentido pleno das palavras alheias e melhor concentrá-las numa nova construção...”. De Billy Cletus, da Inglaterra, em e-mail traduzido por Ana Paula Barreto Lopasso, sobre meu blog literário: “publicação legal. Este é realmente um blog muito bacana. Continue fazendo este belo trabalho. Eu voltarei”. De Lizete Souza Passos, de Porto Alegre: “Adorei no seu blog o texto “Colcha de Retalhos”, de antropologia com nuances de filosofia e de psicologia. São idéias assim que ajudam as pessoas a se conhecerem sem a necessidade de uma receita pronta, pois cada um pode escolher sua maneira de conduzir-se”. De Ana Hatherly, escritora e poeta portuguesa: “Recebi as suas leituras de INTERFACES DO OLHAR” (livro dela). “Fiquei verdadeiramente surpreendida e gratíssima pela sua leitura e conseqüente escrita. É muita generosidade sua mas o que mais conta é o brilho de sua escrita. Felicito você e felicito-me a mim por ter um leitor assim.... Bem haja por tudo”.

sábado, abril 11, 2009

A POESIA MARTIRIZADA

Stalin, Mao, Hitler e Fidel: o quarteto satânico dos maiores genocídios do século vinte, cada um em seu ensanguentado território.. O século das falsas verdades, das enganosas ideologias políticas, dos olhos vorazes e dos corações empedernidos, dos bigodes de arame farpado, dos punhos e dedos de ferro e fogo. Entre os intelectuais, artistas e escritores criativos, sacrificados pelo regime stalinista, figura a bela figura humana de Anna Akhmátova (1889-1966, que “carregava a marca do sofrimento: perseguida pelas autoridades da tirania, que a proibiram de publicar suas obras, ela teve que enfrentar o fuzilamento do primeiro marido, a morte do terceiro num campo de concentração e a terrível angústia de ver os filhos encarcerados por lutarem contra a barbárie, ela deu vida a um dos maiores testemunhos literários do sofrimento individual sob a opressão política” – como reza a contracapa do livro “Antologia Poética” (L&PM Pocket, Porto Alegre, 2009, tradução de Lauro Machado Coelho). Num dos poemas ela denuncia claramente: “esta terra russa gosta, Gosta do gosto de sangue”. Seu povo (acrescento aqui, agora) sai do Tzar e cai no Stalin. Na página 28 da Apresentação do livro, o tradutor Lauro resume a relação das vítimas: “Todos os contemporâneos de Akhmátova tiveram um fim trágico: Marina Tsvietáieva, que não resistira ao exílio no Ocidente, voltou à União Soviética para suicidar-se em Ielabuga, na Tartária, em 1941; Ossip Mandelshtám passou muitos anos no exílio interno, morrendo em um campo de concentração, em circunstâncias obscuras, em 1938; Nicolai Zabolotski também esteve preso entre 1937 e 1947, e Daniíl Kharms, que com ele criara o iconoclasta grupo Oberiu, desapareceu em um campo de concentração; Boris Pasternák passou o fim da vida em terrível isolamento, após o episódio da publicação do romance “Doutor Jivago” no Ocidente (Milão, 1957). Mesmo escritores que tinham aderido à Revolução, acreditando poder estendê-la também na vida cultural, tiveram um fim trágico. Blok morreu em 1921, exausto e desiludido, sentindo-se – como ele próprio disse à Akhmátova – como “um cadáver que escreve poesia”. Serguêi Essiênin (1925) e Maiakovski (1930) suicidaram-se, igualmente desiludidos. Isaac Babel, Boris Pilniák, Vladimir Nárbut, todos eles desapareceram durante os expurgos da década de 1930. Mas antes deles todos, já tinha partido Nilolái Gumilióv, primeiro marido de Anna”. Óssip Mandelshtám foi bem explícito no poema (que causou sua prisão) satírico contra Stalin (página 35): “Os dedos desse assassino de camponeses são grossos como salsichões, e as palavras caem de seus lábios como chumbo. Seus bigodes de barata vibram, e o cano de suas botas é reluzente. À sua volta, há um rebanho de líderes de pescoço fino, homens pela metade, que o bajulam e com quem brinca como se fossem animais de estimação.” Em represália este poeta morreu “num campo de concentração em 1938, aos 47 anos de idade, com as faculdades físicas e mentais totalmente destroçadas”. Destino ainda pior “tiveram o grande diretor do Teatro Meyerkhold, espancado na prisão até à morte, e sua mulher, a notável atriz Zinaída Rakh, assassinada por agentes da polícia secreta, dentro de seu apartamento, com 32 punhaladas, inclusive duas nos olhos”. Na página 44 é a própria Anna que afirma: “Vivemos cheios de medo, criamos os nossos filhos para o carrasco, a câmara de torturas e a cela da prisão”. No redemoinho de lamentações, ela separa, um e outro momento, para abrandar o próprio coração e o do leitor, com estrofes de inegáveis branduras líricas, como a da página 69: “Dentro de cada ser há um segredo a que nem a paixão consegue acesso, inda que os lábios fundam-se num beijo e o coração de amor se despedace”. Temos motivos de sobra, para repugnar e execrar e exorcismar os mandantes e os mandados daquele horrível período histórico e, também, dos retardatários ainda vigentes em obscuras partes do mundo, em obscuras partes de nosso Brasil vítima de tantas insinuações ideológicas infundadas. Anexo 1: A MÃE (Paráfrase que faço de uma estrofe de Anna Akhmátova, depois de ler um poemeto (página 96) que ela escreveu ao perder o filho martirizado): “Madalena batia no peito e chorava. O discípulo favorito convertera-se em pedra”. A Mãe em silêncio se erguia, infinitamente. Para esta mãe do sacrifício e do amor “ninguém ousava erguer os olhos e olhar”. Anexo 2: A MÚSICA DE MARINA EM ANNA (*). Entre o prefácio e o epílogo, na fronteira do miraculoso, a música inefável arde nela em tons visíveis e audíveis, provenientes da intimidade que o semblante retém e a palavra aproxima do inolvidável - e é assim que a própria dor teme emascular do tênue embalo a perene recordação depois que o último olhar dela escrever no ar, os versos: “ela ainda estará comigo no túmulo como o canto do primeiro trovão”. É assim, nela, que as flores explodem magnânimas nos versículos da sonoridade. 

(*) Paráfrase de um dos poemas que Anna dedica à memória da amiga e colega Marina Tsvietáieva, página 109.

quinta-feira, abril 09, 2009

OS RETALHOS DO TECIDO VI

Reminiscências. Revolução segundo Gilles Pentecorvo, autor do filme “A Batalha de Argel”: difícil é começá-la. Mais difícil é lhe dar seqüência. Mais difícil é conseguir vencer todos os obstáculos. E depois vem outra dificuldade ainda maior: conseguir a realização dos objetivos propostos. Na época do desenrolar dos acontecimentos (1962) a situação política da França não aceitava Sartre como solidário e menos ainda como oposicionista. O filme tem roteiro e diálogos concisos, implacáveis. A luta pela liberdade honrosa contra a dominação desonrosa. Liberdade, orgulho, independência – palavras uníssonas do povo nas ruas, no final da revolução sangrenta, quando então nasce a bela e querida nação argelina. Sentimentos. Quando o corpo emocionado até arrepia, ah, é o sinal que a alma está bem viva e feliz dentro dele. Mas se você foi submetido a um implante de dentes, que não lhe permite comer nem falar direito, ah, esqueça de Deus e do Diabo. Você é apenas um cara constrangido e infeliz. Só muito depois de se acostumar com as ferraduras na boca é que voltará a respirar e a sorrir, sabendo, outrossim, e por conseguinte que o final de um desejo é o começo de outro desejo. Disfunção Pública. No atual (que já parece eterno) governo petista, os funcionários (não confundir com os trabalhadores) públicos nadam de braçadas. Acreditam piamente que todos os dinheiros arrecadados dos impostos são exclusivamente para remunerar a preguiça e a improdutividade deles. Só o Judiciário (sobre o qual até então não pesava tanta acusação de improbidade) no Estado de Minas gastou 1,7 bilhão de reais em 2008, sendo que 94,4% foram gastos com os funcionários, (assim está em letras garrafais na primeira página do jornal HOJE EM DIA, de 0910402009). Millôr Sempre Melhor. “Está bem, Deus é brasileiro. Mas para defender o Brasil de tanta corrupção isso só colocando Deus no gol. ( ) Acho que se os animais falassem não seria conosco que iam bater papo. ( )...A televisão brasileira enfrentará terríveis dificuldades – como já esgotou o estoque de tolices, vai ter que apelar para a inteligência. ( ) Acho a árvore, sobretudo a mangueira, a coisa mais civilizada do mundo. Mas a árvore mais importante, devo reconhecer, é a genealógica. Que nada tendo de lógica, é a de raízes mais profundas. E que dá mais galhos.( ) Pode ser engano, mas, pela situação do mundo, parece que o leite da bondade humana azedou de vez. ( ) Brasília é o desnecessário tornado irreversível. Brasília prova: os países também se suicidam. ( ) Eu não nasci pra viver, mas pruma coisa muito melhor, que ainda vou descobrir o que é. ( ) Collor não tem aquilo roxo, como é pau pra toda obra, sempre com o Cooper feito (1991). ( ) Os comunistas remanescentes continuam não admitindo que idéias não usadas também enferrujam. ( ) Se agir com dignidade e probidade, você não melhorará em nada o mundo – mas haverá na terra um canalha a menos. ( ) Os corruptos são encontrados em várias partes do mundo, quase todas no Brasil”. Aurora, o Filme (de F. W. Murnau – 1927). A canção em dueto do homem e da mulher pode ser ouvida em toda parte do mundo. E o sorriso da aurora docemente amargo, amargamente doce. Cores e sons, abraços e adeuses, as nuances e os clarões da escuridão nos momentos e nos lugares onde viceja a necessidade do amor entre os sexos. Nas margens, incógnitos, brilham e escurecem a graça e a desgraça, o beijo mortal da intemperança, o veneno dentro da maçã, o distúrbio inteiramente nublado de uma melindrosa aurora. A dúvida espouca no ar como uma bolha: o amor pode engendrar um crime? É capaz de cometer o pior dos males? A cena é dolorosa até para o cão amarrado no esteio da porteira. Depois, na execução do plano maléfico, as águas pesavam nos remos cúmplices. Os sinos de todas as igrejas do mundo tocam sobre a impensável tentativa do homicídio e sob o arrependimento na hora fatal. Sentimos então que a vida é mais importante que o amor e que o amor é mais importante que a morte. Aí a pureza vence o pecado e a lágrima, que era a flor da vítima torna-se na dor do algoz. A reconciliação dos cônjuges acontece aos pés do altar da fé no amor da verdade e da beleza, eternas. E assim os dois, atrapalhando o trânsito dos apressados, foram felizes para a vida em comum de todo o futuro deles. A própria escuridão fica verde e azul, com os respingos dourados. Depois da tempestade vem a bonança, depois do negrume estarrecedor vem a aurora ensolarada.

segunda-feira, abril 06, 2009

PARTENOGÊNESE (*)

A criação começa numa espécie de cansaço subjetivo. E é assim que nos ouvidos não se cala a luta dos instantes. Os vermelhos da trovoada, os verdes da brisa: um estrondo de lá, um cicio de cá, sons amarrados em cardumes infláveis queixam-se de algo indefinido, gemem diante de irreconhecíveis prenúncios, confinando-me num dinâmico círculo secreto. E logo um abismo se abre aos sussurros, para em seguida fechar-se no vácuo das vozes possessivas, também irreconhecíveis. Acomodo-me na espreita, atencioso, para filtrar e processar o pesado silêncio que se abate sobre a relva crescendo no chão vivo, como a desventura que vem de fora para dentro de mim: do trânsito dos caminhos para o arreio de minhas costas. Coçava a cabeça na impaciência, quando ouvi uma campainha anunciando o cordel das palavras em rimas paralelas, verticais e horizontais... Só então compreendi, venturoso, que os versos, que os versos que se me ditavam, acomodavam-se na alvura do caderno. 

(*) Paráfrase do poema “Criação”, de Anna Akhmátova, traduzido do russo para o português por Lauro Machado Coelho.

sexta-feira, abril 03, 2009

A PAIXÃO DE CRISTO

Jesus Nasce Feliz Natal Agora Agora sou mais ligeiro na educação dos pensamentos. Agora sinto, em apaixonada estupefação que a crença de Abraão, a passagem pelo Mar Vermelho, a ereção do Reino de Davi, a deportação para a Babilônia e a revolta dos Macabeus, todos esses fatos acenavam a Vinda de Cristo. No princípio era o Verbo e o Verbo e o Verbo e o Verbo era Jesus. E agora o Verbo se se fez carne e habita entre nós. Bem haja, pois.

quinta-feira, abril 02, 2009

OS RETALHOS DO TECIDO V

Atualização de Conceitos. “A pedofilia é a perversão dos fracos e dos impotentes” – Sigmund Freud. - “Há algo de profundamente distorcido em nossas visões amplamente aceitas quanto ao que significa viver uma vida de bondade” – Peter Singer. - A criança abusada pelo pedófilo “pode se tornar abúlica ou muito agressiva, perder a capacidade de sonhar ou reviver a cena em pesadelos, ser tomada por sentimentos de perseguição...”. – Renato Mezan. - “É comum, no Brasil, reclamar das penas aplicadas pela Justiça: muito baixas para crimes hediondos, muito duras para ladrões de galinhas, quase nulas para colarinhos brancos”. – Laura Diniz. A Encomendação de Almas em Marilândia. A Encomendação de Almas é uma prática não litúrgica do catolicismo popular nas regiões brasileiras (como Marilândia) onde a religiosidade popular é mais aguçada e copiosa. Mas a celebração está sofrendo o processo de esvaziamento e tende a desaparecer no roldão pragmático e tecnológico dos novos tempos. Como conseguir hoje nas áreas habitacionais urbanas um cenário de silêncio e de solidão no, qual os celebrantes possam seguir em compenetrada procissão, entoando seus melancólicos cânticos? É um rito de passagem das noites de quarta e de sexta-feiras da quaresma, que se contextualizava nas ruas ermas e escuras de tempos mais remotos. Com o surto do progresso material, que introduziu o movimento noturno das fábricas e dos bares em ruas iluminadas e repletas de automóveis, a celebração do culto encontra dificuldades de “clima” propício à encomendação das almas, uma prática por assim dizer confidencial, mesmo em público. Regras como a do acompanhante de não olhar para trás (para não ver as almas no acompanhamento) e de os moradores não abrirem portas e janelas das casas (para não verem as almas dos mortos no meio dos corpos dos vivos) ficam impossibilitadas em ruas de movimento noturno e de trânsito automotor, para não falar na luz elétrica da posteação, que ofusca a luz mortiça das velas conduzidas pelos participantes, mais condizente com a melancolia imposta no intercurso vivencial entre os vivos e os mortos, no jogo místico de pedir e oferecer as boas graças através das orações e penitências. Lembro-me dos rezadores locais dos velhos tempos: Tonho Norico, Olímpia do Doca, João Redondo, Antônio da Bibia, Zé Camilo, Dona Euzébia e seus filhos, e tantos outros: “encomendavam as almas”, cantando no ardor da fé e no lento fluir das passadas na rua silenciada, a lembrar-nos que o sono é a morte e a cama é a sepultura: “Alerta, alerta, ó pecador, deste sono adormecido”. Platão Sim, Auto-Ajuda Não. Autorizado pela inequívoca sabedoria, Platão assegura que o relacionamento da alma com a paixão tem que ser despótico. O ser humano tem que ser duro na queda para não se espatifar – acrescento, tomando a palavra, séculos depois. Tem que arrancar da mente, do instinto e do coração os impetuosos tentáculos do desvio comportamental, ou seja, tem que desmitificar as delícias da tentação que muitas vezes veste a roupa do pecado contra a própria natureza. O remédio, no caso, é a renúncia, único dispositivo que recupera a temperança do equilíbrio emocional. O que estou a dizer nada tem a ver com as leréias da auto-ajuda, mas tem uma raiz filosófica incontestável. Contestação. Não é por livre vontade que sou triste assim em toda a vida. Perdi o pai aos seis anos de idade... Preciso dizer mais? Cresci na orfandade absoluta. E só agora entendo que Deus não existe como no-lo ensinam que existe. ELE é a luz, a força é a planta, é a chuva é a terra, é o ar, é o homem, é a mulher. Que eternamente cada um cuide de si, enquanto o dia e a noite fazem o amor entre o berço e a sepultura.