A índole amável das pessoas salta aos olhos e ouvidos através das fisionomias prazerosas das conversações e informações, confirmando os versos de um dos fados de Amália Rodrigues, que fala mais ou menos assim: “Numa casa portuguesa fica bem/ Pão e vinho sobre a mesa./ Fica bem essa franqueza, fica bem/ Que o povo nunca desmente./ Pois a alegria da pobreza/ É esta grande riqueza/ De dar e ficar contente./ Quatro paredes caiadas/ E um ramo de alecrim/ Um cacho de uvas douradas/ E uma rosa no jardim./ Um São José de azulejos/ Sob um sol de primavera./ Uma promessa de beijos/ Dois braços à minha espera...”.
A impressão que temos dos lugares e das pessoas é de uma certa perenidade nos temperos e temperaturas, como se notássemos que a mocidade de tudo e de todos prevalece no paladar e na digestão, por assim dizer. As semelhanças e diferenças com nós, brasileiros? Ah, penso que são mais etmológicas do que genéticas. A mesma língua, a mesma linguagem, a mesma denominação dos lugares e das pessoas. A diferença é que, no meu entender, paternalmente, descendemos dos portugueses, mas maternalmente somos mais filhos das ameríndias e africanas do que das portuguesas. Os nomes são portugueses, mas as feições são miscigenadas.
Se eles nos devem o ouro que remediou tantos males deles e embelezou tanto suas paisagens, acalentamos, também, o nosso sentimento de gratidão.
O historiador mineiro José Murilo de Carvalho, em entrevista à Folha de São Paulo (de 25/11/07), julga “positiva a recuperação das imagens de Dom João VI e da Princesa Carlota Joaquina..., deslealmente caricaturadas no filme de Carla Camurati”. Sem a vinda da família Real em 1808, ele acrescenta: “o Brasil com certeza não existiria: a Colônia se fragmentaria, como se fragmentou a parte espanhola da América. Teríamos, em vez do Brasil de hoje, cinco ou seis países distintos (...). A grande diferença em relação à América espanhola foi a manutenção da unidade da colônia portuguesa e a monarquia... Daí veio o Brasil de hoje. Se para o bem ou para o mal, é Guimarães Rosa quem decide: “pãos ou pães, questão de opiniães”.
Portugal é a mais antiga Nação-Estado da Europa. Lisboa, a cidade da foz do Tejo, possui dois milhões e meio de habitantes, longas avenidas, belas esplanadas de palmeiras, oito séculos de história. Os edifícios crescem horizontalmente e não verticalmente, como os de nossas grandes cidades. As construções, de um modo geral, não destoam do estilo e dos motivos manuelinos explícitos na Torre de Belém e no Mosteiro dos Jerónimos: flores, serpentes, cordas torcidas, âncoras – uma explosão renascentista. A arte religiosa (escultórica-pictórica), na minha modesta opinião, é a mais expressiva, a mais viva de todas. É nela que, além do primor estético, sobressai o valor da piedade humana copiada, por assim dizer, da piedade divina, na qual o próprio cotidiano pleiteia alçar ao patamar da transcendência.
LISBOA: a constante arquitetura manuelina de linhas retas e de equilíbrio contínuo, sem a diferenciação entre edifícios comerciais e residenciais que se alinham uniformemente na altura e também no emendamento horizontal. É assim que se perfaz a inteireza dos quarteirões sem os espaços vagos, impregnando o apego tradicional do adereço embelezador, de forma a não contrastar o estilo clássico do moderno na conjuntura , com as ressalvas maravilhosas, claro, de soberbas edificações e dos becos sinuosos em toda a cidade de tantos monumentos políticos e tantos sacrários religiosos, além das praças e jardins e museus e escadarias – e o fabuloso Oceanário (o segundo maior aquário do mundo) com seus tanques diáfanos exibindo a revoada de animais marinhos (lontras, tubarões, arraias, garoupas, anêmonas, polvos, pingüins, focas, ouriços, todas as espécies em nuvens como que celestiais de águas ajardinadas por tantos seres vivos, tão vivos e fagueiros quanto a impressão que dão).
PORTO: A cidade consegue ser mais bonita e aconchegante do que Lisboa. O Douro com suas águas douradas, repletas de gaivotas, barcos e olhares turísticos na doçura de um sereno deslizar pela tessitura melodiosa das margens em forma de ilhas. Porto, ah Porto, suas colinas cobertas de parreiras, o centro histórico tombado pelo Patrimônio Histórico da Humanidade, através da UNESCO. A Ponte Dom Luiz I no estilo da Torre Eiffel de Paris; a Igreja de São Francisco de 200 quilos de ouro no altar, com a belíssima Arvore de Jessé numa das paredes e as Catacumbas antigas anexadas; a Igreja dos Clérigos com a Torre (na qual subimos) e que é uma das edificações mais alta de Portugal: ah, quem a construiu, agradecendo a Deus, beneficiou seus semelhantes de todas as épocas, perenizando, assim, o amor das Criaturas ao Criador. O Museu Romântico (sem o ranço das coisas meramente antigas) ostenta dentro e em seus arredores o Jardim do Palácio de Cristal e um bosque de plátanos - todo o recanto repleto de aquarelas estéticas e ecologicamente perfeitas.
COIMBRA: Demoramos em Coimbra, é claro, andando em suas ruas curvas e morros íngremes, bisbilhotando todo o campus da famosa Universidade e, depois, na viagem até Guimarães, apreciando das janelas da locomotiva a vegetação vigorosa, úmida, vívida, sintonizando o casario marginal da ferrovia, possuído das mesmas tonalidades cromáticas da salubridade agrícola. As edificações conservam o viço nas paredes e telhados como as árvores nos troncos e nas folhas – como se a temperatura-ambiente conservasse e não desgastasse a contextura do que é natural no artificial e vice-versa. Como se a ação temporal do sol e da chuva não descolorisse nem envelhecesse, não queimasse nem apodrecesse. Mas para falar de Coimbra e de sua famosa Fonte das Lágrimas, nada melhor do que transcrever (de memória) a letra de outro fado eternizado pela Amália Rodrigues: “Coimbra de choupal/ Ainda és capital/ do amor em Portugal/Ainda. Coimbra, onde uma vez/ Com lágrimas se fez/ A história desta Inês/ Tão linda./ Coimbra é uma lição/ De sonho e tradição/ O Lente é uma canção/ E a lua, a Faculdade/ O livro é uma mulher/ Só passar quem souber/ E aprende-se a dizer Saudade./Coimbra dos doutores/ Pra nós os teus cantores/ A Fonte dos Amores/ És tu./ Coimbra das canções/ Coimbra que nos põe/ Os nossos corações/ A nu.... Coimbra é Portugal, a terra dos poetas da estirpe de Camões, José Régio, Fernando Pessoa, Ana Hatherly e Tantos Outros.
GUIMARÃES: terra natal de meus antepassados paternos e maternos: os Barretos, os Castros e os Guimarães (ver o livro “A Família Oliveira Barreto”). A cidade é considerada o berço da nação portuguesa: em 1139 o primeiro Rei de Portugal Afonso Henriques escolheu-a para ser a Capital do País - e por conservar os monumentos de sua história (o Centro Histórico, o Castelo de Guimarães, o Paço dos Duques, a Igreja Nossa Senhora da Oliveira, os Museus e suas ruas estreitas de bairro medieval), é hoje Patrimônio da Humanidade. Infelizmente estava chovendo no dia em que lá estivemos e seus imóveis históricos estavam fechados. Mas tive acesso aos arquivos genealógicos da Câmara Municipal, onde consegui, além de endereços eletrônicos (e-mails e sites), muitos dados até então ausentes de minhas pesquisas.
SINTRA: um colírio para os olhos do turista já agraciado pelas magníficas imagens da antropogeografia portuguesa. A cidade se expande em vilas unidas por caminhos que rodeiam as montanhas densamente florestais. Os sacrários construídos pela natureza e pela mão humana são amplamente conciliados e vistosos e saudáveis. Visitamos o Parque e o Palácio da Pena – e ficamos maravilhados. O tempo foi escasso e não pudemos ir ao Castelo dos Mouros, exoticamente instalado entre muralhas e penedos, de feições igualmente mouriscas. Belezas de se tirar o chapéu e persignar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
A viagem seguia a programação, que previa uma esticada até Barcelona ou à República Tcheca, mas gostamos tanto de Portugal, que decidimos permanecer no país, regalando-nos com as surpresas (as deliciosas descobertas) de tantas paisagens como que inventadas pelo gênio de Manuel Bandeira em um de seus poemas. E mesmo assim deixamos de conhecer outras tantas partes atraentes como as do Minho, do Alentejo, de Braga, Évora, Setúbal, Aveiro, Queluz e Mafra - com seu palácio de 40.000 metros quadrados de construção, 4.300 portas e janelas, 880 salas e um corredor de 232 metros. Assim é Portugal, e muito mais.