Uma das melhores recompensas do exercício intelectual no Brasil é o reconhecimento e a aprovação e o estímulo dos familiares do praticante assumido no labor cultural – uma tarefa onerosa e malvista pela maioria dos conviventes (já foi até dito, alhures, que em nosso país quando se fala em CULTURA tem sempre alguém perto para logo sacar um revólver). Felizmente o que acontece comigo, no círculo familiar é o estímulo da esposa Inês Belém e dos filhos Paulo Henrique e Ana Paula. Só neste Natal recebi deles os livros: “Um Modelo Para a Morte”, de Jorge Luís Borges, “Os Rios Profundos”, de José Maria Arguedas, “Eu Hei-de Amar uma Pedra”, de Antônio Lobo Antunes, “1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer”, de Steven Jay Schneider, além da coleção de filmes em DVD “Os Grandes Gênios da Música”. No Natais anteriores, recebi deles: “A Corte no Exílio”, de Jurandir Malherba, a coleção em três volumes de “Terra Brasilis”, de Eduardo Bueno, a coleção em cinco volumes das Memórias de Pedro Nava”, “Os Irmãos Karamazóvi”, de Dostoievski (para completar minha coleção, que estava desfalcada deste volume), “Mulheres Apaixonadas”, de D. H. Lawrence, “O Código Da Vinci”, de Dan Brown, “Quebrando o Código Da Vinci”, de Darrell L. Boch, “O Anjo Pornográfico”, de Ruy Castro, “Saudades do Século 20”, também de Ruy Castro, “Brando – As Canções Que Minha Mãe Me Ensinou”, biografia de Marlon Brando, de Robert Linley, “Império à Deriva”, de Patrick Wilcken, “O Príncipe Maldito”, de Mary Del Priore, “Capadócia”de Rewber), “As Barbas do Imperador”, de Lilia Moritz Schwarcz, “Cadernos de Literatura Brasileira” (compêndio sobre Guimarães Rosa, “Bélgica”, de Vários Autores, “Descubra Santorin”, idem, idem, “Egiptomania”, de Souza Manucci, “Pasagens de la História”, também de vários autores. Tudo isso sem contar os inumeráveis livros de arte (reproduções coloridas e em belo estilo das obras dos grandes pintores e escultores e os referentes às grandes e belas cidades históricas e turísticas, que tanto embelezam e engrandecem a nossa vida.
De um dos livros, presenteado no ano passado, “Fragmentos Setecentistas”, de Silvia Hunold Lara, tenho o prazer de pinçar e repassar aos leitores da coluna alguns itens muito interessantes:
- A terra dos negros era, no dizer de Bluteau, uma “vastíssima região da África entre o Saara e o (sic) Guiné”, indicando que os que viviam no litoral comerciavam com os portugueses e, por isso, “perderam a sua natural braveza e muitos deles se fizeram cristãos”. Os que viviam no sertão....”andam quase todos em contínuas guerras e feitos prisioneiros o inimigo que os cativarem os vendem aos africanos, árabes e portugueses, que negociam ao longo da costa e, em troca de escravos que levam, dão cavalos, panos, azeites, vinhos e outras mercancias da Europa” (página 32).
- A possível origem do preconceito racial (pág. 28): “Do ponto de vista dos brancos livres, os homens e mulheres que haviam conseguido sair da escravidão só produziam desordens e insolências. Por isso mesmo, eram cada vê mais estigmatizados: a menção à cor...indicava uma intenção excludente, funcionava como uma chave capaz de restringir a possibilidade de seu acesso aos privilégios dos homens bons.... era uma forma de limitar suas liberdades”. Página 16: A proposta governamental não era propriamente com a escravidão explícita, mas sim com os homens e mulheres “que haviam obtido a liberdade. Não mais sujeitos ao domínio de seus senhores, eles deviam ser objetos de um domínio de outra natureza: deviam ser registrados, triados e classificados conforme suas respectivas índoles, e a vida deles tinha que ser encaminhada segundo o interesse do bem comum”,
- O preconceito que se arraigou (pág. 144): “... nomear as pessoas como negros, cafusos, pardos, pretos e crioulos era uma forma de afastá-los dos brancos. Em diversas situações, muitos pardos e mulatos, livres ou forros, foram dessa forma empurrados para longe da condição de liberdade, apartados de um possível pertencimento ao mundo senhorial. Podiam ter nascido livres e até possuir escravos, mas estavam, de certo modo, identificados com o universo da escravidão”.
- O catolicismo e a escravidão (pág. 149): “Antônio Vieira, que tanto lutou pela liberdade dos índios ...Proferiu sermões em que criticava os horrores do tráfico e o péssimo tratamento dados aos escravos africanos, mas não deixou de justificar seu cativeiro”. (...) O jesuita Jorge Benci, justificando a origem divina do cativeiro no mundo expôs “as regras, normas e modelos necessários ao governo cristão dos senhores sobres os escravos”... Nas obras de Antonil e de Manoel Ribeiro da Rocha (pág. 150), nota-se claramente a doutrinação destinada “a legitimar o cativeiro e manter o comércio de escravos, que tanto benefícios traz ao reino de Deus”. Deduz-se, pois, que tanto para o governo, como para a igreja e para a classe opulenta (senhorial), “como negócio e forma de exercício do poder privado, o cativeiro aparecia como uma relação social legítima e necessária”. Era só o que faltava para macular (para todo o sempre?) a história da civilização brasileira. Assim como certas nódoas não desaparecem da roupa, outras não desaparecem da consciência, do espírito, da alma. Estamos, ainda, a purgar os pecados de nossos terríveis antepassados?