quinta-feira, setembro 20, 2012

AS MESMAS PALAVRAS HUMANAS

Osvaldo André de Mello está de livro novo na praça. Louvai por isso ó amantes dos bons gostos e das boas maneiras que prezam e cultivam os bens da Natureza e da Humanidade: a preservação da flora e da fauna e o inestimável culto do amor humano entre os semelhantes.

Lembro-me de ter afirmado sobre seu primeiro livro “A Palavra Inicial” (edição do Movimento AGORA, Divinópolis, 1969, capa de Waldyr Caetano) que o autor era o portador natural de uma espécie de “inteligência do instinto: uma luz sem razões visíveis”, que iluminavam e refletiam as coisas como se elas viessem “de uma fonte ainda não tombada no patrimônio da razão... com a autoridade de quem conhece a fundo, de quem nem precisa estudar para saber”.

Confirmo o que escrevi sem tirar nem pôr uma palavra sequer. A respeito de seu livro seguinte “Revelação do Acontecimento”, de 1974, a grande e inesquecível poeta Henriqueta Lisboa afirma com toda sua sensibilidade e lucidez:  “o espírito musical” (do trabalho dele, claro) nascido em fluidez, cede à idéia de cristalização no prisma. Assim como se fosse, esta poesia, uma corrente de água a transformar-se em espelho de lago”.

No livro “Ilustrações”, de 1996, ele afirma no poema “Romel Gontijo”, página 13: “O artista é mágico. A voz-pássaro de Yma Sumak, o Bolero de Ravel na música de linhas e cores. Neruda e Lorca, Cecília e Nietzsche nas formas plásticas. O artista é mágico. Não se assuste de ver no papel o cinema de Bunnuel e Glauber Rocha, Fellini e Visconti. Sendo mais, é a pintura de Dali\Gala e Picasso, van Gogh e Paulo Bernardo. O artista é mágico: em suas transparências, as filosofias grega e chinesa. Abre os olhos e devora os movimentos de Isadora e Nijinski. A folhagem-amuleto: comigo-ninguém-pode. O artista é um bruxo. O bruxo e seu talismã: a concha bivalve derrama nos quadros o sumo do mundo”.

Alguém já leu algo mais bonito e certo?, pergunto, leitor contumaz que sou da obra dele e de todos os bons autores de todos os tempos possíveis. Ao longo do tempo ele escreveu e publicou outros livros (além de ajudar muitos autores novos a escrever e publicar muitos e muitos livros – produtor cultural que é por aptidão e condescendência) com a mesma ênfase e qualidade, participou ativamente de toda vida cultural da cidade, dirigindo publicações literárias e teatrais, escrevendo, encenando e estimulando como autor, ator e diretor muitas peças (dramas e comédias), exercendo ainda, em ilibada consciência, dedicação e eficiência, o cargo de Diretor da Secretaria de Cultura, em dois períodos de mandatos governamentais.

Uma personalidade ilustre em todos os bons sentidos, ele é, indiscutivelmente. Agora acaba de publicar o substancioso livro AS MESMAS PALAVRAS (Editora Veredas e Cenários), embelezado e enriquecido com dez belíssimos desenhos do saudoso Petrônio Bax, dileto amigo dele.

O livro é do mesmo naipe, da mesma coerência e burilação dos anteriores, com a virtude de ser um acréscimo de sua instigante poética. Contém os oportunos e relevantes núcleos temáticos: “O Patrimônio Cultural, Eros, A Natureza, A Arte”.

Nada mais preciso acrescentar. Apenas recomendar a leitura a quem gosta do que é bom e espera que os valores estéticos e morais da vida humana prevaleçam sobre as contingências menos felizes.

RESPOSTA DO MACACO (*)

Não sei de onde partiu
O boato que corre em toda parte,
Que o homem descende do macaco:
Besteira igual eu nunca vi.

Não tinha o que fazer
Quem espalhou tal pilhéria.
Quando foi que um de nós deixou
A mulher e os filhos na miséria?

Quem já ouvir falar de um macaco
Que escondeu o coco dos irmãos?
Quem já ouviu falar de um macaco
Que dá o tapa e esconde as mãos?

Outra coisa que nenhum de nós faria:
Sair de casa para de álcool se encharcar,
Ou usar uma arma de ferro ou de fogo,
Para a vida de outro macaco tirar.
Nem pensando faríamos tal disparate.
Todo homem descende de seus avós.
Nunca, nunca descende de nós!

(*) – Paráfrase de um poema folclórico norte-americano.

ESTRELAS DO CINEMA, INESQUECÍVEIS

Barbara Stanwick (nunca o amor foi tão alegre).

Ainda bem não tinha começado a sorrir
E já sorria desde o dia anterior.
E quando acaso o riso findasse,
Ela o acendia na próxima cena.

“Deixa que o amor que já foi chama
Permaneça na brasa”, ela afirma, sorrindo,
Sem jamais capitular.

Deanna Durbin é o quindim da Iaiá.
Ela ainda agora (cinqüenta anos passados)
É a mesma namoradinha das Américas.

Em mim, porém, ela terá mudado?
Eu sim, sei que mudei – e muito.
Ela agora está mais branca que morena?
Mais loura do que branca?
Um sonho juvenil mais ainda?

Conserva uma certa magnitude:
A luz macia sobre as cores vivas...
Ah, bons tempos, os da primeira juventude:
A eternidade pousada num pé de begônias.
É assim que a gente volta ao passado,
Na direção do futuro promissor.

Foi bem ali, no verso sutil da canção,
Que o amor ergueu sua linda face:
Bem ali nas lantejoulas, na linda face De Dorothy Lamour....
Lembro-me que bem ali no cenário
Adredemente enfeitado de lantejoulas,
Ela cospe na cara do bandidão da fita...

Uma graça de contradição:
Uma cuspida na cara, vinda da boca dela,
Não seria o sonho de todo cinéfilo?

LITERATURA – TRECHOS DE UMA ENTREVISTA

A literatura divinopolitana é muito rica: é nesse aspecto que a cidade nem parece ser do interior, mas uma parte dos grandes centros urbanos.

Além de Adélia Prado e Osvaldo André de Mello, ainda brilham atualmente as talentosas figuras de Marlene Moreira, Fernando Teixeira, Jeanne France, Carlos Antônio Lopes, Mercemiro Silva, Fabrício Augusto e muitos outros. Uma riqueza qualificativa e quantitativa.

Sobre o meu trabalho? É uma longa, custosa e fascinante peregrinação de aprendizagem. Acompanho as gerações e estilos dos autores brasileiros desde a infância, a começar por Casemiro de Abreu, Gonçalves Dias... até os nossos dias, priorizando sempre o conteúdo sobre a forma, sabendo que a forma depende do conteúdo, considerando, também, que o conteúdo sem a forma se esvai no caminho da expressão.

A melhor definição que conheço da Literatura é que ela é o local de encontro de duas almas (individualmente e coletivamente). Sabemos que o ser humano de nossos dias coabita, convive com os outros seres humanos de duzentos ou milhares de anos passados através dos poetas e prosadores gregos, russos e ingleses....

Poesia e Prosa: é a mesma coisa se despertam no leitor a convicção da verdade e da beleza de um humanismo iluminado.

 O nome certo para irmanar um gênero com o outro é a palavra Ficção. Ficção no Aurélio quer dizer imaginação, mas esse termo, no mesmo dicionário, quer dizer tanta coisa que se confunde com a própria vida humana.

Mas a literatura ocupa um espaço ainda mais amplo: abrange o ensaio, a biografia, a história, a crônica, todo o humanismo em palavras (em imagens será arte gráfica).

Já publiquei os livros: Árvore no Telhado, Mel e Veneno, A Cabeça de Ouro do Profeta, Aço Frio de Um Punhal, A Lapinha de Jesus (em parceria com Adélia Prado), Minha Bela e Querida Divinópolis, Memorial de Divinópolis, História de Arcos, Memorial do Desterro e A Família Oliveira Barreto, além de participar de muitas antologias no Brasil e no estrangeiro de contos, poemas, crônicas e ensaios.

Participei da fundação e direção de jornais literários (o AGORA e o DIADORIM) – e colaboro na imprensa local desde a década de 70 – e atualmente mantenho uma coluna semanal no GAZETA DO OESTE.

Mantenho em casa, carinhosamente guardados alguns originais de livros inéditos. O exercício da literatura, eu disse uma vez ao saudoso amigo José Afrânio Duarte, “é um fardo pesado, um cálice amargo. A compensação é subjetiva e surge apenas no momento de convalescência de uma longa angústia.

Mas para quem é vocacionado é muito difícil livrar desse exercício por assim dizer masoquista. Seria pior se engolisse sem digerir, se apenas recalcar os movimentos de vida interior que afloram continuamente através de suas condições inelutáveis de ser e de estar neste velho mundo sem porteiras.

Sobre o romance que está no prelo (CANTAGALO): por que escolhi o tema da prostituição nos anos sessenta numa cidade do interior mineiro? À pergunta que me fazem, respondo: fi-lo (como diria Janio Quadros) porque participei, na juventude de todo o envolvimento social da cidade. Vivia no centro urbano e, mais como espectador do que como personagem, participava dos acontecimentos sociais.

Podia ter escrito um texto meramente jornalístico Mas a vocação literária falou mais alto. Creio que nas páginas do livro pude discorrer livremente nas asas fictícias – e revelar o realismo daquela fase naquele lugar, sem ferir susceptibilidades.

Creio que a literatura é uma das mais liberais das ocupações intelectuais. Nela a face da realidade brilha sob o sol e a lua ao mesmo tempo, movida pela imagem do realismo e o conceito da imaginação.

Não há nada de gratuito nem de invencionice no livro. O que está nas páginas é o mínimo do que realmente acontecia naquele lugar naquela época. Milhares de pessoas testemunharam – e alguém teria que revelar, considerando que os atos das pessoas são da alçada de toda a humanidade. E tanto o escritor como o leitor são integrantes dessa mesma humanidade.

JÓIAS DA CULTURA POPULAR

AS FRASES:
Mais vale um gosto do que um carro de abóboras.
O seguro morreu de velho.
Quem quer vai, quem não quer, pede.
Quem tem telhado de vidro não atire pedra no do vizinho.
Quem não deve não teme.
A violência gera violência – só o amor gera a bondade.
Uma mão lava a outra; as duas lavam o rosto.
Quem fala a verdade não merece castigo.
Criança que não chora não mama.
Fruta na beira da estrada: está verde ou está bichada.
Quando um não quer, dois não brigam.
Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
O bom julgar a si se julga.
Quem fala o que quer, ouve o que não quer.
Bate na cangalha para o burro entender.
Quem planta vento colhe tempestade.
O sabido planta verde para colher maduro.
Quem tem boca vai à Roma.
Duro com duro não faz bom muro.
Em boca fechada não entra mosquito.
A morte não é a pior coisa, é apenas a última.
Quem fala demais dá bom dia a cavalo.
Quem ri por último, ri melhor.
Muito trovão é sinal de pouca chuva.
O que vem de baixo não me atinge.
Tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia se quebra.
É melhor comer um pernil com os amigos do que uma pelanca sozinho.
Quem convida dá banquete.
Um é pouco, dois é bom, três é demais.
O bom cabrito não berra.
Depois da tempestade vem a bonança.
Tem mal que vem para o bem.
A mentira tem pernas curtas.
Conversa fiada não enche barriga.
Quem fala o que não deve ouve o que não quer.
Na cara que mamãe beijou nenhum malandro põe a mão.
Por bem me levam ao inferno; por mal, nem ao céu.
Em mulher não se bate nem com uma flor.
A beleza não põe mesa.
A liberdade de um termina onde começa a do outro.
A dor que machuca é a mesma que ensina.
Pão de pobre não cai com a manteiga para cima.
Alegria do carreiro é ouvir seu carro cantar.
Deus manda o frio conforme o cobertor.

AS TROVAS
Quem tem amor não dorme\ nem de noite nem de dia.\ Fica virando na cama,\ igual peixe na água fria.

Lá no céu três estrelas,\ todas três encarreiradas,\ uma é minha, outra é sua,\ a outra é de minha namorada.

Dizem que a bala mata.\ A bala não mata ninguém. | A bala que mais me mata\ é a dos olhos de meu bem.

O tatu é bicho manso.\ Nunca mordeu em ninguém. Mesmo que queira morder,\ o tatu dentes não tem.

Fui ao mar buscar laranjas,\ frutas que o mar não tem.\ Voltei de lá todo molhado\ pelas ondas que vão e vem.

Lá do céu caiu um cravo\ na sexta-feira da paixão.\ Antes fosse um canivete\ para ferir meu coração.

Sete e sete são catorze,\ com mais sete vinte e um.\ Todo mundo tem seu bem,\ só eu não tenho nenhum.

Tu remoças dia a dia,\ e eu vivo mais alquebrado.\ Dê-me o beijo prometido,\ para eu morrer sossegado. (suspeito que esta trova é do Soares da Cunha).

No enterro da Raimunda,\ foi aquela confusão...\. Pois uma parte de seu corpo\ ficou fora do caixão.

Para matar as saudades,\ em ânsias saí correndo...,\ Mas eu que fui matar saudades,\ de saudades voltei morrendo (de Soares da Cunha?).

A noite é fria e sombria\ aquela em que não te vejo.\ Mas se vens em noite escura,\ vejo a lua em teu beijo. (de um samba de Pixinguinha?).

Tu censuras minha pressa.\ No fundo tu tens razão.\ Quem ama guarda o relógio,\ e consulta o coração. (de um samba-canção de Antônio Maria).

O ESPETO E A BRASA

A história do Brasil, em se tratando do comportamento de seu povo, é negligente, dispersiva, inglória desde o Descobrimento, passando por mal dos erros e pecados em todos seus períodos até irromper na chamada idade moderna, também repleta de manchas e ferimentos.

 Os analistas mais lúcidos lamentam as longas durações das ditaduras de Vargas e dos Militares. Mas o que veio no intervalo de uma e depois da outra não é mais auspicioso nem brilhante.  Estamos sempre indo e vindo de Herodes a Pilatos, como se diz.

Os mandatários atuais execram em nome da esquerda socialista a direita capitalista, sem definir qual das duas fórmulas governamentais é a menos pior. Os esquerdistas em nome do tacão comunista venceram e despojaram os direitistas detentores do capitalismo, outra sigla também repleta de origens e de finalidades execráveis.

A DEMOCRACIA (governo historicamente justo e ilibado) tem ficado, sempre, à margem das estripulias politiqueiras dos aproveitadores de plantão.

Sabemos que, de um modo geral, a democracia tem seus deslizes e defeitos, tem que ser aprimorada e purificada constantemente, como é a vida de deus e de todo mundo. Mas um país entregue aos malandros e trapaceiros, corruptos e criminosos, oh, isso é demais, faz mal às pernas, ao estômago e à cabeça do homem comum, que representa a maioria da população.

Os situacionistas (pessoas que atualmente ocupam os poderes executivos e legislativos) decidem por alta (ou baixa?) recreação que a carga maior de culpabilidade é do regime militar que vigorou nas décadas de 60 a 80.

O erro desse julgamento parte da miopia dos contestadores daquele regime, ou seja, dos terroristas da época, que hoje ocupam e solapam o governo. Eles alegam que salvaram o País da tirania da direita, sem reconhecerem que lutaram e venceram a pugna em nome da tirania da esquerda, ainda pior e tão desmoralizada por onde passara, deixando suas marcas sangrentas.

É uma história muito mal contada de um país que se livrou do espeto e caiu na brasa. Não foi (e nunca poderia ter sido) uma boa troca, a da aderência ideológica e possivelmente executiva aos países comunistas (Rússia, Cuba, Venezuela) em vez da afinidade com os países democráticos (Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha).

O que resultou – a tomada do poder governamental através de engodos e tramoias corruptas – é outra história mal contada (e piormente exercida) de um País que não se engrena no dever de proporcionar o bem estar e a sadia moralidade de todos os habitantes.

O que vemos agora na imprensa falada, visualizada e escrita é a impunidade calamitosa dos criminosos mais hediondos (os lesa-pátria e lesa-povo), virando o lado certo da verdade pelo lado avesso da mentira. Um país em que o exercício da vida humana chega a tal ponto (os criminosos tripudiando os inocentes) seria uma piada de mau gosto se não fosse o diabo a quatro de todos os malefícios.

O Brasil registra 50.000 homicídios por ano – e menos de 10 por cento chegam a ser julgados em tempo útil e necessário... “O direito penal oferece apenas duas opções a um advogado. Na primeira ele se obriga a só aceitar a defesa de um cliente se estiver honestamente convencido de sua inocência. Na segunda, torna-se co-autor do crime” – assim escreve J. R, Guzzo, na revista VEJA, criticando o advogado e ex-ministro do presidente Lula, que cobra 5 milhões de reais para defender o criminoso Carlinhos Cachoeira”.

A deturpação moral e cívica está infestando escandalosamente a própria Justiça, que estaria caminhando no mesmo atoleiro dos poderes legislativo e executivo...

Vade retro, satanás!

ESTRATÉGIAS DA REPRESENTAÇÃO

 Mensagem aberta ao crítico literário Mauricio José de Faria, que brindou-me com o livro inédito de titulo em epígrafe, a respeito de meu livro “Aço Frio de Um Punhal"

É a primeira vez que me sinto diante de um espelho sem me ver feio ou paupérrimo, mas sim bem perfilado e lúcido a ponto de reconhecer não o reflexo deformado de certos enfoques apressados ou biliosos, mas sim a nítida transparência de um close retocado e enquadrado nos ângulos criteriosamente estudados.

Uma análise que valoriza o objeto em pauta ao refundir sua concepção e quase recriá-lo no calor da releitura. E de repente o que estava no esquecimento (morto e sepultado?) abre os olhos, airosamente, levanta das páginas como que em novas impressões, ainda a esfregar os olhos e espreguiçando, mas já refeito e apto a encetar novas ações e imaginações.

A necessidade do crítico na literatura reside justamente aí, no afã da incursão e da iluminação do cenário da obra, agora visto de tão perto a ponto de se ouvir o balbuciar e o fluir (penosos ou não, contrafeitos ou não) de sua respiração, como se o crivo da crítica estivesse reescrevendo a obra ao escrever involuntariamente outra obra do mesmo gênero em prosa ou verso que pode ser até melhor do que o da referência.

É o que faz Maurício José de Faria no belo ensaio a respeito de meu “Aço Frio de Um Punhal” (Editora Guanabara, RJ, esgotado). A escritura dele afina tão bem com a leitura empreendida que a correlação escritor\leitor se evidencia a ponto de suprimir a distância geralmente existente nas obras predominantemente acadêmicas, que não é o caso desta.

Tudo acontecendo como se o leitor estivesse escrevendo? Folgo muito de ter em mãos um trabalho de fôlego que é também leve e profundo, arguto e fluente, legível e erudito. Fico muito feliz em merecer (?) o primeiro fruto de uma prospecção apresentada com tanta expressividade, augurando desde já, que persevere no avançamento de um caminho repleto de desníveis e saliências, que leva à paisagem da beleza cognitiva: é só firmar o olhar na caminhada que logo defrontará as esferas e os quadrantes, os campos e as matas, o oxigênio e a orquídea desafiando e aguardando quem deliberadamente aceita o pacto da impregnação eletiva, tácita e espontânea osmose.

Fico feliz em prognosticar que meu livro vai encabeçar uma audaz e numerosa bibliografia do escritor Maurício José de Faria. É desejável e necessário que toda essa gama de potencialidade supere o rol das dificuldades editoriais e possa enfaticamente ascender ao primeiro plano do palco, atualmente tão desfalcado, da crítica da crítica literária brasileira.

O domínio da linguagem, as propensões da argúcia e da escritabilidade legível estão mais que demonstradas e agora é clicar e mover os mecanismos.

E quem sabe ele já não está aí no seu canto de silêncio programado e exercitando os novos trabalhos que preencherão tantas lacunas, desfazendo tantas obscuridades, e que completarão tanto iluminamento numa área literária necessitada de acordar porque o sol já vai indo alto no céu e as pessoas na vida continuam a perder seus bens e dons por falta justamente de quem perfaça o encontro desses bens de um modo mais inteligente e legível?

A leitura do presente ensaio foi entrecortada de airosas e pungentes emoções, porque virava e mexia eu estava lá nos contos, a escrevê-los novamente. E mesmo absorvido no arranjo vocabular do ensaísta, agudamente esculpido no cerne da edificação crítica, eu recobrava outras absorções, principalmente a de que ali se falava de algo meu e não apenas do que me entretinha.

Como o retrato na parede que tanto doía no Drummond. A leitura do texto dele transigia de um ânimo a outro, de um perdido para um recuperado em novas cores e tons, agora distinguindo e aglutinando o que é momentâneo e permanente na vida.

A embaraçosa sensação de se estar ouvindo falar de si de uma forma distante e inesperada, mas tão calorosa, como se estivesse acordando de uma divagação, a se interrogar sobre o que fez, o que disse, a recobrar o ânimo, tal como a folha que se julgava morta e que agora, mesmo arrancada, é novamente ungida de luz e do calor de um velho coração abatido, porém vivaz.

É assim que humildemente ao fim da leitura, bato no peito para tentar saber por que acabo de merecer tanta distinção.