SINAIS DO TEMPO
Tentei e não consegui escrever um texto sobre o sanguinário massacre do Realengo, no Rio. Cheguei a começar com as palavras: “as crianças são as pessoas mais importantes do mundo, as mais graciosas e sinceras, as mais delicadas, as mais vulneráveis. Ninguém tem o direito de maltratá-las nem os próprios pais e mães”. Todas as palavras seguintes foram interrompidas por lágrimas ardentes, amargas, sufocantes. O assunto estava acima de minha capacidade de domar o coração, que não suportava tanta dor, tanta tristeza. A infelicidade dos personagens, incluindo a do próprio autor do massacre travava minhas mãos nas folhas de papel e no teclado do computador. Estamos vivendo num tempo e num mundo possuídos de inexorável perdição? Não consigo suportar tal barbaridade, não disponho de serenidade momentânea para escrever sobre o assunto. Lamento. - O beato e o ateu situam-se em posições opostas e no mesmo ramo de atribuições. O ateu respira mais livremente, é mais dono de si mesmo, e às vezes até extrapola da convicção, tornando-se arrogante em vez de consciencioso. O beato também extrapola, julgando ser dono de uma verdade improvável, da qual apenas ouvir falar, passando adiante uma veracidade flexível. Quando acontece algo de bom, ele diz que Deus é bom pai; se é algo ruim, diz que Deus sabe o que faz. Uma argumentação muito cômoda, não? Tal crendice assim gratuita é um tanto blasfema, não? Pois justificando a (im)provável ação de Deus, o beato ao falar em nome de Deus assume os atos Dele (como se fossem de sua própria e humana autoria). Nesse ponto o papel do agnóstico é mais razoável: não precisa assumir o peso de acreditar naquilo que não entende. O escritor Robert M. Pirsig é muito claro ao afirmar que “quando uma pessoa sofre de um delírio, isso se chama insanidade. Quando muitas pessoas sofrem de um delírio, isso se chama religião”. - “Estamos vivendo no tempo das invasões bárbaras” – assim Ítalo Calvino, romancista italiano, escreveu em 1962. “Os bárbaros desta vez” (ele acrescenta) não são pessoas: são coisas. São os objetos que acreditamos possuir - e que nos possuem”. Penso que hoje, muitos anos depois, os bárbaros pessoais invadem novamente os redutos civilizados com toda a gana e garra de uma incontida alienação mental, que afetam e dominam a parte mais jovem da humanidade, que não sabe ou não quer manter-se socialmente, a não ser assimilando práticas irracionais de despersonalização, bagunçando o ambiente de suas vivências com os usos e abusos de um rol de vícios virtuais e alienantes. O resultado da parafernália é que as pessoas comuns estão ficando com medo até de andar nas ruas – e as crianças correm riscos até dentro das até então inatacáveis escolas infantis. Os hunos e os godos estão em toda parte, com suas estranhas ameaças. - Creio que a alternativa de quem não possui outro amparo, outra possibilidade de escolher a própria trajetória salutar no emaranhado dos caminhos, é entrar no clima das belas artes e dos exercícios esportivos. Que o leitor tente, como eu, entrar no clima da boa música (clássica e mesmo popular), na literatura dos grandes mestres, na imensidão visual da natureza ainda não degradada e nas obras dos consagrados pintores e escultores (mesmo em Divinópolis temos a pintura do Heraldo Alvim e do Waldir Caetano e a escultura do GTO e do Jadir João Egidio, a poesia de Adélia Prado e de Osvaldo André de Mello. Ou então, e também, entrar na vivacidade do campo e da floresta nas regiões rurais, subir e descer os caminhos e campinas, adentrar mentalmente nos infindáveis arcanos de uma noite escura ou enluarada.... - Sou radical nas palavras e nas teorias, mas condescendente nas ações cotidianas. Prejulgo o castigo, concedendo o perdão. Assim eu diria, se dissesse. Ser velho é triste? É. Mas o que se há de fazer? Se não fosse velho, já estaria morto. Viver é perder os parentes e amigos e a própria pessoa, ao longo do tempo, que também se perde, para quem um dia morre. A sensualidade é uma árvore de muitos galhos. Dois deles chamam mais atenção: o redentor e o promissor.