segunda-feira, junho 28, 2010

O DIA DESTRUÍDO

I O dia ignóbil chega aos becos do velho arraial, traça seus ponteiros negativos na pança do enfeitiçado que vomita torresmos sobre as ervas daninhas, emporcalhando as ervas orvalhadas, que curam quebrantos e maus-olhados, em troca de rapaduras e zombarias, que aguçam as doentias influências dos infestados de maldições e dos descorçoados penitentes daqueles casebres caindo aos pedaços na beira dos caminhos desbeiçados. Antes de ontem uma flor regada no sereno espetava suas pétalas nos mastros de bambus dos ritos dos reisados? Por que ninguém mais está a favor do enfeitiçado? Por que todo mundo prefere alinhar-se à direita do poderoso? As nuvens escuras pintam e bordam nas alturas emergentes imagens dos reveses, e as trituradas facetas dos embriões, e as maceradas efígies dos bandidos; pintam e bordam os versículos do pináculo, de onde surge mais um dia destruído na estreita forma de uma estrela pífia, avermelhada nas olheiras e nas tranças e rabichos, a chover os foguetes das desavenças de um ex-amor da falida, extinta humanidade, da extinta sinceridade dos mutantes da atualidade. 

II O dia ignóbil chega ao arraial da Serra Negra do Curral. O pássaro leva a casa de pau a pique nas garras. A flor regada no sereno espeta as pétalas nos mastros de pombeiros. No açougue a rês e o suíno, esquartejados: asas sinistras nos ganchos de ferro em brasa. E debaixo das vísceras e em torno das gorduras e dos coágulos sanguíneos, os fariseus e os publicanos contam as moedas do ganho desleal. O dia ignóbil sobe na laje mais alta das redondezas e proclama que o Diabo agora é Deus. Uma estrela vermelha queima os caibros da casa, que desaba sobre as cabeças dos inocentes. Em vão.

PONDERAÇÕES ESPONTÂNEAS

O corpo tem alma para lavá-lo, enxugá-lo, perfumá-lo. A alma tem um corpo invisível, inalienável, incólume aos odores e ferimentos. Uma pitada de sal, outra de doce. Eis o tempero do bom texto. É só ler e comer. Teista: crendice de que um Deus interfere no funcionamento do mundo. Deista: crendice de que um ser absoluto e poderoso criou o mundo e nele se consumiu. A partir de então tudo o que acontece no mundo é de responsabilidade exclusiva de quem vive nele.

terça-feira, junho 22, 2010

ATENCIOSAS OBSERVAÇÕES

1 – As estrelas distantes, que ainda brilham, podem estar mortas há muito tempo. Mas o facho de luz de cada uma delas rompe a distância dos anos-luzes, para brindar-nos, morrendo aos nossos olhos, em nossos pés. Assim veremos num passe de mágica o acelerador de partículas, instalado no subterrâneo dos arredores de Genebra, reproduzir a explosão do big bang que deu origem ao universo há 13,7 bilhões de anos. Milagre da ciência! 2 – No bom livro, segundo o saudoso escritor Aníbal Machado, “está ventando em cada folha e fazendo sol nas margens”. 3 – Onde está a boa performance econômica do atual governo? A revista VEJA ,de 30/12/09, diz, em negrito: “Ano após ano, o governo gasta mais do que arrecada. Para bancar suas despesas, toma dinheiro emprestado, e o resultado é o aumento da dívida pública, que atingiu 2 trilhões de reais – ou 10.321 reais para cada brasileiro vivo”, - que nasce devendo a farra dos exorbitantes. “O endividamento do período acumula um aumento de 840 bilhões de reais”. Até parece que a governamental intenção “é entregar uma bomba relógio a seu sucessor”. 4 – O desenvolvimento civilizatório é essencial, necessário em toda parte do mundo. Dos recentes e catastróficos terremotos acontecidos, a magnitude da escala Riche do Chile (8,8) foi maior do que o do Haiti (7). A energia liberada que aconteceu no Chile foi de 25.000 bombas atômicas e o do Haiti foi de 30 bombas atômicas. Mas a quantidade de vítimas no Chile foi de 452 mortos e 2 milhões de desabrigados, enquanto que no Haiti o registro é de 220.000 mortos e de 3 milhões de desabrigados. Aí é que reside a diferença entre o país desenvolvido e o atrasado. O Chile teve condições - e se cuidou. O que não aconteceu com o Haiti. Que o Brasil se conscientize dessa diferença e veja no Chile um exemplo de bons resultados da civilização. Depois de toda a hecatombe, o país dispõe do saldo do fundo soberano de 11 bilhões de dólares que ajudará, muito, na despesa de 30 bilhões que deverá gastar. E o Haiti? Não tinha nada – e precisará de tudo. E o nosso país: estará mais para o lado de qual dos dois países assolados? Cito as palavras de J. R. Guzzo na VEJA de 10/03/2010: “A política externa brasileira pode ser um primor de independência, mas seu resultado prático mais visível foi tornar o Brasil, ao longo do governo Lula, o grande amigo do que existe de pior no mundo”. 5 – A religião substituía a ciência quando a ciência não existia. A primeira com seu sistema de crenças abstratas, por assim dizer. A segunda com seu sistema de crenças concretas, por assim dizer. Entre as pontes do abstrato e do concreto, qual vamos escolher, para ter mais segurança na vida? A lógica opta pela científica, mas... a lógica é uma teoria cuja prática não tem muita graça, pois é muito transparente. Já a travessia religiosa tem os contornos da surpresa, o amor do mistério.... E então? Será possível fundir as duas numa: num mesmo bloco claro e escuro ao mesmo tempo? Prosa e poesia ao mesmo tempo? 6 – O ponto central de uma entrevista que concedi à TV FUNEDI é: O Curso que fiz de Ciências Sociais no INESP (de janeiro de 1979 a dezembro de 1982) abriu-me as portas da pesquisa científica, coroando todo um esforço de anos e anos de alentados estudos auto-didáticos. Já conhecia boa parte da história da civilização (o renhido duelo entre a Piedade – poesia – e a Violência – política através dos séculos), da literatura e da bíblia sagrada. Através do curso, iluminado principalmente pela excelência pedagógica de Frei Bernardino, Ivan Ribeiro, Frei Leonardo e Ildeu Corgozinho – e pelo acurado estudo de todos os livros exigidos para complementar as aulas - e tantos outros de minha especial escolha na bibliografia a respeito da sociologia), pude coordenar uma pesquisa financiada pela FUNARTE, sobre a cultura popular de Minas Gerais e estudar, escrever e publicar as histórias municipais de Divinópolis, Arcos e Desterro (antigo nome de Marilândia), além de penetrar na área da complicada pesquisa genealógica e levantar, cientificamente, o histórico relacionamento das famílias Barreto, Tavares, Guimarães e Amaral. Desempenho intelectual que muito me honra – e que considero como sendo uma dívida de gratidão com o Curso (pago, é claro) do INESP. Sinceramente.

sábado, junho 19, 2010

A VIDA E O MUNDO

Quem nasceu primeiro, a Vida ou o Mundo? O ovo ou a galinha? Onde se esconde o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba? Perguntas retóricas. Respostas evasivas? O melhor da festa é esperar por ela, o melhor do Mundo é a Vida. Para quem tem consciência de si mesmo, cada pergunta é uma resposta. Ou não? É sim, mas há controvérsias.... A origem da Vida, segundo Herton Escobar (jornal “Estado de São Paulo”, edição de 06/06/2010), que transcrevo a meu modo, ou seja, sem as reticências da literalidade, mas com a consciência da fidelidade: - Todos os seres vivos possuem DNA,ou seja, todas as espécies do planeta originaram-se de um ancestral comum a cada espécie, isso em bilhões de anos atrás. - Meteoritos microscópicos caem continuamente na Terra, sem sofrer superaquecimento na atmosfera. Se portarem bactérias, eles podem sobreviver. Em contato com água líquida e temperatura adequada, as bactérias reidratadas voltariam a se proliferar, semeando a vida no planeta. - Teoria da Pauspermi, segundo a qual a Vida pode não ter se originado na Terra, mas em outro ponto do Universo, e caído aqui já pronta, trazida por um cometa, meteorito ou coisa parecida. - “Nossos ancestrais genéticos ainda se escondem entre as estrelas”. - É possível mostrar que cometas em órbita ainda carregam vida microbiana, e que micróbios continuam a ser introduzidos na Terra por cometas até os dias de hoje. - “Vemos o objeto iluminado e não a luz” – assim Goethe, poeta iluminado, assegura. 

 - Segundo Willian Faulkner (que todo ano relia o romance “Moby Dick”, de Herman Melville), os três personagens Ismael, Queequeg e Ahab, representam a trindade da consciência: o não conhecer, o conhecer sem problemas, e o conhecer problemático. - Sempre que a neurastemia da depressão me atacava e a alma hibernava do corpo apático, eu dava um jeito de fugir para os longes do mato e assim proteger-me junto aos seres mais verdes, que logo me consolavam, rejuvenescendo-me. - Como Melville, que gostava de navegar em mares perigosos e desembarcar em praias selvagens, eu também gosto de chegar aos lugares aparentemente fechados, realmente inusitados. - Os brancos cristãos eram piores do que os pagãos da ilha selvagem, reconhecia Melville. - “Eu agrediria mesmo o sol se ele me insultasse” – é o que afirma um dos marinheiros do livro. - “Eu já ia célere pelos rios impassíveis, não me sentia mais guiar pelos sirgadores. Deles fizeram alvo os índios irrascíveis, depois de os atar, nus, aos postes multicores”. (assim poetava lindamente Artur Rimbaud, no antológico poema “O Barco Doido, tradução de Augusto Meyer).

sexta-feira, junho 11, 2010

VERDE QUE TE QUERO VERDE

Transcrições de Lázaro Barreto. “Verde que te quero verde./ Verde vento. Verdes ramas./ O barco vai sobre o mar/ e o cavalo na montanha.../Verde que te quero verde./ Grandes estrelas nascem com o peixe da sombra/ que rasga o caminho da alva..../ A figueira raspa o vento/ a lixá-lo com as ramas,/ e no monte o gato selvagem,/ eriça as piteiras ásperas..../ Que eu possa subir!/ até às verdes varandas,/ Até balaustradas da lua por onde retumba a água..../ Verde carne, tranças verdes,/ com olhos de fria prata..../ Ponta gelada de lua? Sustenta-a por cima da água..../ A noite se fez tão íntima/ como uma pequena praça.../ Verde que te quero verde./ Verde vento. Verdes ramas...”. (fragmento do poema “Romance Sonâmbulo”, de Federico Garcia Lorca, tradução de Afonso Felix de Sousa, Editora Leitura, Rio de Janeiro, 1966). Matar a Natureza é Matar o Lucro – Da reportagem de Gabriela Carelli, revista VEJA de 09/06/2010). 1) “Os serviços prestados gratuitamente pela natureza ao ser humano: água limpa, solo fértil para o plantio de alimentos, a purificação do ar pelas florestas, a polinização e outros recursos naturais...”. 2) O “nosso futuro comum”, de acordo com os termos de um Relatório Sobre o Meio Ambiente, da ONU, “exprime a idéia de que o desenvolvimento não pode implicar riscos à Natureza a ponto de prejudicar as gerações futuras”. Assim, “as empresas de todos os ramos de atividades” precisam saber “que destruir a natureza é reduzir seus próprios lucros”. 3) Transição para a economia verde do mercado mundial de bens e produções, segundo Pavan Suthdev, economista indiano, ao longo da mesma reportagem da revista paulista: “Em vez de arrecadar impostos sobre renda e os bens, como é feito hoje, seria melhor taxar os efeitos externos negativos da atividade empresarial. As alíquotas deveriam ser aplicadas sobre o uso dos recursos naturais e dos materiais. O modelo atual apenas incentiva o mau uso do capital”, além de arrasar com o meio-ambiente e a vida no planeta. TERRA SECA (poema deste cronista constante no livro “Mel e Veneno”, Editora Expresso, Divinópolis, 1984). Sol desleal, sem a mínima borboleta. O lenhador te dá as chaves da capoeira E massacras três milhões de donzelas. Nenhuma árvore me acompanhará Estrada afora, rumo às nascentes. Nenhuma vaca terá sossego na fazenda. E sem cantos de inverno, imóveis Na sensação aquém da saciedade Os precoces espelhos da fera morte cintilam no deserto do velho céu. QUANDO QUANDO (poema constante no livro “Árvore no Telhado”, deste cronista, edição do Movimento AGORA, em Divinópolis, 1969: Quando a tarde prosperava demais, escrevendo seus poemas herméticos, obriguei-me a deixá-la, vindo para dentro. Aqui estou no meio das palavras, procurando algumas que sejam todas. Quando um dardo me procurou na colônia dos homens imaturos, tive que fugir para o mato, conferir os pássaros e as flores, a procura de um tigre, uma pedra, uma árvore que me consolasse.

quarta-feira, junho 09, 2010

CONVIVIO SALUTAR (*)

A literatura e a juventude. Sendo uma dotação abstrata no âmago de cada pessoa, a literatura flui do espírito visando o enriquecimento interior de quem lhe dê atenção. É um valor imaterial de longo alcance e de fácil receptividade. Começa na infância com o desvelo dos pais e professores, no vantajoso incentivo da leitura reiterada. Bibliografia é que não falta: os autores estrangeiros traduzidos e os brasileiros da linha de Monteiro Lobato, derivando para as coleções de histórias em quadrinhos e os filmes de Walt Disney. No meu tempo de criança nem precisava de tanto acervo. Em cada casa ou em cada rua havia um ou uma contadora de estórias à beira do calor noturno de um fogão à lenha ou mesmo à luz de um oniricamente convidativo luar. Saudosos valores defenestrados da rotina popular depois da chegada aos lares brasileiros dos aparelhos de televisão – isso a partir dos anos sessenta – e dos da internet, mais recentemente, quando a vida humana dos praticantes passou a transcorrer mais virtualmente do que vitalmente. Algum antídoto para tal malefício? Nem pensar. A alternativa é saber viver e conviver diante dos percalços que a impregnação do modismo tecnológico instaura no seio familiar-social das comunidades em todo o mundo. O que fazer então? Assumir o ônus e buscar alternativas para não cair na possessão de uma matreira insanidade mental. A violência, que campeia na sociedade em todo o mundo, nas ruas e nos lares resultam do assédio de uma mídia acionada pelos produtores dos engenhos eletrônicos sobre os consumidores afeitos à vanglória ou incautos consumidores dos males e dos bens que enfeitam e enfeiam a vida das pessoas contemporâneas. A juventude é especialmente visada e assediada pelos infindáveis lançamentos de geringonças que nada acrescentam à uma vida saudável. E assim multiplica o número de vítimas dessa espécie de vírus da modernidade. O egoísmo da classe dominante não quer nem saber. Nunca está disposta a equilibrar as ações e seus efeitos. A forma de governar um município, um estado, uma nação, passa a ser regida por um jogo de empurra e não mais por uma tábua de valores morais. A ausência da democracia nos regimes políticos, ao lado da presença da corrupção institucionalizada, causa a prevalência dos ismos ocasionais, como se a Verdade possuísse mil faces e não apenas a da Honradez, da Moralidade, da Justiça e Congêneres. A literatura não cria nem derruba governos. Ela retrata o caráter da pessoa humana, a importância dos bens da natureza – e mostra a prevalência do espírito sobre a matéria, iluminando a Verdade e a Beleza, como as duas faces de uma moeda aurífera eterna e universal. Refiro-me à verdadeira LITERATURA, a que participa da categoria das Belas Artes do engenho humano. 

(*) – Resumo do que disse numa palestra na Escola Municipal Professor Darci Ribeiro, Bairro Niterói, Divinópolis, em 08/06/2010, atendendo ao convite das Professoras Sueli Maria Vieira Santos e Maria Helena Fonseca Machado e Agda Cecília Lima. Uma palestra no sentido da troca de idéias e da identificação das finalidades com dezenas de alunos amadurecidos pela vida real, atentos ao conhecimento dos caminhos e das funções de iluminamento mental-espiritual que o amor da literatura proporciona. Tenho a impressão que o recado foi dado e recebido, de ambas as partes, com o pretendido proveito. Tenho certeza que o escritor e o leitor são eternos aprendizes dos mistérios que a vida carrega em suas amplas estalagens. E quando ambos se encontram, como aconteceu no data e no local, referidos, as palmas são uníssonas e recíprocas. Parabéns às pessoas de boa vontade no encaminhamento do convívio salutar entre os seres humanos. Bem haja, pois. UM ADENDO A comunicabilidade virtual está ocupando muito espaço em nosso mundo, em nossa vida? Não corre o risco de derrapar na vulgaridade? Não passaria de uma reles forma de dançar, no sentido estrito de que dançar é perder tempo e espaço? A reciprocidade do amor... A reciprocidade do amor não é algo que exige mais espaço, mais tempo, mais espaço e mais tempo especiais? Quem não vê cara não vê coração. Os olhos do corpo são os mesmos da alma.

terça-feira, junho 01, 2010

SUTILEZAS

A felicidade entre os amantes se concretiza quando ambos carregam um histórico diversificado, atraente. Uma insinuação de preliminar afetiva prenunciando a implícita preliminar sensual... A afetiva advém do olhar enigmático? Do olhar de outros segredos e mistérios? As cores e os perfumes de flores inexistentes de jardins circunvizinhos?... As palavras e os silêncios apenas intuídos... Uma vontade ao encontro de outra vontade: a pêra e o caju na meia-luz de um pomar? A preliminar afetiva é bem conhecida. Vem e chega naturalmente. Acasala propensões e afinidades (a mão direita no queixo, nela; o piscar de um dos olhos, nele). O mesmo gosto do arroz-doce na sobremesa... O mesmo calor depois da frieza.... A preliminar sensual é o segredo alarmante, embutido de alma no corpo de cada um deles... Como ela será no começo, no meio, no apogeu? (ele se pergunta). Inibida? Espontânea? Expectante? Uma linha de luz na testa pegando fogo pelo corpo afora e pelo corpo adentro? Como serei diante dela? (Ele se pergunta). Assim mesmo como sou: afogueado e nada lúcido? Doido varrido na deliberação? Incontido na euforia? A felicidade do amor não devia morrer no relance nem no orgasmo. Devia resguardar seus tônicos e clarões, indefinidamente.