terça-feira, setembro 29, 2009

CÂNTICO DAS CRIATURAS SEGUNDO THOREAU

Certo agricultor me disse: “não se pode viver somente à base de alimentos vegetais, porque eles não fornecem matéria prima para os ossos.”- E enquanto falava ia atrás de bois que, com ossos feitos através de vegetais, arrastavam o arado pesadão, vencendo todos os obstáculos. - Estou convicto de que faz parte da raça humana, em seu progresso gradual, abandonar o hábito de comer carnes animais, do mesmo modo que as tribos selvagens abandonaram a antropofagia ao entrarem em contato com os mais civilizados. - (Os políticos) “amam o solo que lhes fornecem os túmulos, mas não sentem nenhuma simpatia pelo espírito que ainda lhes anima o barro”. - O vento matutino sopra incessante, e contínuo é o poema da criação, mas poucos são os ouvidos para ouvi-lo. O Olimpo não é menos do que a superfície da terra em toda a extensão. - Os homens se transformam nos instrumentos de seus instrumentos.... Adotamos o Cristianismo como se tratasse simplesmente de um método de agricultura aperfeiçoado. - Os seres humanos não amam a natureza.... Falais do céu, ó vós, que degradais a terra. - Se a alma não é dona de si mesma, a pessoa olha e não vê, escuta e não ouve, come e não sabe o gosto da comida. - Às vezes a melhor companhia é a solidão. O movimento das pernas não aproxima uma mente da outra. Deus é só, já o diabo, ah, ele é legião. Se o homem não acerta os passos com os seus companheiros é porque talvez ouça uma música diferente. - O Olimpo está em toda superfície da terra, o vento é o poema da criação. - Os que abatem a floresta deviam ter o temor místico dos antigos romanos – eles acreditavam que cada bosque, de qualquer parte do mundo, era consagrado a Deus. - Homem nenhum caiu no conceito por ter um remendo na roupa.... Tenho certeza que comumente há maior preocupação em estar na moda, com roupas sem remendos do que ter a consciência tranqüila...: por isso conhecemos poucos homens e uma infinidade de palitós e calças. - Não vos limiteis a ser provedores dos pobres, mas tentai tornar-vos as próprias riquezas do mundo. - Se feito uma aranha, eu fosse confinado a um canto do sótão o resto dos meus dias, o mundo para mim seria imenso desde que estivessem comigo os meus pensamentos. - Nunca encontrei companhia que fosse tão companheira como a solidão.... O gavião não era solitário, mas fazia com que a terra toda em baixo fosse solitária. - O melhor governo é o que governa honestamente. Primeiro temos que ser homens e só depois, súditos. - O homem rico está sempre vendido à instituição que o enriquece. - Numa manhã de primavera, todos os pecados dos homens são perdoados. Um dia assim é uma trégua ao vício. - O fim do inverno precede o verdor e a floração da primavera.. A terra está sempre nos cueiros e estende por todos os lados seus dedinhos de bebê. - O que seria de uma terra sem coelhos e perdizes? - Seria melhor se todos os prados do mundo voltassem ao estado selvagem – isso poderia acontecer se os homens se esforçassem para se redimirem. - A poesia antiga e a mitologia indicam que a lavoura foi outrora uma arte sagrada. - Eu caminhava até dezesseis quilômetros para visitar velhos amigos: um pé de faia, uma bétula amarela, um pinheiro. - Infelizmente “os seres humanos não amam a natureza.... Falais do céu, ó vós, que degradais a terra”. 
(*) – Transcrições do livro “Walden ou a Vida nos Bosques”, de Henry D. Thoreau, tradução de Astrid Cabral, Global Editora, RJ, 1987.

AMAZÔNIA

A Amazônia, em estado de natureza, era um dos edens terrestres: enquanto as flores dormiam, as frutas nasciam. Agora, em estado de civilização, é um dos infernos terrestres. O bicho-homem é o mais feroz dos animais: não pode ver uma árvore, não pode ver uma onça pintada, não pode ver um pássaro feliz, não pode ver um rio limpo (alimentando e felicitando a população aquática), não consegue evitar o malefício sem depauperar o benefício. A Amazônia de ontem, que nunca vi (real e onírica ao mesmo tempo), virou a de hoje, que clama aos céus: um jardim transformado em chiqueiro. Vade retro, satanás.

ENTOMOLOGIA (*)

Os invertebrados, nossos outros irmãos. Seremos dignos deles? A gracinha que é a minhoca no chão hermético, toda contorcendo-se, oleosa e límpida (sem as ventosas arrogantes da ilusória liberdade). A borboleta egressa de um limbo encantado, lindaflor destituida de haste: um leque de invisíveis anjos? As formigas e as aranhas do quintal buliçoso: suas correições e teias, terrosas e aéreas, em suas residências subterrâneas e aladas. As crianças mandam beijos afetuosos. O velho tira o chapéu, solenemente. A moça engana a si mesma, trocando, ora a inteligência pelo amor, ora a fruta por uma flor... Quanto aos invertebrados, ah os invertebrados! Que sejam comidos pelos pássaros (que são outras criaturas angelicais), é um erro clamoroso (necessário ou irresponsável?) da Mãe Natureza. 

(*) Ramo da ciência que estuda a vida dos insetos, seres minúsculos que povoam o planeta, divididos em mais de um milhão de espécies. Aparentemente inofensivos, muitos transmitem doenças aos seres humanos, além de atacarem suas plantações. A natureza é a fonte da vida, que jorra seus valores de vida e morte. Assim é que é a Vida e a Morte.

AS QUATRO ROLINHAS BRANCAS

A primeira sorria em forma de canto, apessoada em terra firme nas beiradas de um céu confiável. A segunda voava célere em forma de sorriso, deixando nos traços de suas asas a euforia das penas plantadas em carne tenra. A terceira deambulava sob a chuva fina nas baladas andróginas dos trovadores medievais em plena modernidade balouçante. A última olhou-me do alto da mangueira (e seu olhar piscava algum reconhecimento?), melancolicamente. Alguma mágoa enrustida na brandura? Eu, eu fiquei bobo de ver.

segunda-feira, setembro 21, 2009

VIAGEM AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

I - Casamento em Las Vegas Ao contrário do que muitas pessoas possam opinar, sair do Brasil e entrar em território estrangeiro não tem nada de estranho nem de anormal. Todo ser humano conscientizado é um cidadão do mundo. Foi assim, mais uma vez predisposto, que viajei com a família |(Inês, Ana Paula e Paulo Henrique), primeiramente pelo interior do Paraguai e da Argentina, depois por vários países da Europa, depois pela belíssima Portugal e agora pelos Estados Unidos da América do Norte. Nada de estranho, como disse, a não ser pela diversidade idiomática, amenizada pela companhia quase poliglota dos filhos, que trabalham em empresas multinacionais e viajam, a trabalho, pelos países de idiomas diferenciados. O fuso horário também complica um pouco, mas é logo assimilado. Partimos da cidade de São Paulo rumo a Las Vegas, especialmente para festejar o casamento do Paulo com a Layla na Victorian Chapel, cerimônia transmitida ao vivo pelo site www.littlechapel.com – que foi algo insólito para nós e muito agradável. Aproveitamos a estadia na festiva cidade para conhecer a antiga região das pradarias retratada nos faroestes das pugnas entre os invasores e os aborígenes. É hoje uma magnífica cidade artificial, como a nossa Brasília (que é a cidade dos aborrecimentos, enquanto que Las Vegas é a cidade dos divertimentos, apesar dos infindáveis, diuturnos jogos de azar em salões que são como quarteirões luxuosamente cobertos, espelhando a multidão de curiosos e viciados). Em linhas arquitetônicas gerais a visão citadina reflete uma espécie de decalque etnológico dos estilos consagrados nas partes mais civilizadas do mundo. Os fabulosos investimentos financeiros visam a fruição da excelência conjuntural fartamente engalanada, confirmando a sadia convicção de que o que sai caro no momento da construção torna-se barato depois dos lucrativos resultados. É assim que o festival das imagens coloridas, diversificadas e metaforicamente dinâmicas, brilha na ocupação de um ar despoluído e amplificado no planalto regional. Ficamos no Hotel Excalibur, (de 3.990 apartamentos amplos, confortáveis e confiáveis), que administra, em seu andar térreo um comprido e largo cassino de jogos de toda espécie - e também a praça de alimentação, com as alas de ida e volta em toda a extensão de uma de suas extremidades, oferecendo, dia e noite, fartamente, os petiscos, frutas, doces e comidas típicas de várias partes do mundo. Las Vegas é uma festa constante em todos os seus recantos. Desfrutamos dias e noites desse singular embevecimento, incluindo a reprodução de uma Veneza com o céu artificial de cores e nuvens, o pequeno braço do mar com suas gôndolas – e o requintado jantar festivo do enlace matrimonial dos noivos. Visitamos o Museu de Cera Madame Tussaud repleto de imagens vívidas de astros e estrelas do cinema, ases do esporte e figuras históricas da política. Toda gente batendo foto diante das esculturas, abraçando num passe de mágica Elizabeth Taylor, Elvis Presley, Angelina Jolie, Brad Pit, Marilyn Monroe, Frank Sinatra e dezenas de outros semi-deuses da humanidade rotineira. E assistimos, ainda, o belíssimo espetáculo Crazy Horse (de Paris), um estudo poético e coreográfico do nu artístico, que vem fazendo sucesso nos grandes centros mundiais apreciadores da bela arte do gênio francês. Algo visionário, fruto da imaginação, bem ali diante dos olhos agraciados de centenas de espectadores.
II - Turismo em Nova York De Las Vegas a Nova York atravessamos o território americano (e um fuso horário de quatro horas) das imediações dos Oceanos Pacífico ao Atlântico. Do aeroporto ao Hotel Belvedere em plena Broadway, fomos, já de noite e (imaginem) numa limousine em forma de táxi. Isso numa terça-feira, quando jantamos num restaurante tailandês. No dia seguinte percorremos o Times Square até o Rockfeller Center, almoçamos na 5th Street e fomos até a belíssima St Patrick Catedral. Depois chegamos ao Grand Central Terminal, onde entramos no metrô para Bowling Green, sul de Manhattan, onde pegamos um ferryboat para Staten Island, a fim de contemplar de perto a Estátua da Liberdade e o longo e belo visual da Ilha de Manhattan. Depois seguimos até Chinatown, onde jantamos uma exótica e autêntica combinação (orange chicken - frango agridoce caramelizado e szwan prawns - camarões gigantes apimentados). No retorno passamos por Litlle Italy e vimos o começo da grandiosa festa popular de San Gennaro. No dia seguinte visitamos o Central Park , imensa área ecologicamente correta, o verdadeiro pulmão da metrópole, onde passamos toda a manhã, deliciando-nos com a pureza do ar, o verdume do arvoredo centenário, a algazarra e trampolinagem dos pássaros e dos esquilos e com o otimista semblante das pessoas de todas as idades. Na volta passamos ao Metropolitan Museum (três andares de um prédio imenso repletos de obras primas da arte escultórica-pictórica eterna e universal. Não conseguimos ver tudo, mas ficamos boquiabertos com o que vimos. O ser humano, em seus excepcionais momentos de criatividade, tem algo de sobre-humano, quase divino. Só não assume esse dom quem não quer. À noite fomos ao requintado Palace Theatre, no coração da Broadway, para ver e assimilar o dramático lirismo da peça “West Side Story”, de Jerome Robins (que inspirou o filme – clássico dos clássicos – “Amor, Sublime Amor). Sou fanático (quero dizer: mais que um simples fã) pela dupla encenação do teatro e do cinema – e no momento nem disponho de palavras para exprimir o deleite da assimilação de tal espetáculo. No dia seguinte assistimos no matinê do Longacre Theatre (ainda na Broadway, claro) ver a espetacular representação da capacidade humana de encantar a deus e a todo mundo, intitulada Burn the Floor, uma encenação coreográfica-musical envolvendo 22 exímios artistas (11 de cada sexo), projetando em termos de dança, evolução, vocalização, graça e habilidade, em dois longos atos, os números representativos (recriações buliçosas, aéreas, tocantes) de samba, rumba, cha cha, valsa vienense, swing, salsa, tango, passo doble – os melhores anjos da graça celestial de uma possível transcendência.

O gigantismo populacional-comercial e institucional de Nova York salta aos olhos sem ferir a harmonia social das vivências individuais. Não se percebe pressa nem stress nas fisionomias das pessoas, nem receios ou desconfianças. Cada pessoa está à vontade no meio da multidão, confirmando a noção de que existe um controle espontâneo e invisível do bom governo, que proporciona a compatibilidade coletiva a favor do bem estar social da individualidade. Creio que a grandeza edificante da cidade provém do farto e corajoso investimento moral e financeiro orientado no bom sentido político (sem desvio de verba pública, sem superfaturamento, sem as manjadas emendas parlamentares). Sabemos que o dinheiro puxa dinheiro e que só é bom e produtivo se esparramado na reunião dos empenhos de valores numa mesma afinidade meticulosamente, cientificamente projetada. O tino administrativo, a reserva financeira, a apropriação científica da tecnologia e a boa receptividade na comunidade: são os elementos propícios à iniciativa, continuação e conclusão dos grandes projetos urbanos, resultando em metrópoles sem estagnação, através das artérias subterrâneas, superficiais e aéreas, dando vazão às idas e vindas da população pedestre e da usuária dos automóveis, ônibus, trens, metrôs, de forma que às vezes uma rua parece possuir três andares: o viaduto para os carros, a superfície para os pedestres e o túnel para os metrôs. Assim, através da visão, do esforço, do empenho, do interesse e do amor das pessoas (investidores e trabalhadores) nascem as cidades que podem tomar Nova York como modelo, assumindo os problemas e as soluções, as dificuldades que podem transformar-se em facilidades de vivência e de convivência, tudo através da fé na possibilidade de transformar em realidade os objetos dos sonhos (inalcançáveis no desânimo, na desonestidade, na letargia e no pessimismo – e plenamente alcançáveis através do ânimo, do desprendimento, da honestidade, do otimismo e da dignidade). Assim é a Nova York que tivemos o prazer de ver. Com tanta gente com tanto poder aquisitivo, a rentabilidade fica garantida e o desenvolvimento também. Tudo funciona porque tudo satisfaz às necessidades primárias e superiores das pessoas: trabalho, alimentação, lazer, convivência e transcendência. Para cada carência, uma satisfação, É assim que a tendência da utopia emparelha-se com a do que chamamos de felicidade humana.